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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CARLOS MACHADO

CARLOS MACHADO


 

Nascido baiano de Muritiba, em 1951, é jornalista especializado em informática e vive em São Paulo desde 1980. Autor de livros técnicos publicados pela Editora Campos (RJ), emprega seu talento e competência em prol também da literatura, e de forma generosa. É o criador e editor do boletim semanal poesia.net, em que dedica com esmero páginas à divulgação de poetas, principalmente contemporâneos e em sua maioria, brasileiros. Publicou de sua própria lavra o livro Pássaro de Vidro (poesias, Editora Hedra, SP, 2006), a respeito do qual escreveu Donizete Galvão:

 

“Todos que conheciam o olhar atento, a observação acurada e a sintaxe elegante dos comentários de Machado que acompanham os poemas de poesia.net, podem ver essas mesmas qualidades condensadas em sua poesia. Pássaro de Vidro nos apresenta um poeta em plena sua maturidade, rigoroso na sua concisão substantiva, em que a clareza e a leveza estão a serviço de uma poesia reflexiva e consistente. Vale ressaltar o acabamento impecável dos poemas que resultam em artefatos límpidos, sem rasura. Seguindo a máxima de Aníbal Machado, o autor retira dos poemas toda estridência para que ganhem mais alcance e ressonância”.

 

Sobre o trabalho do poeta diz também Luiz Alberto Machado em seu blog: “Carlos Machado já é digno de meus aplausos acalorados pela iniciativa de criar o Ave, Palavra, onde divulga semanalmente um boletim denominado de poesia.net, abrigando, revelando, resgatando, revalorizando e reproduzindo poemas de toda sorte de poeta, desde os clássicos até os novos e novíssimos.(...) Isso prova o quanto de aplauso efusivo o seu trabalho merece. Este poeta dos bons tem poemas publicados em revistas literárias, como Cacto e Jandira, além de jornais, como O Escritor, da União Brasileira de Escritores. Na rede, tem uma seleção de poemas reunidos no legendário Jornal de Poesia. Agora ele chega com O pássaro de vidro, dividido nas sessões “Horológio”, “Pássaro de vidro” e “Garrafa de Náufrago”.

 

Página preparada por Angélica Torres (maio de 2009)


 

MACHADO, Carlos.  Pássaro de vidro.  São Paulo: Hedra, 2006.  101 p  13,5x20,5 cm.   Capa: Rodrigo Maroja.  ISBN 85-7715-004-6   “ Carlos Machado “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

De Pássaro de Vidro

 

COMÉRCIO 

comprar tempo

em barras

– como ouro

ou sabão –

e estocá-lo

nos armazéns

da cobiça

 

instituir

o próspero

comércio

da eternidade

 

e abrir as

portas

para nova

e concorrida

profissão:

ladrão

de tempo

 

PUNHOS 

o tempo tem punhos

de renda

 

e toda a cerimônia dos

carrascos

 

na mão direita três

punhais:

 

ponteiros de metal

cravados

 

na pele fria de cada

hora que vai


PÊNDULO 

o braço do pêndulo

nunca se agita

 

apenas acena sem

ênfase

 

em compasso de

despedida

  

MARGARIDA

na margarida

do relógio

desfolho

uma a uma

as pétalas do dia

 

nesse jogo

de sal e saibro

toda pétala

a mais é

vida a menos

 

e toda flor

malmequer 

 

FIDELIDADE

só a pedra é fiel

a sim mesma:

 

a lesma {e seus

coleios}

 

a lesma {e sua

gosma}

 

de molusco} é

sempre

 

o avesso do que

se supõe

 

mas a pedra ¿não

será ela

 

mesma uma forma

dura de lesma?

 

ANATOMIAS 

anatomia de coisas

 

desnudar

o pássaro de vidro

e ver em seu lado

oculto

o outro lado

de seu vulto

 

dissecar

vozes

sombras descalças

e perquirir

a substância

escassa que principia

na polpa

branca do dia

 

flagrar a ânsia

do relógio

e a cadência

dessa máquina

humana

 

fotografar

a permanência

da chama

 

anatomia do gesto

 

dobrar a esquina

de mim mesmo

olhar pra trás

e ainda

enxergar

o resto de

meu gesto

tonto

 

 

 

PÁSSARO DE VIDRO (2) 

 

quanto mais escancaras

teu íntimo de vidro

 

quanto mais descortinas

o avesso dos sentidos

 

mais o que revelas

deixas escondido

  

 

PÁSSARO DE VIDRO (3) 

 

o pássaro é cego

e cego é quem

se agita

em seu espaço

ambíguo

 

esse espaço

de incessante

tarde nua

 

onde o vôo

risca um traço

branco

de vidro no vidro

 

ANJO MURITIBANO

sim, uma vez

vi um anjo

 

nada dos anjos

católicos

gabriéis

armados e vingativos

 

nada dos anjos

de Rilke

alemães terríveis

 

meu anjo

sem asa

e sem palavra

não foi visto num castelo

em Duíno

mas numa casa

chã e rasa

em Muritiba

 

era um anjo

pequenino

morto morto

placidamente morto

 

estava numa

caixa de sapatos

 

SÁBADO 

cavalos burros

jumentos

na rua:

é dia de feira

 

no paralelepípedo

a pata do quadrúpede

acende uma centelha 

 

 

CANÇÃO DE MÁRIO E FERNANDO  

 

estética e angústia

traços-de-união

entre dois orpheus

desencontrados

 

um sem biografia

o outro sem história

arte longa curta vida

 

— e ambos viraram

sílabas

                

sombras fugidias

sobre as águas

do Tejo ou do Sena:

 

a vida escrevivida

         vale a pena?

 

orpheus na sala

de espelhos

divididos

multiplicados

 

ai tortuosa

aritmética da alma

 

1 é número múltiplo

 

CÃMERA 

How you die is the most

important thing you ever do.

                    Thimoty Leary

 

 

uns preferem

a morte discreta

asséptica

sem vexame

 

outros apostam

no alvoroço:

enxame

de câmeras até

o osso do nada

 

thimothy leary

guru

lisérgico não quis

o analségico

do silêncio

 

 

morreu em show

cibernético

câmera aberta

para o olho

              poente 

 

ESFINGES 

 

Alguns, prudentes, não falam com estranhos.

Outros, muito práticos, dizem apenas o necessário

Para o bom andamento dos negócios.

 

Alguns, calmos e sérios, fecham portas e janelas.

Outros, afoitos, ou filhos de um deus sem-terra,

Oferecem biscoitos, talvez flores, e longa prosa.

 

De todos, quem sorri com mais dentes de ouro?

quem finge? quem vê no espelho sua própria

                                                      (esfinge?

 

 

Booleana

 

o deus verdadeiro

é falso

diante de outro deus

verdadeiro

 

se meu deus é

único e verdadeiro

e teu deus

verdadeiro e único

 

então teu deus

é falso e púnico

 

 

Homem-bomba

em que pensa

o homem-bomba

no exato

momento

de soltar o pino

e estancar

o tempo?

 

em que pensa

o homem-bomba

na hora imensa

em que o sangue

se adensa

e todos os sóis

e todos os poros

e todas as luas

do universo

projetam

forças vorazes

de gravitação na

explosiva

nave de

seu coração?

 

em que veia

cava o

medo crava

seus tentáculos?

em qual

infinitésimo

de segundo

a mão trêmula

avança para

o pino e

vence a inércia

do ser vivo

que deseja

permanecer

capaz de semente

— não de ideias

mas de

carne viva?

 

 

 

Extraído de

 

POESIA SEMPRE. Número 29.  Ano 15.  No. 29. 2008.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional,  2008.     Editor: Marco Lucchesi. ISSN 0104-0626.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

         Heraclitiano

 

        na segunda chicotada
         você já é outro

         — não importa o lado
         do chicote

 

 

         Si menor

 

        o pó o pouco o precário
         o que respinga
         na torneira do gesto
         o que se perde
         na eclipse da sílaba
         o que não se refaz
         nas alforrias do sábado
         o si menor do silêncio
         as vassouras febris
         destelhando os cabelos
         a erva daninha que
         rói o rosto de aço
         os dentes de serra
         dos ratos subtraindo
         manhãs que não serão

 

 

        Caçador

 

        o amor carrega no bolso
         sete grãos de chumbo

         pisa torto enxerga pouco
         e olha de través
         nos dias ímpares
         vai à caça

         nos pares se recolhe
         para chorar

         quando sai não diz aonde
         vai nem deixa pista

         quando chega destrói
         a casa e

         espalha violetas
         pelo chão

         o amor carrega no dorso
         sete grãos de chumbo

 

 

 

Extraído de

 

        

SUPLEMENTO MG – Belo Horizonte, Setembro/Outubro de 2017. Edição n. 1.374.  Secretaria de Estado da Cultura.

 

FACE PONTA, ÁGUA NO CESTO

CARLOS MACHADO

 

  1. CRIANÇAS

 

Outrora, é certo, não havia crianças.
Havia brotos humanos:
bichinhos de pequeno porte,
de boa estimação e nula serventia.

 

“Criança e tamanco, debaixo do banco”;
escancarava o dito do sertão.

 

E os dois meninos sem nome.,
nas Vidas Secas,
valiam menos que a cachorra Baleia.

 

 

  1. FABIANO

 

O soldado amarelo
é o Estado-deus
soberano
quando a vítima
não passa
de um sertanejo
Fabiano.

 

Fabiano sem fala
cão engasgado
com o osso
da História:
preto, pardo,
pobre. Chamariz
de polícia.

 

  1. SINHÁ VITÓRIA

 

Sinhá Vitória não diz.
Murmura. Rezinga.

 

O sertão é faca de ponta.
Touceira de espinhos.

 

Não há por que riso solto,
dentes no quaradouro.

 

Mulher — quem não sabe? —
põe as tralhas no eixo
põe a vida no cabresto.

 

Nem que seja apenas
carregar água no cesto

 

 

  1. O SOLDADO AMARELO

 

Nas vidas secas
o soldado amarelo
é o Estado
em seu estado bruto:
sem lei, sem estatuto.

 

Feixe de privilégios
que se trança e se tranca
dentro de um ninho
de serpentes.

 

Cobras de vidro.
Seu bote
está sempre armado
contra quem se atrevia
a demandar porquês.

 

 

 

  1.  O CINTURÃO

O menino Graciliano
conhece o peso da Justiça
após o sumiço
do cinturão do pai.

Justiça, vírgula, essa
mão sinistra
que desaba sobre
os fracos e desprotegidos.

Sob o tacão do soldado amarelo
o homem Fabiano
estala. Mais devastado que
o menino Graciliano.

 

  1. OS DOIS MENINOS

 

O menino maior
e o menino menor
são como dois bichinhos:

 

Calango, preá
— cabras pequenos, em sentido
amplo e absoluto.

 

Mas há esses negócios de mãe,
você sabe. Sinhá
Vitória concede a eles
outro estatuto.

 

Mas que são bichos, são.
Criaturas do chão.

 

 

  1.  BALEIA

 

Daria parte do sangue
que corre nas minhas veias

 

para ver feliz e arisca
essa cachorra Baleia.

 

Mas é a desgraça.
A fome, a peste, a Cachorra.

 

Se é seu destino morrer,
desculpe, Baleia... morra!

 

         8.      ADEUS

                  Faca de ponta,
                   água no cesto.
                  Que água, meu Deus,
                   se é tudo seco?

                  
                   Secas as fontes,
                   estorricados
                   pasto e caminhos.

                  
                   Restam as facas,
                   brilhos mesquinhos.

 

                   Resta o suplício
                   de olhar o mundo:
                   chão sem guarida,
                   calvário mudo.

 

                   Adeus, sertão.

 

 

 

 

 

 

Página ampliada e republicada em maio de 2018; ampliada em julho de 2018


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