BATISTA CEPELOS
Manuel Batista Cepelos (Cotia, 10 de dezembro de 1872 — Rio de Janeiro, 8 de maio de 1915), conhecido como Baptista Capellos, Baptista Cepellos ou simplesmente Batista Cepelos, foi um poeta, tradutor, romancista, e teatrólogo brasileiro, que viveu trabalhando como policial, advogado e promotor público. Notabilizado principalmente por suas traduções, especialmente de poemas deStephane Mallarmé, foi provavelmente o primeiro a publicar uma tradução deste poeta em livro no Brasil, posto que a única tradução anterior de um trabalho do poeta francês saiu em revista, não coincidindo com as obras traduzidas pelo poeta paulista. Luís Gastão d'Escragnolle Dória teria sido, conforme o pesquisador especialista em Mallarmé, Júlio Castanõn Guimarães, na verdade, o autor da primeira tradução do poeta francês no Brasil, publicada na revista Rua do Ouvidor, em 1901. Apesar disso, José Paulo Paes aponta Cepelos como o primeiro, muito embora seja a data de suas traduções difícil de ser precisada.
No trabalho poético de Batista Cepelos a poesia própria e as traduções de poemas se mesclam. O autor figura na Poesia Simbolista de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Sílvio Romero, no entanto, em observação muito mais antiga, ao tratar dos parnasianos, depois de citar Mário de Alencar, Goulart de Andrade e outros, acrescenta, em nota: "A estes devem-se juntar os recentes: Jonas da Silva, C. Porto Carreiro, Batista Cepelos e Luís Edmundo". Em verdade, Cepellos tinha traços mais simbolistas, sobretudo na obra Vaidades. No entanto, é justo que por causa de livros como Bandeirantes, obra que mereceu prefácio de Olavo Bilac, o autor seja inserido também nesse rol de autores parnasianos. Fonte: https://pt.wikipedia.org
Livros de Poesia: 1896 A Derrubada; 1902 O Cisne Encantado; 1906 Os Bandeirantes; 1908 Vaidades.
FARACO, SÉRGIO, org. 60 poetas trágicos. Porto Alegre, RS: L&PM, 2016. 144 p. 14x21 cm. Capa e ilustrações de Ivan Pinheiro Machado. Capa e ilustrações: Ivan Pinheiro Machado. ISBN 978-85-254-3439-5 Ex. bibl. Antonio Miranda
Inclui poetas brasileiros e hispano-americanos, os primeiros em Português e os outro em Espanhol. Não é uma edição bilíngue. Quase todos os poetas brasileiros e estrangeiros já estão em nosso Portal de Poesia Ibero-americana, inclusive os poemas selecionados. Ao final da vasta bibliografia de livros dos poetas às páginas 132 – 135, inclui uma lista de endereços de páginas web de literatura e poesia, inclui a nossa www.antoniomiranda.com.br.
Estamos reproduzindo no presente Portal os pouquíssimos poetas e poemas que ainda não havíamos divulgado: Paulino da Fontoura, Batista Cepelos e Félix Araújo.
NAS ONDAS DE UNS CABELOS
Soltos, ombros abaixo, os revoltos cabelos,
que te envolvem num longo e veludoso abraço;
e como um rio negro, os seus negros novelos
rolam no vale em flor do teu branco regaço.
E na louca embriaguez dos meus sentidos, pelos
cinco oceanos do sonho o meu roteiro faço,
a senti-los na mão, beijá-los e mordê-los
até morrer de amor, sucumbir de cansaço!
E pousando a cabeça em teu seio, que estua,
sinto um sono ligeiro, um sussurro de brisa,
que me suspende ao céu pelo céu flutua...
E num sonho feliz, como num mar profundo,
a minha alma desliza, a minha alma desliza
com as naus de Colombo á procura de um mundo.
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REZENDE, Edgar. O Brasil que os poetas cantam. 2ª ed. revista e comentada. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1958. 460 p. 15 x 23 cm. Capa dura. Ex. bibl. Antonio Miranda
O SAMBA
Na noite em que algum santo se festeja,
Junto à fogueira, o samba principia,
Logo o pandeiro elástico estrondeja,
Ronca e muge o tambor, numa porfia.
Que extravagante, singular peleja:
Êste, rapidamente rodopia;
Aquele, desconjunta-se e rasteja,
Numa parafusante cortesia.
E, em lânguido meneio, as raparigas,
Agitando os vestidos encarnados,
Cantarolam estridulas cantigas.
E, no ardor da frenética loucura,
Os pares, em pinotes compassados,
Veia juntando cintura com cintura.
O CAMPEIRO
A cavalo num rápido tordilho,
Vai o campeiro aos campos afastados,
Para ver se não falta algum novilho,
Que andam sempre novilhos tresmalhados.
E, enquanto os bois, ao cocho enfileirados,
Lambem o sal, esbugalhando o milho,
Corre o laço nos chifres aguçados
De um ligeiro garraio damasquilho.
Um touro muge e escorva o chão; por isso,
Antes que invista, sacudindo o guampo,
Recebe uma ferroada no toutiço!
Por fim, alçando o ríspido chicote,
Toca a nédia boiada para o campo,
Ladeira abaixo, num garboso trote...
TEXTO EN ITALIANO
MIRAGLIA, Tolentino. Piccola Antologia poetica brasiliana. Versioni. São Paulo: Livraria Nobel, 1955. 164 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
O FUNDADOR DE S. PAULO
Rumoreja a cidade, em febril movimento,
Ondeia como um rio a imensa populaça;
E, maculando o olhar azul do firmamento,
Erguem-se as chaminés, golfejando fumaça.
Estende-se o comércio, em soberbo incremento;
Circula como um sangue a riqueza na praça;
E, numa rapidez superior à do vento,
Os prelos dão à luz e o trem de ferro passa...
E, enquanto o poviléu rola de rua em rua,
Onde o luxo se ostenta e a vida tumultua,
Eu mergulho no sonho e na contemplação.
E, na sua modéstia e na sua roupeta,
De repente me surge a figura de Anchieta,
Melancolicamente apoiada a um bordão...
A REVOLTA DO HOMEM
Todos, numa só voz, alevantando os braços,
Chamavam contra o Deus, misterioso e infinito!
E o pendão da Miséria, adejando em pedaços,
Arrastava os heróis do pão negro e maldito!
Os ídolos, no chão, voavam como estilhaços;
As colunas do templo abalavam-se; e o grito,
Numa preamar de dor, invadindo os espaços,
Era a Nova Babel de um grande ódio inaudito!
Enfim, desiludido, o homem caiu de rastro!
E a Terra continuou, imperturbavelmente,
A fazer o seu giro, em torno do grande astro...
Em vão. Pode bramir o homem que em baixo medra...
Chore sangue, delire, amaldiçoe, rebente...
O azul tem a mudez impassível da pedra!
De Os Bandeirantes, 1906.
HADAD, Jamil Almansur, org. História poética do Brasil. Seleção e introdução de Jamil Almansur Hadad. Linóleos de Livrio Abramo, Manuel Martins e Claudio Abramo. São Paulo: Editorial Letras Brasileiras Ltda, 1943. 443 p. ilus. p&b “História do Brasil narrada pelos poetas.
HISTORIA DO BRASIL – POEMAS
DESCOBRIMENTO DO BRASIL
BANDEIRANTES
- A ESCRAVIDÃO VERMELHA
O CONQUISTADOR
Por selvas nunca dantes palmilhadas,
As famosas Bandeiras de paulistas,
Ao sôpro de ambições alevantadas;
E o pico das montanhas agulhadas,
Desafiando os valentes sertanistas,
Como um dedo de pedra, no ar suspenso,
Era a baliza do sertão imenso.
Para narras a sobrehumana empresa
Daqueles destemidos corações,
Ora busco uma nobre singeleza,
Ora calço os coturnos de Camões;
De maneira que a língua portuguesa,
Numa orquestra de intensas vibrações,
Cante no bronze do meu verso ufano,
Como canta no verbo de Herculano!
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Mas se os homens vos negam monumentos,
Meus ilustres avós conquistadores,
Semearei vossa fama aos quatro ventos,
Na forte envergadura dos condores,
E quem ler estes versos marulhentos
Há de ouvir um marulho de tambores
E há de enxergar, como no templo helêneo,
A glória em três relâmpagos de gênio!
Se há um primeiro lugar na epopeia
Cabe a Antonio Raposo esse lugar,
Que entre os vultos da heroica Pauliceia
Se destaca, brilhante e singular:
Bem merece, de fato, uma odisseia
Esse glorioso lutador sem par,
Que, espalmando em São Paulo as asas grandes,
Vai pousar no pináculo dos Andes!
Afrontando a serpente e a sussuarana,
Mergulha na espessura das ramagens,
E, na gloriosa Redução Indiana,
Vence e reduz mais de mil selvagens;
Depois, no ardor de uma bravura insana,
Eis que invade o Perú, força passagens,
Extermina espanhóis, e, ousadamente,
Prossegue na jornada para a frente.
Da natureza as rígidas entranhas
Rompe, como um feroz desvirgador,
E, enquanto, de cabeço das montanhas,
Lança em torno um olhar dominador,
Planeja novas lutas e façanhas,
Afiando as garras de conquistador:
Até que surge nas remotas zonas
Onde correm águas do Amazonas.
E ei-lo, numa jangada perigosa,
Sobre aquela marítima planura...
Guia-lhe aos pés a música horrorosa
Dos crespos vagalhões de imensa altura,
E o herói, de pé, numa atitude airosa,
Não vacila, não trem, não murmura,
Mas, como um novo Ulisses, calma e atento,
Deixa que ruja o bárbaro elemento!
Voga, valsando à voz da ventania,
A rude embarcação. Ora um boléu
Atira-a aos dentes de uma penedia,
Ora a espuma a recobre, como um véu,
E o tempo vai passando, dia a dia,
Enquanto, num medonho macaréu,
A água, rasgando as abismais entranhas.
Vai parindo montando e montanhas!
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Assim, vencendo as águas marulhentas,
Aporta em Gurupá, onde em festejos
É recebido pelos habitantes;
Alarmam-se em redor os sertanejos,
Ouvindo peripécias retumbantes,
Cortadas de tão belos relampejos
De bravura, de força, de ousadia,
Que a verdade parece fantasia!
E, novamente, o pertinaz mateiro
Penetra nos profundos matagais...
Oh! sangue de Paulista, aventureiro,
Que mais deseja quanto alcança mais!
Tantas vezes é feito prisioneiro
Pela corja dos índios canibais,
Porém mais forte que um pau dálho antigo,
Não deixa esmagar pelo inimigo!
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Mas, de noite, há um momento de tristeza,
Quando Raposo e os companheiros, sós,
Em meio à adormecida Natureza,
Ouvem o pipilar dos curiangós:
Crepitam brasas na fogueira acesa,
E eles, ouvindo essa dolente voz
Cortar a solidão do acampamento,
Volvem para bem longe o pensamento!
Então, para entreter a nostalgia,
Enquanto as chamas dançam na fogueira,
Todos eles relatam, em porfia,
Histórias dessa marcha aventureira...
Assim, desponta o rosicler do dia
E a luz , beijo de Deus, que a vida encerra
E faz pulsar o coração da Terra.
E quando o sol, em pleno céu, dardeja,
Em sua imensa glória tropical,
Já a valente campanha sertaneja
Léguas atravessou de matagal.
Oh! gente, em cujo sangue arde e lateja
Uma forte consciência nacional,
Altiva, reservada, calculista,
Segundo a nobre sisudez paulista!
Não há perigos, intempéries, nada
Que os detenha na rota triunfante;
Se uma grande montanha ergue a cumiada,
Ao longe, desafiando o céu radiante,
“Adiante!” — o chefe destemido brada.
E a Bandeira prossegue para diante,
E a alta montanha, que no azul se alteia,
Calcam, em breve, como um grão de areia!
E assim vencem. Por certo que há um segredo
Nessas fibras imortais, que até
Dão a ideia de um mar e de um rochedo
Posto no mar, gloriosamente em pé!
Causam deslumbramento e causam medo
À minha geração de pouca fé
Esses homens de egrégia heroicidade,
Cuja força reside na vontade!
E um dia (são passados tantos anos!)
Chega Raposo à pátria bem-querida,
Mas, na fronte e no olhar, revela os danos
Da sua errante e trabalhosa vida!
Partiu moço e gentil, cheio de enganos,
E em decadência tal volve da lida,
Que até mesmo os parentes, nesse instante,
Desconhecem o velho Bandeirante!
Enfim, Conquistador de imenso porte,
Na terra de teu berço fica em paz!
Quem tantas vezes desafiou a morte
E nunca soube dar um passo atrás,
Quem segue um sonho assim, másculo e forte,
Executando um pensamento audaz,
Foi grande, na terrena trajetória,
E para sempre viverá na História!
(OS BANDEIRANTES — H. Garnier – 3a. ed.)
GUERRA DOS EMBOABAS
Foi nas Minas Gerais, no tempo em que as Bandeiras
Partiam de São Paulo, através dos sertões,
Numa heroica injunção de almas aventureiras,
Voavam ansiosamente às jazidas mineiras,
Dobrando matagais, vencendo asperidões.
Ora o primeiro passo era de causar medo,
Na esfinge florestal, erma e desconhecida:
É que mais de uma vez, no pérfido arvoredo,
O Édipo que buscava arrancar-lhe o segredo,
Tinha de sucumbir na primeira investida!
Mas, depois de trasposta a muralha de horrores,
Quando a terra feraz como o ventre das mães,
Rasgava à luz do sol um cofre de esplendores,
Vinham de toda parte os especuladores,
Rosnando e farejando à maneira de cães!
Vinham de toda parte, ao pregão das conquista,
Num ruidoso, tropel, numa abalada bruta,
E, nas minas cravando as gananciosas vistas,
Tratavam de usurpar o esforço dos paulistas,
O que era dar começo a uma tremenda luta.
E a luta começou. Muito sangue vertido
Enrubesceu o chão dessa Minas Gerais.
Mas de um lado um herói, de outro lado um bandido,
Logo o emboaba traidor leva o melhor partido,
Fazendo reluzir a ponta dos punhais!
Rio das Mortes... fale esse medonho rio,
Na triste evocação desse drama passado,
Donde foi que lhe veio esse nome sombrio,
Que lhe põe na epiderme um nervoso arrepio
E ele arrasta, a gemer, com um grilhão pesado...
....................................................................;
Em Cachoeira do Campo há heroísmo e loucura
Num recontro, que foi um dos mais carniceiros,
E deu a Nunes Viana uma lição bem dura!
Então, cada paulista — exemplo de bravura!
Teve que combater contra os forasteiros!
Foi essa mesma heroica e destemida gente
Que em Guarapiranga e no Carmo, feroz,
Entre o relampaguear de uma cólera ardente,
Caiu sobre o inimigo inexoravelmente,
E fê-lo mergulhar numa sangueira atroz!
Somente empalidece a estrela bandeirante
Quando o inimigo emprega a tática dos vermes,
E Bento Amaral ergue o braço infamante,
Não para celebrar um feito triunfante,
Mas para assassinar prisioneiro inermes!
E o Capão da Traição foi o negro cenário,
A arena da vingança e das trucidações,
Em que se perpetrou esse crime nefário,
Que nos vem recordar os de Sila e de Mário,
E em que a boca se torce a rugir maldições!
No entanto o capitão dos heróis bandoleiros,
Atolado no sangue, enaltece a vitória...
E Gabriel de Góis mais os seus companheiros,
Estendidos no chão, com enormes pinheiros.
Aguardam mudamente a justiça da História...
E tudo isso se passa em pleno desabrigo,
Numa campina em flor, que sol beija e seduz...
Homem, tu, coração rancoroso e inimigo,
Em momento como este, em verdade te digo,
Não mereces o pão carinhoso da luz!
Assim, pouco depois, quando à terra querida
— Restos de expedições, destroços de naufrágio —
Os paulistas, num bando, arrepiavam da lida,
Traziam tristemente a cabeça abatida,
Sem aquela altivez que era o seu apanágio!
Mas a mulher paulista, em soberba esquivança,
Com a ironia na voz e o desprezo no olhar,
Repelia-os do lar, numa clamor de vingança,
Mandando-nos para trás, sem trégua nem tardança,
Pois não queria ter a desonra no lar!
As esposas, perante o doloroso aspeito
E a triste humilhação dos míseros vencidos,
Sem um leve tremor no semblante perfeito,
Sufocavam a dor que lhes rasgava o peito,
E negavam a face ao beijo dos maridos!
As noivas, arrancando os cabelos ondulados,
Como cartaginesa, em forma de lauréis,
Davam-nos de presente aos seus noivos amados.
Não para distender nos arcos retesados,
Mas para os conduzir nas façanhas cruéis!
É então que se levanta o forte Amador Bueno,
Que, unido a Luis Pedroso, outro arrojado vulto,
Começa a trabalhar, enérgico e sereno;
E ergue uma expedição, que, ante um rápido aceno,
Lá vai como um tufão para vingar o insulto!
E só nesse momento as novas espartanas,
Vendo a força partir, cheia de intrepidez,
Entre um desenrolar de bandeiras ufanas,
Pensaram no pavor dessas lutas insanas,
E o pranto lhes correu pela primeira vez...
TEXTO EN ITALIANO
IL SUONATORE D’ORGANETTO
Fermasi al canto, al sole tropicale,
Un bel sole che indora il firmamento,
E comincia a suonare e il suono sale,
D’un brano musical come un lamento.
Nella piezza, no cessa il movimiento
Della folla, di modo abituale,
E, piange e piange, il povero stgrumento,
In nome d’un dolor che a nulla vel…
Dei passanti, nessum nota gli accenti,
E nei cuori, ove c’é la tierchieria,
La pietà e l’amor non son presenti.
La rauca voce di miseria tetra,
Che commuove le pietre della via,
Non commuove peró cuori di pietra!
(1850-1899) Pintor e gravurista)
A ALMEIDA JÚNIOR
Na tela viva, que morrer não há de,
Com delicado escrúpulo de artista,
Teu pincel, num flagrante de verdade,
Soube reproduzir a alma paulista.
Aqui, nos olhos, onde amor suspira,
Vemos saudades; ali, vemos essa
Santa simplicidade de um caipira,
Sentado, a picar fumo, na tripeça...
Outras vezes, porém, de gran coturno,
Evocas a epopeia Bandeirante,
E toda a chama de hemisfério diurno
Canta nas asas da manhã brilhante!
Vai partir a Monção. Na água do rio,
Coalham-se embarcações para a derrota,
Longe a bruma se esgarça, e, fio a fio,
Vai subindo à feição de uma gaivota..
Dois noivos abraçados, num tumulto
De sentimentos, beijam-se na fronte,
Enquanto um veterano alteia o vulto
E, calmo como um leão, fita o horizonte...
No borralho de um fogo, já em consumo,
Um tição meio aceso bruxoleia...
E, numa fita, um fino fumo,
Numa espiral tranquila, serpenteia...
E, dominando a circunfusa gente,
Que apressada se move e se ataranta,
Num plano superior, distintamente,
A figura de um padre se levanta...
Certo, a benção de Deus é indispensável
A esses nobres varões de erguido porte,
Que, entrando pela selva descoroável,
Têm de afrontar mais de uma vez a morte!
Assim, vencendo múltiplos rigores,
Fortes na fé, que alicerceia os mundos,
Em breve, esses audazes sonhadores
Irão rompendo os matagais profundos...
Depois, nas tintas da paisagem presa,
A tua alma patrícia, alma singela,
Volta-se toda para a Natureza,
Imortalmente juvenil e bela!
Nos bosques ramalhões nos amplos vales,
Há uma voz que te chama noite e dia,
E as flores rubras, entornando o cálix,
Te embebedam de luz e de poesia!
E eis-te de novo, num soberbo gesto,
Reencetando a vereda interrompida,
E os bons caipiras, de semblante honesto,
Surgem do teu pincel, quentes de vida!
E tudo abranges: arde o sol em febre,
Mordendo as tranças da floresta inteira!
Vibra a cor sob a luz. Mesmo o casebre
Lá sorri pela flor trepadeira.
E a Terra, prodigiosa de atavios,
Passa arrastando a cauda verdejante,
Galga montanhas, atravessa rios
E se distende pelas selva adiante!...
(OS BANDEIRANTES – H. Garnier 3ª ed. –Rio)
O Derrubador Brasileiro, 1879
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro
*
VEJA E LEIA outros poetas de SÃO PAULO em nosso Portal:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/sao_paulo.html
Página ampliada e republicada em outubro de 2021
Página publicada em agosto de 2015, ampliada em janeiro de 2016. Ampliada e republicada em maio de 2018
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