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AUGUSTO MASSI
(São Paulo SP, 1959) cursou Jornalismo, na PUC/SP, entre 1979 e 1983. Nos anos seguintes, publicou ensaios, artigos, resenhas e entrevistas nos jornais Folha de S. Paulo, Jornal da Tarde, Jornal da Usp, O Estado de S. Paulo e nas revistas IstoÉ, Leia Livros, Novos Estudos Cebrap, Nuevas de Espanha e Veja. Seu primeiro livro de poesia, Negativo, foi publicado em 1991. No ano seguinte tornou-se doutor em Literatura Brasileira, pela USP, sob orientação de Alfredo Bosi. Foi professor-assistente de Literatura Brasileira na USP entre 1990 e 1994, período em que também foi membro dos conselhos editoriais das revistas Novos Estudos Cebrap e Nossa América. Colaborou no caderno Mais!, da Folha de S. Paulo, de 1992 a 1994. Segundo a crítica Flora Sussekind há, em Negativo, "uma imaginação tipográfica, uma preocupação com o aspecto material da escrita que parecem orientar a organização global do volume, sua divisão em duas metades cromáticas distintas, a escolha da 'tinta preta', do 'matiz escuro' das letras, das linhas, como um dos motivos centrais deste primeiro livro de Augusto Massi.”.
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BICICLETA
Que surpresa a manhã me reserva,
a alegre scienza de tuas pernas.
És uma imagem tão concreta:
mulher passando de bicicleta.
Circulas feito jornal silencioso,
vens de um mundo novo.
Nervo exposto do movimento,
tempestade amorosa do tempo.
Texturas de ritmo e luz,
sensualidade, trobar clus.
Passas por mim e penso:
É por mim que ela passa.
CAIXA DE FERRAMENTAS
Exploro a carga de crueldade
e ternura que cada uma delas
carrega e concentra.
Eis minhas ferramentas:
os diários de Kafka,
os desenhos de Klee,
a sagrada leica de Kertész,
os cahiers de Valéry
a visada irônica de Svevo,
as elipses de Erice
as hipóteses de Murilo,
revelações de Rossellini,
a potência de Picasso,
minérios rancorosos de Drummond
o Más allá de Jorge Guillén
os territórios de Antonioni
as lições da pedra cabralina
o no estar del todo de Cortázar
as idéias de ordem de Stevens
e o alicate da atenção.
NUDEZ
Despido de tudo
pronto a aceitar
a própria nudez
no quarto escuro
O espelho em branco
— mar amniótico —
projeta nos flancos
uma luz uterina
Homem em estado bruto
na metade da vida
homem sem atributos
— nudez como medida
In: MASSI, Augusto. Negativo, 1982/1990. Il. Alberto Alexandre Martins. São Paulo: Companhia das Letras, 1991
IMAGEM
O corpo estirado na cama,
esticado até o limite,
solda coisas desiguais.
Recolhe no reduzido espaço
de uma noite, de um quarto,
imagens porosas do passado>
E vislumbra, amor maduro,
o peso, o braço, o adubo
de outro corpo no escuro.
VÁLIDO ATÉ
Acontece
com certas
idéias
filmes
passaportes
remédios
homens
alimentos
critérios
promoções
casamentos
impérios
poemas
contratos
mistérios
carregam
de antemão
o epitáfio:
Extraídos de BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Esses poetas: uma antologia dos anos 90. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1998. ISBN 85-86579-02-5
ANTOLOGIA POÉTICA BRASIL-COLÔMBIA (PARA CONHECERNOS MEJOR). Organizadores Aguinaldo José Gonçalves (Brasil) – Juan Manuel Roca (Colômbia). São Paulo: Editora UNESP – Universidade Estadual Paulista; Asociación de Editoriales de Colombia – Asesuc – Universidad de Antioquia, 1996. 217 p. 14x21 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
Curiosamente, não é uma edição bilíngue: os brasileiros em Português e os colombianos em Castelhano.
POÉTICA
Algumas horas de minha vida.
A elegia do olho.
A contração do sagrado.
Têmpera, banho do sono.
Penso na dignidade do contido.
POEMA DAS APROXIMAÇÕES
Para Francisco José C. de Oliveira
Tínhamos todo o tempo do mundo
Da dispersão dos dias
À impureza dos atrasos
Sorvíamos a água das horas
No pêndulo de nossos braços
Tínhamos todo o tempo de mundo
Podíamos prescindir da sorte
Desativar datas
Preparar a cerimônia da morte
Todo o tempo do mundo
Era nosso melhor vício
Emblemática perversão do início
Podíamos a qualquer morrer
Poucas restaram para viver.
1996
NATUREZA-MORTA
Revelar
em frases curtas
a fúria das frutas
Revelar
o que a ordem oculta
forma em perpétua luta
Revelar
matéria própria à pintura
infância das fraturas
CAIXA DE FERRAMENTAS
Exploro a carga de crueldade
e ternura que cada uma delas
carrega e concentra.
Eis minha ferramentas:
os diários de Kafka,
os desenhos de Klee,
a sagrada leica de Kertész,
os cahiers de Valéry
a visada irônica de Svevo,
as eclipses de Erice
as hipóteses de Murilo,
revelações de Rosselini,
a potência de Picasso,
minérios rancorosos de Drummond
o Más allá de Jorge Guillén
os territórios de Antonioni
as lições de pedra cabralina
e no estar del todo de Cortázar
as ideias de ordem de Stevens
e o alicate da atenção.
Negativo.
Página ampliada e republicada em maio de 2018.
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