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ANTONIO GERALDO FIGUEIREDO FERREIRA
Nasceu na cidade de Mococa, em São Paulo e é graduado em letras pela Universidade de São Paulo, onde também cursou a pós-graduação. Na década de 1990, abandonou a academia e foi morar em Arceburgo, Minas Gerais.
Publicou o livro de poemas peixe e míngua, pela Nankin Editorial, e outros textos em diversos jornais e revistas. Em 2012, seu primeiro romance, as visitas que hoje estamos, saiu pela Editora Iluminuras. Vários veículos e críticos literários, a partir de então, têm apontado o escritor como um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Sua estreia na literatura infantil se deu com o livro O amor pega feito um bocejo, da Companhia das Letrinhas.
Fonte da biografia: www.companhiadasletras.com.br
POESIA SEMPRE Número 27 – Ano 14 – 2007 Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2007. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda
uma segunda chance
dizer tranquilamente: já morri
(as palavras se encontram no vazio)
então, este equilíbrio puro. em nada
é simples como andar de bicicleta
mas ouço: estou aqui, aqui, aqui
eco no espaço aberto, um assovio
persistente do vento, uma guinada
brusca do rosto, em voz que me incompleta
— voltado para mim. irei perdido
pelas trilhas escuras de mim mesmo
até me imaginar um outro, e sê-lo
neste passeio inútil, sem ter sido
aquele um outro eu mesmo, mas eu mesmo
sei que pedalo para o atropelo
poema-tríptico-fabuloso
1— a minha vez
deixava os gominhos miúdos da mexerica em cima do muro do quintal, para os anjos, o que primeiro aprendi, lição de como se portar no mundo, no outro dia não estavam mais lá, a vida correndo como tinha de ser, um dia, no entanto, vi que as galinhas é que pegavam os gomos, comecei a chorar, tudo pesando demais, minha avó acudiu, disse que os anjos se disfarçavam de galinhas, às vezes de outros bichos de asas, que eu parasse, coisa à toa, que deus não gosta de teima, sequei os olhos no vestido dela, suas mãos me apertando um carinho dolorido, parei de chorar, mas percebi naquele dia que as coisas não estavam muito certas
II - lição
fazia uma concha com a mão. aproximava-se do mosquito como uma cobra e dava o golpe, fechando os dedos em bote, depois, com muito cuidado, que a vida é ténue, dizia, arrancava uma asa, não sei se as duas. não me lembro, e falava, preste atenção, meu filho, você vai ver a vida, e soltava o mosquito perto da aranha, ela se virava muito rápido e vinha com aqueles seus movimentos de bruscas paradas, abrindo e fechando as quelíceras, e dava o salto sobre a presa que estaria voando, voando, voando
III- gravitação
o carro esbagaçou a borboleta, achatou-a no asfalto, sumida de corpo olhando no fundo da gente, então, quando dá o vento, ela bate seu movimento como se fosse a asa do mundo, do planeta inteiro, incólume em seu equilíbrio, querendo carregar o universo todo pra outro lugar, voando, isso doeu. isso ainda fica doendo, pensar assim, melhor se o carro tivesse esmigalhado tudo
o quadro (apontamentos para um soneto)
se não há uma bucha, um parafuso
se o vizinho não faz cara boa quando alguém lhe pede a furadeira
por uns minutos que fazer?
um prego não sustenta bem um quadro
há também o perigo de se martelar o dedo. lixando-se mais que o necessário de si ou de escangalhar com o reboco branco que recobre a nudez por dentro dos cômodos você acerta em cheio o vazio vagabundo entre o barro dos tijolos e se vê um pouco
naquele saibro
suja o chão com a farofa inútil das coisas falsamente firmes e inteiras
e um quadro não espera, nunca
despendurado é como se visto na parede, mas olhado pelo lado de fora da casa
oh. oh. naquela casa há um quadro na parede
e ele é exatamente do jeito que é. diz aquele que passa e vai embora para mais um dia de serviço
no entanto, do lado de dentro, você sabe que o quadro não está na parede
e que o transeunte desconhecido acertou em cheio em suas formas
Página publicada em fevereiro de 2019
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