Fonte: http://flap2009.wordpress.com
ANNITA COSTA MALUFE
(São Paulo, 1975) é uma poetisa brasileira. formada em jornalismo pela PUC-SP e é doutora em teoria literária pela Unicamp, onde estuda poesia contemporânea e filosofia da diferença francesa.
Obras publicadas : Como se caísse devagar, (Editora 34, 2008; Nesta cidade e abaixo de teus olhos, (Ed. 7Letras, 2007); Fundos para dias de chuva, (Ed. 7Letras, Coleção Guizos, 2004); Territórios dispersos: a poética de Ana Cristina Cesar, (Ed. Annablume, 2006, 170 pg, ISBN : 8574196606).
dos fios desta separação, abre-se uma porta discreta, pequena
quase imperceptível
economizar uma ou outra palavra não faz diferença
são fios longos
um emaranhado de ondas e feixes de luz
não faz grande diferença a geografia das frases
falamos articulando tons e gestos apenas
nada transcorre de fato nas frases
nada nas palavras ou no entre-sílabas
mas fios
um emaranhado que às vezes transparece
às vezes some
um calar de expressões e olhares
a boca entreaberta
um fechar de pálpebras
ao alcance das mãos a maçaneta a porta
uma pequena porta que às vezes transparece
às vezes some
nesse longo emaranhado
de fios
em que se buscam e se perdem
nossas vozes nossos vãos
fios
e uma longa separação
a porta entreaberta
já não posso me conter
as curvas transparecem em meus dedos
a curvatura da maçaneta e a porta
tão pequena, ao fundo
a porta que se abre
a porta e a passagem para fora
a verdade é que as malas já estavam prontas
na véspera
ela seguiu junto com ele
uma espécie de viagem sem volta
só a passagem de ida
era a busca por um outro mundo a busca por
algum lugar possível
o mais distante que pudessem ir
apenas a passagem de ida a pouca bagagem
decidir depois onde ficar
as malas já estavam prontas e eles seguiram
sem pressa
eu fiquei olhando de longe
achando bonito aquilo
aquele casal sumindo na neblina
caminhando lentamente
como num filme que não me lembro o nome
como as cenas finais de um filme cobertas pelo letreiro
dois corpos da mesma estatura abraçados
empurrando duas pequenas bagagens
os rostos sorrindo
mesmo de costas
era o que se via mesmo de costas
os rostos sorrindo nos contornos que iam perdendo a nitidez
à medida que avançavam
MALUFE, Annita Costa. Quando não estou por perto. Rio de Janeiro: 7Letras, 2012, 164 p. 17x24 cm. ISBN 978-85-7577-912-5 Imagem da capa: Silvio Ferraz. “ Annita Costa Malufe “ Ex. bibl. Antonio Miranda
aqui estou tão longe
quase não posso me lembrar
a sonoridade o timbre apenas sei da batida
que insiste como num filme recente
nas imagens de uma cidade italiana
perdida na história
estou tão longe é como se outra vida como
se outro filme rodasse de trás
para frente
onde termina o poema onde
um ponto de suspensão apenas
o poema não termina quando
a linha roça a beira do papel
tampouco a língua roça
aquilo que ela alcança
para além da página há
o poema imaginado sempre
uma imagem de poema
desfazendo-se afundando um
navio atracando-se no espaço
um navio a cada vez refeito mas
o corpo do poema não é
imaginário tampouco a
possibilidade de um limite não
há limite apenas limitação a
folha acaba a tinta acaba a
língua é o ponto de desacordo
roçar a página ancorar mas
a cada vez apenas por um instante
este inacabado este
que nunca termina
Página publicada em setembro de 2009; ampliada e republicada em 2014.
|