ANDRÉ MASINI
MASINI, André. O Canhão de vidro. São Paulo: Cortez – Paubrasil Editores, 1980. s.p. 32.5 x 32.5 cm. Ilustrados com
36 lâminas reproduzindo quadros tirados de vídeo-tapes do autor, impressos em papel couchê e colados sobre as páginas do miolo do livro, este em papel craft. Ex. bibl. Antonio Miranda
1
PRATO DE CORES
Arte não falta
no mercado.
preenchendo cavidades, como um mar da azeite.
Canções cantando estórias, por exemplo,
imagens de surpresa em panos quentes,
hinos em lata, de se sorver languidamente
depois dos feitos,
estampas, de estimular as glândulas dos sábios
e a digestão dos justos.
Quadros não faltam,
acrílicos redondos para os usos certos,
telas enormes de ocupar espaços,
painéis de fundo azul para paredes frias.
Arte de um ser especialmente artista,
nunca fez falta,
no repertório da espécie dominante.
Arte a la carte,
escolhida no passado ou no presente;
habilidade socialmente aceita,
de cultivar os sentimentos no devido tempo;
preparada para estas provas rituais de admissão,
no bem estar da corte.
Arte de se adotar,
pelo lugar que ocupa e ocupara na certa,
como exemplo.
Presença pertinente
da correção formal possível,
por dentro dos encantos da desordem.
Saudades prévias da futura ausência;
forma abstrata, de uma paixão, se objeto,
doando
ao ritmo das tantas generosas tintas
uma importância tal, que já não tinha.
Esforço, ao que se espera, repetido,
intenso;
suor contando pontos
na falta de melhores garantias.
Arte de armar encrencas no entreato, de entreter o
encanto;
pesquisa divida em lotes,
para facilitar o manuseio dos produtos plásticos.
Prato
condimentado a pigmentos puros,
propostos numa sua importância
imóvel.
Prato quadrado, emoldurado, financiado pelo banco,
em ato de apresentar um seu valor crescente, no
mercado,
medido como convém, em termos de arte.
Prato de repartir depressa, para o bem comum,
repleto de informações do gosto alheio
mimado
no empenho de agradar depressa.
Será que existe
um prato de tintas transcendendo seus limites curvos?
um prato sujo de intenções diretas,
um disco branco,
mostrando por contraste os tons, esfumaçados,
destes fundos?
Será que as soluções deste problema abstrato
vivem?
Será que existe este objeto esquivo;
um disco, colhido em pleno voo,
um plano dos desenhos?
Um prato, proposto simplesmente e sem sofismas,
de caldo nutritivo em volta?
Um recipiente, no tormento dessas cores
fotografado enquanto escorre intacto,
para fora da intenção reinante?
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4
PINCELADAS
CONTRA O CÉU
Não preciso de santos.
Não preciso de mortos, contrastando
na uniformidade cromática do céu.
Não preciso de amores especiais que já não tenha,
para o diálogo,
nestes minutos breves, de que você dispõe.
Não penso precisar de testemunhas,
avalizando estes sinais tão velhos
esfumados, respeitáveis,
convertidos à paixão humana
pelo próprio tempo.
Não sei de avaliações que reconheçasempre,
não posso crer em religiões teóricas
e espero não precisar de outras desculpas,
porque não as tenho.
Não procurei propor molduras convincentes;
nunca aprendi na escola,
a arte de fazer bem feito sempre
para atirar na mesa, a forma,
como gostaria.
Das infinitas coisas que seria possível
no espaço azul e aberto,
por trás destes sinais vermelhos,
não sei nem quero.
Não me posso permitir ainda, a extravagância de um coral,
marcando o contraponto,
mas não, me sinto só, falando.
Não preciso saber mais do que sei,
para sentir a urgência.
Não aceito os favores da magia,
não gosto, por costume antigo
dos sonhos achadiços, nestas noites todas,
depois da confusão.
Não creio na matemática dos fatos,
não participo
das melodias melosas com que esbarro,
como todo o mundo.
Riscos cruzando riscos, como uma estrutura
delimitam este espaço interno, nosso.
No bojo destes traços enredados contra o azul do céu
proponho, para ambos,
um abrigo.
Página publicada em fevereiro de 2012; página ampliada em setembro de 2020
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