ANA RÜSCHE
Publicou Rasgada (Ed. Quinze & Trinta, 2005) e Sarabanda – Um caderno de Estudos (Selo Demônio Negro, 2007). Estreará em prosa com o romance Acordados (Ed. Amauta, no prelo), premiado pelo PAC – Programa de Ação Cultural do Governo de São Paulo. Posui poemas publicados em diversas revistas literárias, participou da Antologia Oitavas, org. Vanderley Mendonça (Selo Demonio Negro, 2006) e 8 Femmes, org. Virna Teixeira. Escreve diariamente no blog Peixe de Aquário (http://peixedeaquario.zip.net). Os poemas a seguir foram extraídos da obra ANTOLOGIA VACAMARELA : português, español, english. São Paulo: Edição dos autores, 2007. ISBN 978-85-905633-2-7, lançada em novembro de 2007 durante o Tordesilhas – Festival Iberoamericano de Poesia Contemporânea, realizado pelo Centro Cultural Caixa.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL
A CERAMISTA
a partir de Concha e Aurora,
criações de Ângela Barros e Alberto Guzik
agora já são cinco prives
antes era um prédio respeitável
escavo escadas ante a nudez
do elevador, guilhotina pichada
no pó suspenso no ar
catedrais de coisas abandonadas
e lá dentro chafurdo com minhas duas
mãos nas peças de cerâmica
e como parteira tiro do barro
um caco, um vaso, um sonho, um sopro
A CANÇÃO DO LIMPA-VIDROS
eu, um peixe de aquário, gordo,
consumindo o que surge dessas águas turvas.
os passantes lá embaixo como polvos de patins,
uma menina com um buraco-negro a tira-colo e chicletes.
ao lado dos jornais de internet,
meus cactos morrem em sua compulsão por água.
os ursos polares serão extintos pelas geladeiras.
na Austrália, baleias se suicidam na areia.
continuo consumindo qualquer coisa que brilhe um pouco,
eu, um peixe a apodrecer gordo nessas águas sujas.
FLOR ROXA
Subitamente desabrochou tatuada no meu seio esquerdo.
Essa daí deve gostar da noite.
ANORÉXICAS
Emagrecer,
extirpar a última gordura,
devolver as costelas emprestadas
e desintegrar –se em luz.
TEIMOSIA
Profundidade na sombra de um azul cintilante,
disciplina nos 3,7 cm de delineador,
mas gostam mesmo de mim borrada pelas manhãs.
RÜSCHE, Ana. Nós que adoramos um documentário. São Paulo: Ourivesaria da Palavra, 2010. 114 p. com sobrecapa. ISBN 978-85-905632-3-5. “Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura, Programa de Ação Cultural 2009”. Capa: imagem de um pedaço do vestido da autora. Arte e diagramação: Felipe Brumatti Sentelhas. Col. A.M. (EA)
mesmas duas
pra variar, ela rondava e rondava a sala com seus
vermes dançantes na cabeça
e ela ia trabalhar com seus fonezinhos de ouvido
balança o pescoço, no seu último dia do mundo
tão claro, com meus céus de deserto
ela vinha comer quando era o já está na mesa
e ela cozinhava sopa de macarrãozinho com letras
comia as próprias lágrimas, do seu último dia do mundo
tão altos os traços nos meus céus de deserto
ela simplesmente não se importava
e ela acordava todos os dias
rezando que logo escurecessem
aqueles céus, tão claros, tão nítidos, tão altos
RÜSCHE, Ana. Sarabanda. São Paulo: Demonio Negro, 2007. 60 p. 14x20,5 cm. capa dura ISBN 859039320 Ex. col. Antonio Miranda
LUGAR COMUM 21: O DOGMA
Sambaquis submersos
na memória
das marés.
Barco sem saída
e eu aqui
nesse convés.
Antônio Risério, Para o Mar 3
Moramos em um país de futuro.
A letra de nossa bandeira
silencia,
como um trem fora de moda,
qualquer conversa de bar sobre os tiros que
ouvi ontem à noite.
LUGAR COMUM 22: DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL
Há ciência em dividir cama
com uma mulher grávida
Nos abraçamos de lado
ela me rouba costelas
e vira um barco
que eu reboco com medo
Fábio Weintraub, Contrabando
ao nascer
o menino
estuprou
a mãe pelo avesso
mas a criança era morta.
a médica a algemou na cama
as enfermeiras sibilantes a picaram
as detentas jogaram pedras
as secretárias espalharam
enquanto o irmão
pede ao menino Jesus
que lhe tire uma costela
e reinvente a mãe
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TEXTO EN ESPAÑOL
Traducciones de Fábio Aristimunho
y Alfredo Fresia.
LA CERAMISTA
a partir de Concha e Aurora,
creaciones de Ângela Barros y Alberto Guzik
ahora son ya cinco cabinas eróticas
antes era un edifício respetable
excavo escaleras ante la mudez
del ascensor, guillotina pintarrajeada
en el polvo suspendido en el aire
catedrales de cosas abandonadas
y allá dentro me refriego con mis dos
manos en las piezas de cerâmica
y como partera saco del barro
un añico, un jarro, un sueño, un soplo
LA CANCIÓN DEL PEZ LIMPIAVIDRIOS
yo, un pez de acuario, gordo,
consumiendo lo que brota de esas águas turbias.
los transeuntes abajo como pulpos en patines,
una niña con un agujero negro al hombro y chicles.
los osos polares serán extintos por las neveras,
en austrália, ballenas se suicidan en la arena.
continúo consumiendo cualquier cosa que reluzca un poco,
yo, un pez pudriéndose gordo en estas águas sucias.
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Traducción de Cecilia Pavón.
LA FLOR VIOLETA
Subitamente se abrió tatuada em mi seno izquierdo.
A esta le debe gustar la noche.
ANORÉXICAS
Adelgazar,
extirpar toda grasa,
devolver las costillas prestadas
y desintegrarse en luz.
OBSTINACIÓN
Profundidad en la sombra de un azul cintilante,
disciplina en los 3, 7 centimentros de delineador,
pero igual les gusto borrada, por la mañana.
Extraído de: CAOS PORTATIL – POESÍA CONTEMPORÁNEA DEL BRASIL
– EDICIÓN BILINGUE. Selección de Camila do Valle y Cecília Pavón. Traducción de Cecilia Pavón. México: Edicones El Billar de Lucrecia, 2007. ISBN 978-970-95317-2-5
Apoyo del Fondo Nacional para la Cultura y las Artes
Página publicada em novembro de 2007, ampliada em maio de 2009. Ampliada e republicada em junho de 2014.
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