ALEXANDRE GUSMÃO
Alexandre de Gusmão (Santos SP, 1695 - Lisboa, Portugal, 1753). Parte aos 15 anos para Portugal, onde cursa Direito na Universidade de Coimbra. Em 1714 é enviado à França, por D. João V, como diplomata, carreira pela qual se torna conhecido. Em Paris, prossegue seus estudos na Universidade de Sorbonne. De volta a Portugal, em 1719, forma-se bacharel em Leis e torna-se professor na Universidade de Coimbra. Atua como confidente e secretário particular do Rei D. João V e Membro do Conselho Ultramarino. Sua realização mais importante é a elaboração do Tratado de Madri (1750), que define, em acordo com a Espanha, novos limites para o território brasileiro. Escreve várias obras políticas e literárias, que são publicadas postumamente. Em 1841, é lançada em Portugal a Coleção de Vários Escritos Inéditos, Políticos e Literários, reeditada em 1943 com o título Obras: Cartas, Poesias, Teatro. Poeta barroco, Alexandre de Gusmão apresenta em sua obra, no entanto, elementos iluministas. Segundo o crítico Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919 - 1992), "em suas poesias, Alexandre tem notas demonstrativas de que o século da Aufklarung [Iluminismo] abalava os espíritos". Fonte da biografia: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ Texto: Eliza Ribeiro .
A Júpiter Supremo Deus do Olimpo
Númen que tens do mundo o regimento,
Se amas o bem, se odeias a maldade,
Como deixas com prêmio a iniqüidade,
E assoçobrado ao são entendimento?
Como hei de crer qu’um imortal tormento,
Castigue a uma mortal leviandade?
Que seja ciência, amor ou piedade
Expor-me ao mal sem meu consentimento?
Guerras cruéis, fanáticos tiranos,
Raios, tremores, e as moléstias tristes,
Enchem o curso de pesados anos;
Se és Deus, s’isto prevês, e assim persistes,
Ou não fazes apreço dos humanos,
Ou qual dizem não és; ou não existes.
A uma pastora tão formosa como ingrata
Écloga
Pastora a mais formosa e desumana,
Que fazes de matar-me alarde e gosto,
Como é possível, que a um tão lindo rosto
Unisse o céu uma alma tão tirana?
Cruel, que te fiz eu, que me aborreces?
Tens duro coração mais que um rochedo;
Sou tigre, ou sou leão, que meta medo,
Que apenas tu me vês desapareces?
Por ti tão esquecido ando de tudo,
Que o gado no redil deixei faminto,
O sol me fere a prumo e não o sinto,
A ovelha está a chamar-me e não lhe acudo.
Lá vai o tempo já, que em baile e canto,
Eu era no lugar o mais famoso;
Agora sempre aflito e pesaroso,
Tudo que sei é desfazer-me em pranto.
Há pouco que encontrei alguns pastores,
Que vão comigo ao monte após o gado,
E não me conheceram de mudado,
Que tal me tem parado os teus rigores!
Até o rebanho meu, que um dia viste
Tão nédio, antes que eu enlouquecesse,
Não come já, nem medra, e se emagrece,
Por dó que tem de ver-me andar tão triste.
Ele me guia a mim, não eu a ele,
Que vou nos meus pesares enlevado:
Bem pode o lobo vir matar-me o gado
À minha vista, sem que eu dê fé dele.
Não sei que nuvem trago neste peito
Que tudo quanto vejo me escurece;
A flor do campo parda me parece
E até o mesmo sol acho imperfeito.
Do alegre prado fujo, e só no escuro
Da serra me retiro entre os rochedos,
Ali pergunto às feras e aos penedos
Se alguém há mais cruel que tu e duro.
Ali ouço soar rompendo o mato
Dos ribeirinhos as saudosas águas,
E em competência vão as minhas mágoas
Dos olhos despedindo outro regato.
O mal, que me sucede, eu o mereço,
Que ingrato desprezei quem me queria;
Agora se me vê faz zombaria,
Que bem vingada está no que eu padeço.
Então o que era amor, não conhecia
Também me ria do tormento alheio;
Quão cedo (ainda mal!) o tempo veio,
Que já conheço mais do que eu queria!
Não me desprezes, não, gentil pastora,
Que igual castigo amor talvez te guarda;
Não sejas à piedade avessa e tarda,
Tem dó de maltratar a quem te adora.
Página publicada em abril de 2017; AMPLIADA em dezemçbro de 2018