Fonte: www.revista.agulha.nom.br/
ALBERTO BEUTTEN-MÜLLER
Poeta, jornalista de crítico de arte nascido em São Paulo em 1935..
Sino assassino
o sino rompe
as prateleiras da manhã
o sino sofre
sonoridades sinuosas
a manhã encostou-se
em rezas rasantes
o sino dobrou a sina
rodou
rolou
rodo piou
matando o louva-deus
o sino em nova sina
resta enforcado
nas cordas santas
da velha igreja
sino assassino
assim seja.
Tradição
as famílias discutem
na sala
qual a mais tradicional
os namorados
lá fora
fazem amor
desabotoando a vida
o mar é fundo musical
o vento é vendaval
a música respira fundo
o amor é infinito
e muito leve.
De ANTOLOGIA POÉTICA DA GERAÇÃO 60. ÁLVARO ALVES DE FARIA; CARLOS FELIPE MOISÉS, organizadores. São Paulo: Nankin Editorial/ Instituto Moreira Salles, 2000.
Alteridade
Quem é esse ser que me habita
Que por mim fala e em mim cala
Quem é este estranho ser
Que vive em mim entre ter e haver
Que em mim se esconde
Que por mim responde
Que se perfaz em devaneios
Sempre aqui, acolá ou de permeio.
Que mais existe quanto mais anseio
Que sofre em mim quando amo
Que se alegra quando sofro
Que procura tecer sua trama
Nesse drama em que sou chama
Quem é este ser que me habita
Que me desdiz sem me dizer
Que se desfaz no meu fazer
Que grita em minha garganta
Que quanto menor mais se agiganta
Quem este poema escreve?
Sou eu mesmo ou um outro ser em mim?
St. Louis Blue Street
Rua São Luís
Rua mistificada
Mon Montparnasse
God save Saint Louis
Elevadores com dores baixas
Prédios e prédios sem remédios
Tédios-ódios-solidão
Fumaça saindo das carnes
Sensualidade sem sexo
Sexomaníacos de escritório
Faróis-anzóis-caracóis
Mãos-de-mãos-contra-mãos
Calmaria de agitação
Ação-contração-inação
Rua São Luís
Rua sem santos
Mon montparnasse
Quatro quadras
De riso e solidão
Um pouco de todos nós
Saindo de dentro de todos.
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“Nós somos um diálogo, escreveu Hölderlin. Talvez seja esta a única certeza, ao mesmo tempo ética e estética, do poeta Beutten-Müeller, que pisa, conosco, “um chão pegajoso/ de religões mortas...’’” BENEDITO NUNES
BEUTTEN-MÜLLER, Alberto. Katatruz e outros poemas. São Paulo: Massao Ohno / Roswitha Kempf editores/ Feira de Poesia, s.d Apresentação de Benedito Nunes (assinada em dezembro de 1973. Posfácio de Mario Chamie. Capa: Glauco Pinto de Moraes. Foto do autor por José Carlos Brasil. Exemplar autografado pelo autor em 1991. Col. A.M. (EA)
NO CAOS
no caos
me sou
no caos
me faço
o ritmo nasce da arritmia
ca otica mente
me despeço
do sistema binário
de pensar sem estar
na coisa já pensada
o mundo é talvez
nem sim nem não
no caos
me sou
no caos
refaço
a mente está vazia
vaga mente
pobre mente
simples mente
no caos
me sou
no caos
repasso
símbolos
do grande viajante
sem viagem
sem passagem
sem paisagem
é muito prematura
qualquer solução
sem sol
sou viajante por dentro
nada sei que já soubesse
a realidade é ficção
o que existe
não precisa de definição
a vaidade só fica
enquanto
a idade não vai
no caos
me sou
no caos
me basto
no caos
o rasto
sono lenta mente
clan destina mente
amor rosa mente
o mundo é um grande ab cesso
nessa sucessão caótica de sucessos
MECÂNICA CELESTE
amor
tece
dores
Página publicada em setembro de 3009, amplidada em março de 2012
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