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ALBERTO ALEXANDRE MARTINS

Alberto Alexandre Martins em 1990.

ALBERTO ALEXANDRE MARTINS

Alberto Alexandre Martins é doutor em poéticas visuais pela USP. Nasceu em Santos, São Paulo, em maio de 1958, formado em Letras. Fez curso de gravura em Nova Iorque, em 1981. E “reflete em sua obra influências da Serra do Mar e adjacências. No ano passado foi condecorado com o Jabuti de Poesia, além de acumular vários prêmios em Salões de Artes Plásticas. Sua poesia está publicada em Poemas (Duas Cidades, S.Paulo,1990), em Goeldi, A Linha do Horizonte (Paulinas, S. Paulo, 1995) e no inédito Dentes de Esqualo. Suas gravuras, esculturas e relevos habitam vários espaços da cidade de S. Paulo, tanto em exposições como em acervos permanentes. Jovem, já possui uma obra marcante e, quer nas artes plásticas, quer nas artes da palavra, seu nome é sempre lembrado quando o assunto é arte contemporânea”.  AMADOR RIBEIRO NETO, in http://www.revista.agulha.nom.br/1aribeiro2.html

Alberto Alexandre participou do memorável evento “Artes e ofício da Poesia”, da Secretaria de Cultura, da Prefeitura do Municipal de São Paulo, cujo depoimento e poemas aparecem na publicação homônima, organizada por Augusto Massi, da editora Artes de Ofícios, de Porto Alegre, 1991 (ISBN 85-85418-04-4), de onde extraímos os fragmentos e poemas a seguir:

Foi só com o passar do tempo que me dei conta de que todo poeta trabalha a partir de uma língua. Que toda obra poética se faz pelo encontro de um temperanto singular com um material dado, um repertório de imagens, ritmos, signos, ideologias, que formam o substrato literário de um período e sem o qual não se dá essa liga durável que é a literatura.” ( opus cit., p. 24)

“Daí que uma das peculiaridades deste momento seja que este não é um tempo em que as condições do fazer e da recepção poética estejam dadas, em que basta se incorporar a uma dicção preexistente para encontrar um leitor, tampouco é um tempo que pede ruptura com uma tradição obsoleta, já tudo tão rompido à sua volta”. (opus cit., 1991, p. 25)

Isso se reflete na própria inexistência, já há certo tempo, no Brasil, de movimentos artísticos abrangentes, capazes de formular uma poética comum. É como se cada obra viesse à luz isolada e não num contexto. O contexto é justamente o que precisa ser criado para que novas obras tenham sustentação.” (...) “Trata-se também de forjar uma língua à altura das complexidades da cultura e que possa, ao mesmo tempo, ser lugar de expressão e contato”. (op. cit. 26

 

UMA CASA

São espessas as paredes

espessa a massa
a areia o cimento

espessa toda a matéria
com que se constrói
uma casa: vigas
de afeto, alimento

as várias espécies
de sustento
pra tudo o que circula
sob o vão das telhas:

pêlos do corpo, amor
bebedeira, esquecimento

espessos os alicerces
de silêncio
em que repousa a casa


MANUAL DE PESCA

As iscas, há que comê-las até o fim
antes que nos comam de volta, da cappo,

como a cobra,
com seu bote disfarçado;

há que comê-las
ou então cuspir fora por inteiro

que uma vez fisgado o peixe
é proibido devolvê-lo:

morreremos igual
na água e no seco.

Por isso o pescador que se preza
compreende o ritual de sua presa

antes do anzol ainda
quando apenas sal e correnteza;

que a morte,
ao contrário do que se inventa,

não está no fim das coisas
mas em seu começo

e isso, embora não pareça,
faz o morrer mais fácil do que se pensa.

 

 

MARTINS, Alberto AleixandrePoemas.  Xilogravuras de Alberto A. Martins. São Paulo: Duas Cidades, 1990.  64 p.  ilus.  14x21 cm.  ISBN 85-235-0011-1  Projeto gráfico: Silvia Massaro.  Livro protegido com sobrecapa de polietileno. Tiragem de 1500 exs., 25 dos quais impressos em papel Suzano Classic, com a rubrica F.C. (fora de comércio), numerados e assinados pelo autor.  Co-edição da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.  Col. A.M. (EE)

 

MONTURO

 

Luz de curtume

ardo

e me incluo

 

na estrada

a relha de um arado

sem uso

 

entre as coisas sangradas

e as coisas cuspidas

a terra recolhe nenhuma

 

 

***

 

Rente ao muro do tanque

um resto de terra seca

 

no cabo

e na lâmina

 

— ferro sujo

alguma memória encerra? -

 

a pá: dejeto

da última primavera

 

 

 

ESTIVA

Navios estanques
na beira do estuário

solidez
dos containers

nos amplos desertos
armazéns

 

 

 

Página publicada em janeiro de 2010, ampliada e republicada em fevereiro de 2012.

 

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