AGUINALDO DE BASTOS
Aguinaldo de Bastos, advogado e poeta, é o autor da Lei do Dia da Consciência Cidadã da Igualdade, já implantada na cidade de Jundiaí – SP. Os poemas a seguir vêm de dois livros seus, escritos na juventude (década de 50) , e extraordinariamente bem impressos, como homenagem de seus amigos e admiradores.
Mais dados sobre o autor em: http://www.aguinaldodebastos.com/
De
Aguinaldo de Bastos
O NÁUFRAGO NEGRO
Ilustrado por Inos Corradin
São Paulo: Auderi Martins Projetos de Arte, 2006
O ENGENHO
Candide encontra um negro: faltam-lhe a perna
esquerda e a mão direita. O mutilado explica a Candide:
“Quando trabalhamos no bangüê e o moinho nos apanha
um dedo, cortam-nos a mão; quando queremos fugir,
cortam-nos a perna; aconteceram-me as duas coisas: é a
esse preço que vocês comem açúcar na Europa.”
(Voltaire, Candide, Capítulo XIX)
Ao sol do Brasil,
reluzente o semblante,
açoitado por mãos impiedosas,
o negro espera que o sol de algum céu
se levante
e venha aquecer-lhe as mãos frias,
calosas!...
Volteia o engenho
puxando correntes,
moendo...moendo...
se ali ele fala,
se à boca lhe foge um gemido
às ingentes torturas,
no rosto o chicote lhe estala!...
Volteia o engenho
puxando correntes,
moendo...moendo...
moendo...moendo...
puxando correntes...
moendo...
moendo...
moendo...
moen...do...
Casa Branca, 1951.
De
Aguinaldo de Bastos
OUVINDO ESTRELAS
Ilustrado por Inos Corradin
São Paulo: Auderi Martins Projetos de Arte, 2006
CIDADE DO HOMEM HORIZONTAL
cidade das coisas proibidas
não tem fontes luminosas
não tem bustos de poetas nas avenidas
não tem jardins
não tem jornal
não tem filosofia
cidade do homem horizontal
São Paulo, 1953.
ETERNO RETORNO
Surge
e cintila no azul do horizonte
a mensageira estrela vespertina.
É o círio primeiro que desponta
para marcar o funeral do dia ...
Casa Branca, 1952
ESPELHO VERDE
Não foi sonho, bem sei, mas pesadelo,
pois me sobrou, após imensa espera,
tão frágil como um fio de cabelo,
um amor que julguei não ser quimera.
... Um livro é meu passado ... mas, relê-lo
não devo. O inverno é sua primavera,
e há nele uma mulher feita de gelo,
que lembrava uma deusa, mas não era.
No espelho verde de seus olhos santos,
esmeraldas do seu colar de encantos,
pude evocar os versos de Bocacio.
Depois... depois... ah, recordar não posso,
que dos romances meus, para o bem nosso,
este ficou apenas no prefácio...
Casa Branca, 1951.
OUVINDO ESTRELAS
Foi o acaso, o mais feliz, o mais
belo de quantos há! No meu caminho,
onde, por tempos, eu vaguei sozinho,
vi a mulher que eu esperei demais.
De mim se aproximou, devagarzinho,
mãos, e olhar inquirindo: - Aonde vais?
E eu, sem pensar no que ficara atrás,
olhei além os longes do caminho.
Num céu azul, estrelas provocavam
os loucos e os poetas que sonhavam
poder um dia ouvi-las e entendê-las.
Não sei se louco ou se poeta, sei
apenas que ao beijá-la eu me tornei
capaz de ouvir e de entender estrelas.
Casa Branca, 18/19 de novembro de 1952
Página publicada em novembro de 2009 |