AFRANIO ZUCCOLOTTO
Nasceu em Altinópolis, São Paulo, a 24 de maio de 1913. Poeta, ensaísta, advogado. Membro da Academia Paulista de Letras.
TEXTOS EM PORTUGUÊS - TEXTO EM INGLÊS
TRÊS POEMAS DE
AFRANIO ZUCCOLOTTO
-VIVA OSWALD!
Oswald não baixa ao inferno.
De pé, sobre a sepultura,
Oswald corta o epicédio,
interrompe a discurseira,
cumprimenta, sorri e adverte:
Oswald é o maior amigo
e o melhor inimigo.
— Não se falará nisso.
Oswald rompe uma velha piada
por uma boa amizade.
— Nisso também não se tocará.
É o homem contraditório,
exemplar ambivalência,
o filho do menino por excelência.
— Não se aludirá.
Afeto e agressividade,
sarcasmo, desprezo, amor,
concomitância de emoções
justificadas no artista, mor-
da-cidade.
— Não se mencionará.
Quem ficará
para dar que falar,
para o himeneu,
para o naufrágio
e a volta ao porto
dezessete vezes?
Quem sobrará?
Quem ficará
para espantar os búfalos,
do Norte,
conter o estouro
dos touros e centauros?
Quem se erguerá?
Para acabar conferência,
encerrar e iniciar debates,
fundar escola, espreitar o congresso,
virar a mesa redonda?
E para lançar manifesto
e a última pá de cal
nos heróis ectoplasmáticos?
E continuar a ronda
no subúrbio literário
e inaugurar aprendizes
jovens gênios problemáticos?
Quem interpelará?
Quem denunciará?
Quem expulsará o estulto personagem?
Quem amassará o pão
quem servirá a levedura
e afastará o pão ázimo,
o pão ásino,
quem é que terá a loucura
de ofender a Jeová?
— Nisso não se falará.
Oswald à beira do túmulo
ordena — está ofegante —
a cessação de todos os truísmos.
O cortejo fúnebre aplaude (ouve-se
o especar de isolados lugares-comuns),-
e brada: Morreu Oswald! Viva Oswald!
Ele faz uma vênia
e, gracioso, manda descer o caixão.
Agora, atento e mudo,
está olhando o caixão de Oswald.
O túmulo, as tílias, os plátanos,
o último tálamo, a turba atristam.
O caixão desce — cavo —
a voz sobe do peito de Oswald
— cava —
e apontando ele mesmo
a cova,
sério profere os olhos rindo:
— De profundis gargalhavi.
Novembro de 19S4
COMUNICAÇÃO
De homem
para homem
não transita
a experiência.
Recusa o homem
o aprendizado
provindo
de outro
homem.
Da arte
recebe
como um sopro
auroral
tudo
quanto os outros
aprenderam
para
transmitir-lhe.
ROMANCE NATURALISTA
Alguém matou Leonor
a meiga flor
que morrer não devia.
Quem foi logo se soube
logo se soube
no mesmo dia.
Matou-a um belo moço
um belo moço
que tinha pai.
E desse pai por causa
o moço belo
para a prisão não vai.
Que ele não é culpado
não é culpado
é o que se diz.
Grande culpado é o pai
somente o pai
do rapas, infeliz.
Tal pai nunca lhe dera
nunca lhe dera
exemplo e educação.
Pela trilha do bem
não o levara
em nenhuma ocasião.
O crime foi do pai
foi só do pai
de quem o filho é obra.
E o mundo isenta o filho
de toda a culpa
e o pai exprobra.
Mas vem quem diz que o velho
o pobre velho
não será o responsável.
Sim, ele por sua vez
um pai tivera
muito pouco elogiável.
Então culpa-se o avô
que por seu turno
era filho de alguém.
Era filho de um pai
que fora filho
de pai-filho também.
E assim sempre subindo
de filho a pai
chega-se à conclusão:
O culpado da morte
da meiga flor
teria sido—Adão.
Extraído da REVISTA DE POESIA E CRÍTICA, Ano IV, N. 6, 1979, p. 2-6.
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA - Ano VIII no. 10.
Diretor: José Jézer de Oliveira. Brasília – São Paulo – Olinda:
Novembro 1984. 92 p. 15,5 x 23 cm.
Ex. doação do livreiro Brito – DF
PASCHALIS MYSTERII
Devoto nunca fui
de São Jorge
mas sempre respeitei
seu elmo e sua lança
de santo-cavaleiro.
A São Jorge tenho procurado
igualar-me secretamente
empinado na montaria
quando algum dragão
aparece à minha frente.
Sei que nasceu em Capadócia
de família rica e nobre
e abraçou a carreira das armas
em que se distinguiu por seu destemor
como São Sebastião e São Mauricio.
Enfrentou o dragão para salvar
a única filha do rei.
E o que isso quer dizer eu sei também:
Lançou a pureza de sua crença
contra a besta-fera da idolatria
que grassava em sua província.
Depois arrastou a cólera
do imperador Diocleciano
que o elevara aos altos postos
da milícia.
Sofreu todos os suplícios.
Foi amarrado a uma roda de pontas
de aço
para ser despedaçado.
A tudo resistiu e foi afinal
decapitado
a 23 de abril do ano de 303.
Uma voz o consolava na agonia:
"Jorge, não creias nos ídolos
porque Eu estou contigo."
Dessas coisas tenho conhecimento
e doutras mais,
que os santos nunca deixaram
de seduzir-me.
Por isso rogo ao Céu
que não transforme em ultraje
o último tormento que lhe foi
infligido
com o seu banimento do calendário
litúrgico
depois de venerado tantos séculos.
O mesmo decreto que destituiu
São Jorge
alcançou outros santos provectos
do meu cálido e particular apreço:
São Paulo Eremita, que viveu no
deserto e a quem um corvo levava
todos os dias meio pão;
Santa Prisca, pobrezinha, martiri-
zada aos dez anos de idade;
Santa Domitila, sobrinha do im-
perador Domiciano;
São Mauro, São Marinho, São Mo-
desto, São Bonifácio, São Venân-
cio, Santo Eusébio, todos com
muitos homônimos de homônimas
virtudes;
Santa Pudenciana, filha de se-
nador romano;
Santa Crescência, esposa de São
Modesto;
Santa Sinforosa e seus sete filhos
todos mártires;
Santa Margarida de Antioquia;
Santa Susana, Santa Praxedes,
Santa Lúcia, que não quis apostatar;
Santa Sabina e São Geminiano;
Santo Hipólito, doutor e mártir;
São Cristóvão, tão grande e tão bom,
carregando Jesus nos seus ombros.
E ainda Santo Aleixo e Santa Tecla
e Cipriano (não o feiticeiro e se-
dutor), e Eustáquio, insigne entre
os romanos, e Plácido e Justina
e Apuleu.
E as santas Úrsula e Ninfa, e São
Felix de Valois e São Baco e São
Respício.
E São Trifão, que não foi o único
de tal nome santificador.
E também Crisógono, Januário, Cata-
rina de Alexandria, Bibiano, Anas-
tácia, Luís de França, Isabel de Por-
tugal, (mulher de D. Denis), Nicolau e suas
renas, e Filomena cuja santidade re-
sultou da interpretação errada de
uma inscrição.
Por último São João, que não fol Batis-
ta ou Evangelista, nem Crisóstomo,
ou Clímaco, nem Damasceno ou
Nepomuceno.
Criaturas sagradas surgidas da lenda,
que lhes deu vida terrena de amor e
sofrimentos
e morte sublime com poderes sobrenaturais,
tiveram interrompida, suspensa ou reduzida,
como teve o gentil-homem da Capadócia,
a vigência oficial da glória e santidade.
Pela crença concebidas e animadas,
tornaram-se reais e operaram prodígios.
Existirão enquanto assim obrarem
e assim obrarão enquanto existirem
pela crença.
A M É M.
*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023
TEXTO EM INGLÊS
From
REVISTA DE POESIA E CRÍTICA. Ano XIV no 15 Brasília, 1990. Diretor responsável: José Jézer de Oliveira.
NIELS LYHNE
No, your life is not finished.
You know yor have not yet attained understanding
— I will not say of the world — but even of the suburb
where you live;
and even if you should attain it, ypu would still need
to share this glory first with your neighbours,
you would still need not to live inside your knowledge,
but to proclain it with joy to everyone else
and with everyone else to undertake the understanding of the city.
You still hesitate between your tools
and do not know intimately any of men who live within you:
you are a dancer played on by multiple desires
and a fakir transfixed by your ideas.
You have put up your stall in the clouds
and placed yourself in a region without rules
between the blue sea-weed
Sand total and immediate disappropriation.
You live effacing the outline of things.
Your feelings are armour-plated with jasper
and protect you from the reality at every street-corner.
Your ultimate pride is in living thus.
But when you are asked if you are alive or dead,
when someone asks you the way to the nearest Market,
you do not know what to say.
And when a transfigured Fennimore wants to know
if your balloon can reach the Moon,
you stroke her face and talk about a white city
you have glimpsed beyound the quartz mountains.
Your ballon is losing gas,
You may ye stay upo n high a while
If you change over to a glider.
But when you have to land witout having been to the Moon
and the first passer-by asks you
about yesterday´s accident or to tyrant´s birthday
you will have no answer to give him.
And you will see that your life is not finished.
You will see that you have to begin again.
(Translated by Leonards S. Downes)
Página publicada em fevereiro de 2011
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