ROGÉRIO LENZI
Poeta de Navegantes, Santa Catarina, Brasil.
Poemas inéditos extraídos de ô catarina, Mar. 2017, Suplemento Cultural de Santa Catarina, n. 86.
JARDIM DE VULCANO
Entre infância e ser,
doravente
rosa maculada,
no sono profundo de silêncio
e absinto,
o ensejo
de carne e prazer.
Há na noite estreita
respostas ao medo.
Doravante rosa
maculada,
sono e corpo,
completo e cândido,
no despertar de sangue
e dor
estremece.
TEMPO HOUVE
Tempo houve, aquele tempo outrora,
chamado infância.
Veloz de passageiro.
Dentro dos olhos havia estrelas
e as manhãs
acaloradas de brincadeiras.
Dentro do corpo
uma espera.
Gira sob a abóboda,
na dança de uma ciranda,
a alma-criança.
Gira junto ao mundo, em compasso,
gira na gira, iluminado, o tempo.
Expandido o círculo que a tudo engole,
eis o imensurável:
pés descalços; cheiro de tangerina;
vento no rosto; lábios de ameixa.
Sofre o corpo de mãos dadas à alma.
E sofre sem o saber.
Sem o saber, aguarda.
No futuro diremos:
tempo houve
chamado infância.
ROSA DE CARNE
Por ser triste,
não por ser noite,
por ser triste e nulo,
[não o escuro da noite,
da veste,
da prece que não se fez]
por ser triste:
carrega no colo, o diabo,
armadilha sutil:
embala a rosa
junto ao corpo
e sob calça úmida,
mordaz falo sobre a cona.
Frágil rosa de carne
que da ladainha aspira
salvação e paz,
sofre o beijo fatal
que o padrasto lhe traz.
LUZ-FÓSFORO: LEVE FOGO
É manhã em pleno outubro
de primavera
e os garapuvus
acenam dos morros
em cortesia.
O despertar
em pássaros se faz
antes do aurorescer.
E o dia plástico
se apresenta.
Luz-fósforo: leve fogo
que aos poucos suspende
as cores — o azul vazio
no céu, o mar,
logo flores e plantas;
pessoas em marcha
— multiplicidades que constroem
seus movimentos
para a dança
inimaginável do que somos
e fazemos.
Abrem-se os círculos
de convívio; abrem-se
polos dos risos,
das conversas
e do que inventamos
para o agora.
Nesta manhã primaveril
chamada outubro,
o quadro deste percurso:
longe do jardim, na sala
escura da clausura
domiciliar,
não há canto nem
alegria... rosa orvalhada
— sentiu, sob o peso
pátrio, o mundo
dentro de tantos mundos
por um corpo coroado vangabundo.
Página publicada em abril de 2017