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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 



RODRIGO DE HARO

 

 

Nasceu em Paris, França, em 1939, este poeta de “inspiração universalista, marcado por raízes brasileiras e ibéricas” conforme consta da apresentação de seu excelente livro

Andanças de Antônio- cinqüenta e sete sinopsis memoráveis para o cinematógrafo. Poesia, da Editora Insular, de Florianópolis, enviado por meu amigo historiador Gilberto Gerbach. Uma lembrança digna de reconhecimento pela qualidade do poeta. Trata-se de um criador expressivo, culto, com uma linguagem poderosa que cinzela imagens e alegoriza idéias com a obsessão de um cinematógrafo... Rodrigo de Haro vivem em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil e é membro da Academia Catarinense de Letras.



TEXTOS EM PORTUGUÊS TEXTOS EN ESPAÑOL

 

 

Seleção de

WALMIR AYALA

publicada originalmente na

REVISTA DE CULTURA BRASILEÑA

N. 39, JUNIO 1975 pela

Embaixada do Brasil na Espanha

 

REI E RAINHA

 

Os reis estão fatigados

Rei e Rainha dormem lado a lado

Na urna de vidro

Estreitamente unidos debaixo da nuvem.

 

Em algumas estampas

A mulher enlaça o homem pela cintura

Com pernas delgadas de rã

E seu leito por ser uma corrente

Que suspeito de enxofre

Suas almas são estes dois pássaros

Que sobem para o sol

Endoidecidos

Rei e Rainha cintilam caninos pontiagudos

Já partido o prato em que comiam

Já partida a urna em que dormiam.

 

 

NADA É FIXO NA FACE DO POETA

 

Nada é fixo na face do poeta

Seu rosto é lisa mancha solar

Espectro

Ele desce ao jardim do lago

Diante da Noite.

Os sóis interceptados giram em sua testa

Sóis imperceptíveis de constelações

Insuspeitadas

Enquanto

Um pássaro liberta-se dos linhos

Entre Andrômeda e a estrela da tarde

Em torno dele giram estandartes e lembranças

Giram doze casas de planetas

Seu Duplo gira

Verde e negro no coração das esferas.

 

O poeta quase que não lembra

Sua forma fixa

Na aparência livre fluir do tempo

Fita por acaso o espaço

Em que se volatiliza a tensa face amada

O poeta e seu poema:

Estão rodeados de névoas em seus duelos

Antípodas

Cegos por mesma seta de amor

Que aos tumultos não se furta

Nem detém o fluir um no outro

De chama e orvalho

Água e Labareda

A lágrima salgada que na concha da língua

Em pérola de pronto se transforma.

 

O poeta e seu poema

Árduo e festivo sempre o seu Dilema.

 

 

ANDANÇAS

 

Veio do país da lama o jogo

com figuras de cera e o Galileu

expôs suas regras sem exaltar-se.

Sete imagens com certeza. Lentís-

simas incorporações de sementes

e devires, fendas e câmeras

secretas roçadas com a unha

no tabuleiro. Apostam

 

prêmios obsconsos. Uma pedra,

um sudário, um pote trincado

de mirra. O amigo sobe

e desce do sótão ao porão, sempre

entre o sol e a lua. Tudo é

guerra. Um moscardo pousa

na superfície rugosa do mapa

e mistura fronteiras, patas

sujas de tinta. Escolhes pois

o mais difícil, Lázaro-Antôni:

- A Travessia noturna dos rios,

fina adaga envenenada pelo sentidos.

Apuras a linguagem das mãos,

feita de sílabas ardentes

mas te calas.  Podes morrer

 

pelo tanto que recusas. Não

importa. O Filho da Viúva,

uma a uma, derruba tuas peças.

Não importa: os jogadores inclinam-se

Sobre o tabuleiro e

prosseguem lutando.

 

 

... o que meus olhos viram

 

Um descuido o derrubou.

 

Precipitado no vazio, caiu doze

andares, no pátio interno

destroçado. Todos nós, sim,

todos ouvimos o grito

do operário caindo, a pedido

do arquiteto.

 

Primeiro os cabelos se dês-

prenderam do lenço e

logo o corpo estremeceu,

tomado pela descarga. Então

arcaico ele tombou, obedecendo

 

ao hierofante avarento, rijo

e sem valia. Metal

cintilante o atingiu

acima da segunda costela

e por instantes

 

ele permaneceu suspenso, trespas-

sado, com os olhos

estriados de cimento até

que a haste vergou-se

como um caniço e

 

o rapaz pode continuar

e cair, preso

ao rochedo, indiferente

às águias esvoaçantes

do átrio.

 

 

ESCRITO EM VENEZA

 

Mais vale confiar nos próprios olhos

do que nas opiniões. O corpo é única

evidência, refletia ele. Sábio

Ptolomeu! E pisava com força, pra-

zeiroso, a terra imóvel. Todos

reconhecem a incompatibilidade do

movimento linear com um globo

em rotação. E o vôo dos pássaros?

 

Os homens devem ter enlouquecido!

Atualmente ousam discordar

até das Escrituras.

 

Pico Della Mirandola, Dolese, que

refuta o Estagirita e prefere – em muitos

pontos – seguir a Demócrito; Gomezius

Pereira na sua “Pérola Antonina”:

Ocelus de Lucania e

ainda Rodrigues de Castro. Todos

admitem esta cristalina

verdade:

 

“- A Terra é imóvel.”

 

 

ESTAMPA DO CÃO SENTADO NUMA CADEIRA

 

Delicadíssima relação dos cães

com a morte. Quero

morrer como cão, fitando

as coisas transparentes.

 

Em piedosa aridez

eu me aproximo sem levantar

as orelhas. Estendo

as patas e me deito

 

fitando o horror das coisas

transparentes, roendo

um fêmur seco.

 

Nada sabe ele.  Tudo

é inacabado e aspira

ao vazio da rua em que nas-

cestes: sibilino, arbóreo,

transparente e lúcido

 

sopro na colina. 

 

HARO, Rodrigo deAmigo da labareda.  Poesia.  São Paulo: Massao Ohno, 1991.  110 p.  ilus.  15x22 cm. Capa: óleo sobre tela de Rodrigo de Haro.  Contracapa: óleo sobre tela, retrato do artista aos 7 anos de Martinho de Haro.  Col. A.M.  (EA)

DE MANHÃ, NO JARDIM

Não quero agora tua nudez.
A veste é necessária. A distância
é necessária. E tudo mente
tudo que é visível.

O corpo mente sem querer pois é fluido
demais e não ocupa
verdadeiro espaço
nem da roupa que o veste.

O corpo sempre foge e tropeça
em sua malícia.
Somente a ideia levita.
A linha ágil do desenho
imóvel
cortando a luz
separando da luxúria
a coisa contemplada.
Tem mil anos o perfil
e o torso. Mil anos de poeira
limaram o discurso.

- Que fria nudez sem passo de dança!
Não quero mais
o apelo das coisas criadas.
A bastarda fonte dos sentidos
me aborrece — com tanta
algazarra.

Pois não quero...

 

HARO, Rodrigo deFolias do ornitorrinco.  Florianópolis: Editora de UFSC, 2011.  88 p.  14 x 19 cm.  Capa: Maria Lucia Iaczinski. Caixa de papelão com dois livros  ISBN 978-85-328-0579-9   Ex. bibl. Antonio Miranda



 

Poesia excluída da Natura

Qual o mais raro? A samambaia
ou rígido conceito? Falas, falas...
E o verbo incerto abandonas
à lira conceituai e seu despeito. Exclui-se

a imagem, o verso é pardo.
Os cães de Adônis fogem
pela mata. Falas...
Contudo a voz te falta
e a poesia é mera
disciplina. - Raro?

Incómoda no poema
a presença da Natura.
Colher avencas, elegia
insistente. - Pode mesmo

dizer-se: - a poesia é concreta,
só letras no papel.
Festa muito frugal.

 

Erasmo

Regozija-se sozinho pela tinta preta

e pela ideia do labirinto. Infinitas

cadernetas nada provam,

imóveis no aparador onde

um rato mastiga pão seco.

(— mas a tinta veio da China...)

 

A mão que empunha o cálamo
é meticulosa e densa
e muito ágil. A linha

 

da escrita bem nítida
não despreza
irónico floreio.

 

 

Andarilho

 

Às vezes abre-se uma porta. Avista-se
o vestíbulo, uma nesga de salão
iluminado. Adivinham-se os fastos
da alegria. Dança-se com elegância
e gravidade - pois alegria ver-
dadeira é sempre um pouco
solene, com certos ares de espanto.

 

Mas logo fecha-se a porta
e somente a noite silenciosa
se estende à nossa volta.

 

 

Um acidente

 

- Socorro! Brada o espelho.

 

Impossível atendê-lo
a tempo. Pedaços de vidro
espalham-se no chão
fora da moldura
desolada.

 

Os cacos refletem rostos,
paisagens esquecidas.
Tudo brilha
um instante.

 

Logo desbota
e desaparece.

HARO, Rodrigo deEspelho dos melodramas.  Florianópolis: Editora de UFSC, 2011.  177 p.  14 x 19 cm.  Capa: Maria Lucia Iaczinski. Caixa de papelão com dois livros. ISBN 978-85-328-0578-2    Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Plasma

 

Única vela, imagem de Eros Volúsia

dança em traje marajoara

na parede hospitalar

da carrancuda face da recepção

onde convém entregar as luvas

manchadas de soma, esperma

da linguagem. Frágil coisa é

 

uma parede sólida, o calçar
pantufas, apoiar-se na guarda
do fogão aceso. Definitiva ilusão
separa o gentil homem acossado
da ancestral mendicância da es-
pécie, do silvo persistente da fenda
vulcânica. Dormes sobre certezas...

 

Surdo ao apelo da sineta jubilosa
do pátio, procuras desvãos, fugas
prodigiosas entre os ângulos mais
íntimos da parede obtusa
sem receber mensagens
múltiplas do retrato oval.
E pena! Só tu poderias sus-
pender guirlandas acima
da porta do camarim, mas não ouviste

 

o comando expresso na dança
trinitária e ficaste para trás
olho no olho imóvel, semi-
aberto, de perfil
como animal na selva...

 

Agora é esperar

que outro ciclo tenha início.

 

 *

 

Se caminhas pelas ruas


vais ouvindo os seres ofegantes
que respiram. Logo evocas
inacessíveis ossuários, ar-
quivos do ressoante
caramujo. Nele

 

encontra-se o discurso
perdido nas estantes her-
méticas da abóbada celeste.
Se levas ao ouvido o róseo
emblema calcinado
escutarás a voz

 

da plebe rouca como areia
em sua desdita; soprando
pela fenda do crustáceo
um ciclone sinaliza aberto
neste canto firme. Sem

 

te deteres, fátua natureza,
segues nada sabendo
de tudo que as palavras es-
clarecem. Sim, caminhas
nas calçadas e obedeces
ao instinto do animal que

 

te pertence.

 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL 

Selección de

WALMIR AYALA

publicada originalmente en la

REVISTA DE CULTURA BRASILEÑA

N. 39, JUNIO 1975 por la

Embajada del Brasil en España

 

EL REY Y LA REINA

Los reyes están fatigados

Rey y reina duermen lado a lado

En una urna de cristal,

Estrechamente unidos bajo una nube.

 

En algunas estampas,

La mujer enlaza al hombre por la cintura

Con delgadas piernas de rana;

Su lecho es un rio de azufre, imagino;

Sus almas son estos dos pájaros

Que suben hacia el son enloquecidos.

Rey y reina brillan, puntiagudos dientes,

Ya roto el platô en que comían,

Ya rota la urna donde dormían.

 

 

NADA ES ESTABLE EN EL ROSTRO DEL POETA

 

Nada es estable en el rostro del poeta:

Su rostro es lisa mancha solar,

Espectro,

Él desciende al jardín del lago durante la noche.

Los soles interceptados giran en su cabeza,

Soles imperceptibles de insospechadas

Constelaciones

Mientras un pájaro se libera de las redes,

Entre Andrómeda y la estrella de la tarde.

Nada es estable em el corazón del poeta.

En torno suyo giran estandartes y recuerdos,

Giran doce casa de planetas,

Su Do0ble gira,

Verde y negro, em el corazón de las esferas.

 

El poeta ya casi no recuerda su forma exacta

En la aparencia, libre fluir del tiempo,

Y mira por acaso el espacio

En que se volatiliza el tenso rostro amado.

El poeta y su poema:

Están rodeados de nieblas en sus duelos,

Antípodas,

Ciegos por la misma flecha del amor

Que no eludo los tumultos ni detiene

El fluir, uno en el otro,

De llama y rocío.

Agua y lumbre,

A lágrima salada en la concha de la lengua s

E transforma de pronto en perla.

 

El poeta y su poema,

Arduo y festivo siempre Dilema.

 

 

Página republicada em dezembro de 2007. Ampliada e republicada em dezembro de 2018

 

 
 


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