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JOÃO EVANGELISTA DE ANDRADE FILHO
Nasceu em São Paulo , viveu muitos anos no DF (estudando e lecionando na Universidade de Brasília e dirigindo o Museu de Arte de Brasília) e vive há vários anos em Florianópolis, onde exerce o cargo de diretor/curador do Museu de Arte Moderna de Santa Catarina. É um erudito, um humanista. Paleógrafo, virtuoso, já escreveu uma peça teatral em português medieval. Artista plástico, desenhista, poeta. Autor de vários livros de poesia, escrevendo poemas em português, espanhol, francês, italiano, alemão, inglês....
De
DE ZEPPELIN, DE GATOS
E DE CAMBUCÁS
(Pavana para um cunhado morto)
Florianópolis: 2006)
Esse vermelho, de enxurrada, nada tinha a ver com sangue.
O sangue veio depois, bem depois,
Acompanhado de arquejos e suspiros.
Sangue sacado e recebido nas salas intestinas
E nos leitos de tão lentos hospitais...
Longo tempo se passou, mas chegou o dia em que a Dissipadora,
Além disso conhecida como a dama do seio frio
Se instalaria entre nós, já muito longe daquele palacete
De que estávamos a falar, e onde tão completo eu fui
Fiel de Deus já pronto e definido...
E, por contradição,
Fiel de um doce paganismo que, um pouco além,
A fortiori
Os jesuítas do colégio haveriam de enquadrar.
AMORES
(...)
Também o primeiro amor, que será,
Acreditem, o penúltimo de uma história,
Data desse segundo período.
Durou exatos sete anos, em clima de exaltação.
Passou por transes de angústia e de despeito,
Sendo este o caso do minueto fatídico, que não era o de Boccherini,
Minueto que eu devia dançar com a menina
Na festa do fim-de-ano.
Pelas falhas da minha coordenação motora, patenteadas nos ensaios,
Ou por motivos políticos, fui preterido
Em favor do filho do diretor do Grupo Escolar,
Que, de ódio, desejei matar.
Apesar de tudo isso, e de tantos cruciantes momentos,
Hoje, desconfio que esse amor tão carregado de paixão
Era o produto alquímico de um romantismo precoce
Destilado no crisol do intelecto e não no alambique das vísceras.
Foi esse, igualmente o caso,
Quando cortejei,
Não muito tempo depois,
Um colega do ginásio.
Não sendo alvo de um autêntico interesse dos sentidos
Se ele dissesse sim,
Eu ficaria atrapalhado
Sem saber o que fazer.
Nos dias atuais
Depois de ter galgado alguns degraus na escada da carnalidade
Aquela maladresse espiritualizante
Eu haveria de superar,
Conquanto o colega ressurgisse
Na forma e na função de efebia
Ou fosse, como o menino de Pérgamo, complacente.
Mas, ao presente,
Sem apetência,
Teria eu de contornar,
Certa hipoteca de ordem mecânico-muscular
Que só uma cocote experiente
Resgataria.
Assim foi que, no desenrolar do meu filme,
Tão cheio de ação e amizade,
Na verdade
O script do amor e do sexo
Não tiveram entrecho conexo.
Nos anos tardegos,
Iguais a morcegos,
Voejam meus pensamentos.
E cobram de mim
A ausência de amores;
Pendores drenados
Pra ermos desertos
Pra rasos incertos:
Omissos terrenos
Perdidos na esquiva
Torre de marfim
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De
CRIA DE MULA
(VERSOS DESCONEXOS)
Florianópolis:2007
Quando digo”fui em busca”,
Ou então “durante o dia”;
Ao dizer “dia após dia”
Digo: “o tempo tem idade”.
Arrancar a pelo ao tempo!
O que sobra? Talvez nada.
Arrancar a pele ao tempo!
Sobrará a eternidade?
FRONTEIRA
Esta é a minha fronteira.
Como podes ver, não chovem pétalas de rosas
E a hera tomou conta dos muros
Enquanto o silêncio desce,
A última luz a deitar-se no lago
Só consegue refletir
A imagem de um sorriso que se despede
O GATO
Havia um gato
Só que dessa vez
Não era de estimação.
Quando ele vinha,
Vinha para comer
Não se importando com afagos e mesuras...
Havia um coração,
Mas, dessa vez,
Ele aprendera
O quão agrestes podem mostrar-se
Os cômodos da casa.
Havia uma aparência
Aparência, porém, nada mais é que um
toque de vazio.
Não houve jeito.
Que eu me lembre
Esse era um tempo de viver à revelia
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CINCO
Cinco horas da tarde!
Deixo com Lorca o estro.
Quem melhor pôs-se a cantar
As cinco horas da tarde;
As cinco horas fatídicas da morte?
Vejo, porém: nem todos os relógios
Apontam para as cinco em ponto...
É quase tudo uma questão de sorte.
Atrasos e adiantamentos
Não são meros momentos...
No espaço indeciso entre os ponteiros
Há vidas que se jogam, de alto a baixo
Céus que se perdem;
Infernos que se ganham.
O tempo é um dado falaz!
Afinal as cinco horas, da tarde ou da manhã,
Tanto faz.
Não se distinguem de outras quaisquer horas...
Seja o prazo da morte de um herói
Seja o encontro para um simples chá das cinco.
Só sabemos a diferença que se fez
Se ganhamos ou perdemos, cada vez.
UM
Antes
e era dois
ou mesmo três.
Às vezes quatro, cinco...
Com o apagar das luzes
e fui ficando
cada vez mais
um.
Antes
tantas empreendi.
A giravolta,
Aquela que, em calma,
só a alma consegue percorrer,
e que dispensa asa,
hoje eu palmilho
dentro de casa.
Antes
a minha cama circulava em um rodízio...
O possuir era a essência da ventura.
Já me contento
com a aventura
não tão segura
de ser apenas.
De ser só um.
SETE
Sete punhais de ouro se cravaram
Fundo no coração cheio de medos...
Sete segredos, tredos, se guardaram
A sete chaves, que de outro seriam...
E foram sete léguas percorridas.
Sete pecados foram perdoados
Sete faróis transpostos; sete mares.
Setenta luzes que nos alumiam...
Sete mansões de sombras se afundaram
No lago do Silêncio, entre penedos...
Sete demãos de tinta se passaram
Em um sepulcro nu que se escondia...
Sete lanternas rubras se apagaram
Antes que a noite espessa clareasse.
Sete morcegos negros que voaram
Não mais pousaram, por temor a dia..
Mas não chegava nunca aquele dia,
Por sete sortilégios encantado...
Então os sete sinos repicaram,
E as sete pragas foram proferidas;
E sete gnomos reles se danaram
E sete anacoretas se enforcaram...
E sete raios a seguir partiram
As sete torres de marfim erguidas.
Sete donzelas foram lapidadas
E sobre sete palmos, no terreno,
Sete rosas de sangue se abriram.
Dormiram sete luas tão pesado
Que em vão sete fogueiras se acenderam.
De ser tão longa assim a noite fria
Gelou nos corações o sentimento:
Anátema final aí lançado.
Em vão se esconjuram aquela treva,
Pois nem setenta mil terços bastaram
(Que foram tantos os que se rezaram).
Em vão as muitas velas se acenderam
(Bem setecentas mil, que assim contaram).
O esperado dia não tornou...
E um deserto imenso foi surgindo
Para engolir de vez o que restou.
Extraídos do livro OUTROS POEMAS & TREZE NÚMNEROS. Florianópolis: Agnus, 2000. 44 p.
PALAVRAS
Para Vera Amália Amarante Macedo
Estalo, sol e merendar,
Intonso, alforje, sereia,
Bramir, motejo, simonia...
Escusam de saber que senso têm,
Lindas palavras são, nos fazem bem.
Culatra, regougo, finfar, tamanco,
Sovaco, bolacha, rubrica, faroja,
Úteis até, mas feias de doer.
A vida fervilha de contrastes
E o dicionário também.
[SEM TÍTULO]
O poeta, mesmo quando finge, expele o seu sentir.
Não sendo esfinge, conhece o desabrigo de uma confissão.
Não pensa em indulgência, nem pede remissão.
Por ser como é, pouco sereno,
O terreno lhe foge ao pé.
Ele se expõe. Se a blefar
Se põe
Fichas arrisca
E morde a isca..
Jogo que faz
Não volta atrás.
A poesia
Tem seus perigos
Como os do mar.
Se a nau faz água
Por que culpar
Os calafates?
Mar é assim
Às vezes liso
Às vezes crespo
Às vezes limpo
Às vezes turvo.
Caprichos
Tem.
Ao içar velas
Reza por elas
Amém.
Quebrou-se o leme
Perdeu-se a rota.
Como o alcatraz
Extraviado
Não voltarás.
Quarta do leste, quarta do sul,
Quarta do norte, quarta do ocaso.
Marinhando à mercê dos quatro pontos,
Derivando ao sabor de rumos ora crus ora incruentos
O poeta não se afasta de si mesmo
Apenas faz-se ao mar atrás dos ventos.
Extraído do livro VERSOS JOCO-SÉRIOS. Florianópolis: Agnus, 2003. 132 p. |
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