EMANUEL MEDEIROS VIEIRA
nasceu em Florianópolis, SC, em 31 de março de 1945. Residiu em Brasília durante 32 anos. Atualmente, reside em Salvador.
Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1969). Fundou cineclubes, grêmios literários, vendeu livros, militou ativamente na política estudantil, exerceu o magistério e o jornalismo, além de redigir discursos parlamentares.
Nos últimos meses, voltou à Brasília por causa da saúde. Faleceu na capital federal em 29 de julho de 2019, em decorrência de um câncer.[3]
EMIGRADOS
Emigrados:
seremos sempre,
emigrados.
Em busca de outro mar,
da última ilha,
seguindo os pássaros,
atrás do último pássaro.
De um mar a outro,
de uma ilha à outra ilha,
e, então, dormiremos,
uma noite sucedendo-se à outra.
HOMEM DIANTE DO MAR
Homem diante do mar
(instância interrogativa).
Precária caravela.
E finita: a vida
Trapiche:
o homem só contempla
(desembarcado).
No estatuto da memória:
ele se interroga, nunca mais a ação.
No porto: a rapariga rosada estendeu um lenço.
Limo: foram-se a juventude, o trapiche, a rapariga, o lenço.
(Mátria: sou apenas um homem diante do mar.)
Desterro: instante convertido em sempre.
O homem desembarcado só pode viver de memória: diante do mar.
EXÍLIO*
Um Atlântico nesta separação:
batido coração segue as ondas de maio.
Desterros além da anistia,
para lá dos poderes.
Velas ao vento,
não bastam os selos,
a escrita crispada.
Queria os sinais da tua pele,
vacinas, umidades, penugens,
pêlos perdidos no mapa do corpo,
o olhar suplicante, soluços.
Jornadas:
missas de sétimo-dia,
retratos arcaicos.
Outro exílio:
sem batidas na boca da noite, armas, fardas, medos,
clandestinidades.
Sol neste retorno:
casa, guarda-chuva no porão, caneca de barro,
álbuns, abraço agregador,
cheiro de pão, gosto de café,
o amanhã junta os dois nós da memória,
um menino e o seu outro: estou melhor feito vinho velho.
*Poema premiado no Concurso Nacional de Poesias, cujo tema foi “O Mundo do Trabalho”, promovido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná.
MADONA
Senhora das horas inconclusas
Senhora do torto parto
do porto inalcançável
Madona da ânsia infinita
vã peregrinação
Senhora do desassossego
Conceda-me o bálsamo do olvido
passagem silenciosa
travessia sem medo
Senhora do inútil tempo – que continua queimando
Senhora da veloz juventude
Madona de todas as velhices
Outorga-me o estatuto da ausência.
ASTROLÁBIO*
Para Lucas, meu filho
A bússola e o astrolábio:
velas ao vento.
Existe outro Bojador nestes mapas interiores?
Os navegadores estão no exílio:
há faróis neste degredo?
Findou a aventura no mundo.
Singrando-me, cumpro-me.
Além de mim, além da vida:
do pó que serei.
*Poema premiado em concurso nacional promovido pela FUNARTE.
FERREIRA, Sônia. Chuva de poesias, cores e notas no Brasil Central da história através da arte. 2a. edição revista e melhorada. Goiânia: Kelps, 2007. 294 p. ilus. col. (antologia de poemas de autores do CECULCO â Centro de Cultura da Regiã do Centro-Oeste) Ex. bibl. Antonio Miranda
HOMEM DIANTE DO MAR
Homem diante do mar
(instãncia interrogativa).
Precária caravela.
E finita: a vida.
Trapiche:
o homem são contempla
(desembarcado).
No estatuto da memória:
ele se interroga, nunca mais a ação.
No porto: a rapariga rosada estendeu o lenço.
Limo: foram-se a juventude, trapiche, rapariga,
lenço.
(Mã¡tria: sou apenas um homem diante do mar.)
Desterro? O instante se converteu em sempre.
(Ex-navegadores vivem vidas virtuais.)
O homem desembarcado são pode viver de memória: diante do mar.
CALIANDRA: POESIA EM BRASÍLIA. Antologia com 35 poetas residentes em Brasília, volume primoroso de André Quicé Editor, 1995. 224 p. ilus. Inclui biografias e retratos (desenhos) dos 35 poetas. Ex. bibl. Antonio Miranda
MORTOS DE DOMINGO
Estamos
famélicos de infinito
enquanto os mortos espreitam nesta sala de jantar
com seus bigodes de ouro
relógios de algibeira
labirínticos sorrisos
E os mortos te chamam neste álgido domingo
sem procisões
regatas
uvas de janeiro
pão feito em casa
fogão de lenha
Consumida está esta pretérita paixão
(Ah, como te espreitam teus mortos nesta sala de jantar)
chama que se apaga
peregrinas entre estes astuciosos defuntos
em alamedas floridas
pensando nas noites deste mundo.
Março de 1994
Poema premiado no I Concurso Nacional de Poesia Edições de Minas — Cartão Poético Alegoria, 1994.
ARGILA
Não
da promissão
a terra onde foi edificada a casa
mas argila mole
simulacros de: cimento
ferro
cal
os pregos, sim, certeiros
Famélicos operários escorregavam no lodo inicial
Não, não era fundação
mas areia movediça
Tudo arremedo
começou mal
(Satanás detrás dos pântanos)
a construção
Os seres daí emergidos
— como que ludibriados por cúpidos corretores —
chegaram à terra: rotos
deformados
A espera de exorcista nunca vindo
Por sua vez,
conceberam outros (também): Disformes
Desvalidos
Impotentes para conjugar o verbo esconjurar
E assim sucessivamente: Quebrados,
Danados
Vinham ao mundo
(forasteiros de si mesmos)
parindo casas no lodo.
Brasília, julho de 1993
ESTATUTO
Esse estatuto de miséria não é o nosso,
apesar de não colhermos flores
no começo das manhãs orvalhadas.
Não, não é nosso
esse miserável pacto de
bocas secas
rostos esfomeados.
(Não, não era teu intuito cair na retórica indignada.)
Tudo igual
(sempre)
nas ruas de março do teu território Brasil.
Aspiravas o sereno verso,
mas estilhaços do real róem teus pleitos.
Almejavas ilhas calmas:
sobrou a (exasperante?) realidade.
Peregrinas pelas referidas manhãs orvalhadas
(3o verso quebrado),
que não te integram
como herói grego,
mas te despedaçam e fragmentam
como personagens de simulacros.
A máscara na cara
representa o fazedor de maus poemas,
abafados na queixa.
Não, nenhuma solar manhã salta desta página para
restaurá-la.
Como anti-Ulisses
(burocrata de antigas dores)
sobrará (a ti e às máscaras) apenas o lamento
repetitivo:
"Esse estatuto de miséria..."
Brasília, abril de 1994
DEUS E SEU LABIRINTO
O sonho te espreita cedo,
mal rompe a aurora.
O tempo transparece no rosto,
sulcos, crateras
(a jornada dos dias).
A manhã e seus morangos,
A mãe e seus silêncios,
O tocador de realejo.
Ah, o vento destes espaços abertos,
a noite e seus mortos
(na parede da sala de jantar).
A tarde e sua preguiça,
Novamente a noite e seus sortilégios,
Eu e meus presságios,
A criança congelada no tempo.
Deus e seu labirinto.
O tempo e suas escamas.
De Deus, eu queria o Abraço.
A palavra essencial escapa nessas
fendas
tiroteios
soluços
memórias.
Como areia na ampulheta,
o rosto de Deus não se desvela.
Brasília, julho de 1994.
POEMA
O poema resiste à pedra
no tempo
(além)
Singra a eternidade
Porque recusa a morte
Seu estatuto não é comércio
(sorriso pueril, punhos de renda)
Ele sonha com o sagrado
Seu rito não é ordenação burguesa
Mas sede de fundação.
Brasília, janeiro de 1995
PÁSSARO-MENINO
Vale o pássaro
(mesmo ferido)
ao encalço da penúltima gaivota
está o ex-menino no trapiche, não,
não é mais criança,
homem desembarcado
contemplando o cais,
pássaro velho
exilado das asas amadas,
anjo excomungado de qualquer deus
ficou na pedra o rosto antigo,
ele agora é só granito
na face do ancião.
Brasília, março de 1994
VIEIRA, Emanuel Medeiros. Sete Planos de Asas.
Florianópolis: Edições SANFONA, 1989 [folha dobrada em quatro páginas] São 14 folhetos em uma caixa de plástico) Tiragem 200 exemplares.
Ex. bibl. Antonio Miranda
1
PLANO PILOTO
Grandes espaços, místicos, seitas
Como os outros, um dia verei um disco-voador
não só políticos
prefeitos em busca de verbas
caravanas de vereadores
levas de reinvidicantes
tecnocratas engomadinhos (tão presunçosos)
gravatas de todas as cores
Alguém se atira da Torre de TV
(um setor oficioso de suicídios?)
Rifas inter-ministeriais,
bolos para aniversariantes do dia,
{agiotas a 25 por cento, tráficos de influência,
libertinagem, esbórnias,
mergulhos na piscina corrupta
Ah, Plano Piloto que alguém chamou de “Plano Pilatus”
Assim pensam os do Sul:
“os ditadores, os perversos
e os ladrões acabaram com a cidade”
Acabaram?
Niemeyer anda plácido pelos ermos geométricos,
linhas claras, serenas que pairam sobre o espaço,
arquitetando a felicidade azul para todos
2
PLANO CERRADO
Candangos
Quem fez Brasília?
Agora eles lavam as piscinas dos grã-finos
no sul dos Lagos
Por que as pessoas correm tanto
nestas pistas largas?
Estão ansiosas, raivosas, irascíveis?
Mas a lua cheia está bela, tão vermelha e tão vasta,
o céu estrelado
e como criança folhetinesca deste nome
e todas as estrela
Ênio Aristeu Simon Nenen Alfredo
Luiz Henrique Carlinhos Thiago Cida
Uma longa e longa ditadura
É fim de tarde, um vermelhão no céu,
saem as conduções funcionais,
os estacionamentos esvaziados,
os ônibus dos Ministérios se perfilam
um pequeno funcionário do MEC come uma melancia
cartões da Loto, talão do jogo do bicho,
Diário Oficial, Boletins Administrativos que revelam
ascensões funcionai, vantagens horizontais,
licenças para gestantes, aposentadorias,
perda de Funções
e no bolso sum queijo de Minas e um lenço bordado
As cidades satélites voltam a ter seus filhos
Também os danados da terra brasileira esperam
leite e mel
Terra da promissão, terra da separação
Uma grande fazenda iluminada?
5
EIXOS CORTADOS
Alguém berra
Tancredo morreu Tancredo morreu Tancredo morreu
um menino solta pipas
e carros chapas-brancas, do Diretor Geral,
do Diretor Adjunto,
da mulher do Procurador no salão de beleza,
na Feira e no Colégio
dois namorados rolam na grama (tão verde) da
SOS 114
e esta cigarra anuncia a primavera
picham paredes não só pedindo a Greve Geral
a reposição salarial, o fim do arrocho,
também: “Eu te amo, Lucas, volta pra mim”
Ninguém sabe se o Lucas voltou
Num branco muro alguém reinvidica o final da tristeza
e outro proclama
“Quem fez 64 não faz 69”.
LB revista da literatura brasileira. 25 - Direção: Aloysio Mendonça Sampaio.
São Paulo, SP: 2002. 46 p; 14 x 21 cm. No. 10 630
LENDO MALRAUX
Transformo o destino imposto em destino dominado
(assim queria)
a morte transforma a vida em destino,
a partir dela nada mais pode ser compensado:
é André Malraux quem fala
Nossa experiência da morte é sempre a morte do outro
E nosso destino?
Em aberto?
Escrevendo arranco algo à morte;
o lado vitorioso do único animal que sabe que vai morrer.
Meu destino é a morte: infinita, porém,, a minha história.
(Dos homens).
(Brasília, junho de 2001)
*
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Página publicada em outubro de 2021
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Página ampliada em janeiro de 2021
Página ampliada e republicada em dezembro de 2019 |