CHARLES SILVA
Florianópolis (SC), em 1966. Desde cedo apresentou interesse pelas artes: música, teatro e sobretudo pela língua escrita. É graduado em História e mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente mora em Brasília e é servidor público federal do Ministério da Cultura.
SILVA, Charles. Denúncias do corpo. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011. 102 p. 12,5 x 19 cm. Capa: Maria Lucia Iaczinski. Prefácio: Ana Maria Ramiro. ISBN 978-85-328-0534-8 Ex. bibl. Antonio Miranda
Sustentando-se na pulsão entre os opostos, Charles Silva consegue alcançar o inatingível ao unir os antípodas, o amor e a transgressão. Ao equiparar o texto à forma humana, plasmando-o num anagrama erótico, transforma-o em objeto de fetiche, cabendo ao leitor observá-lo clandestinamente, assumindo o papel como voyeur da obra e das perversidades do autor.
Trata-se de uma escrita corporal, onde se estabelece um jogo mnemónico, uma espécie de diário do corpo, como forma de "re-viver" as relações sexo-amorosas por meio do corpus poético e empreender uma viagem pela geografia feminina no afã de apreendê-la, como também à linguagem.
ANA MARIA RAMIRO
para ser minha preta
você devia saber
que eu não dou um tempo
devia dar mordidas
devia dar risadas
devia dar
para ser minha preta
você devia dourar
trezentos mil firmamentos
errar o fermento
esfomear minhas carnes
exagerar nos gritos
abusar nas pitadas
flambar os meus condimentos
para ser minha preta
você devia meter
devia apontar
o dedo pro meu nariz
devia pedir para eu te arranhar
com meu bis
devia me derreter
devia gozar
para ser minha preta
você devia dever
e me implorar pra cobrar
para ser minha preta
você não precisa mudar!
*
queria entender pela palavra
as dúvidas que não se verbalizam
tudo em mim é narciso
mas não suporto espelho
olho no olho
estar nos olhos de alguém
é ter a alegria do alvo
é um arrepio no pescoço
um alvoroço no cóccix
e em outros ossos que se torcem
trincam
e pegam fogo
já disse
meu mundo é feito de pimenta
essa fome é puro charme
morder também alimenta
*
ele não é de procurar ele não fez o luar
se achar vai saber mas soube fazer
minha provocação tanta constelação
ele não
se
despede
come
joga e bebe
e se esvai
mesmo quando alegre
seus sinais não são mais
do que três
eu fico
eu vou
não estou
esse homem haikai
dura pouco mais de um mês
nem por isso acaba o meu romance
*
serpente
a fila
a estrada
a vida alongada
o veneno vem
da mesmice
*
eu não gosto de espera
esperança
promessa
crença
coragem
amizade
vade-retro
satanás
eu não gosto de mas
porém
senão
etc
aceno
adeus
até
nunca mais
eu não gosto de querer
bem
malmequer
beija-flor
pôr do sol
hega mais
dorme aí
quanto tempo
a casa é sua
Página publicada em dezembro de 2018
|