BENTO NASCIMENTO
(Itajaí, SC: 1962-1993)
"A poesia de Bento reza a partitura de uma língua profana. A poesia dele é punk, podre, sarcástica e lâmina de seus versos nos fere fundo com esse antiquíssimo amor que nunca se realiza, que espera, e contempla a tudo platonicamente. A história do pensamento humano é, talvez, a coleção das feridas que esse pensamento acumulou ao precipitar-se contra as fronteiras da língua. Na linguagem de Bento Nascimento, tudo é um breviare d´amour (breviário de amor), tudo é uma febre de imagem e da palavra, tudo é anticlassicismo, tudo é adeus e ira contra esses que , mesmo tendo muito, são mal-agradecidos, nada celebram e ainda odeiam, com todas as forças, a Poesia.
Bento Nascimento nunca saiu de Itajaí, embora tenha sido, por breve período, professor de literatura na cidade de Luis Alves. Sua poesia é, ainda hoje, referência marcante na cidade (...)." Fernando José Karl
Porta-retrato
Apesar de ouvir os discos selecionados
e rever fotos e poemas antigos;
apesar da nostalgia da tarde
entre blues e sonetos,
estava com acesso de gases
que impestava de um torpor acebolado
tantas recordações…
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Um dia foi a eternidade que você
pediu ao seu deus.
Mas seu deus de infinita bondade
e sabedoria
lhe deu uma semana e meia
quase doze dias…
A felicidade é coisa estranha,
temos um guarda roupa cheio
e saímos com roupas de outra estação.
De
Antonio Carlos Nascimento, org.
BENTO NASCIMENTO: AOS VIVOS
Organizado por Antonio Carlos Floriano,
Cristiano Moreira e Fernando Karl..Itajaí, SC: Ed. Maria do Cais: Ed. Oficina da Palavra, 2007
251 p. ilus. ISBN 978-85-99609-10-1
JÁ FUI A MIL BAILES
Já fui a mil bailes,
andei por centenas e centenas de bares,
sem ter nunca encontrado meu amor:
meu amor fica sempre em casa
MEU MUNDO ÀS VEZES É TÃO PEQUENO
Meu mundo às vezes é tão pequeno,
que eu fico esbarrando em mim.
Muitas vezes é tão grande,
que não sei por onde devo estar.
NADAVERISMO
O centro do universo era a minha casa
e o átomo menor
era o botão de osso da minha
camisa azul.
Havia menor ainda,
dois furinhos do meu botão:
eu entrava por um
e saía por outro.
Certa vez, ao entrar numa dessas cavidades,
eu encontrei o meu umbigo.
Só não descobri
o quanto eu deixei de viver.
UM ENORME ICEBERG
Um enorme iceberg
dentro do meu corpo de cuba
gelava a parte da Coca
esquentava a parte da pinga.
Bebi o cuba
não vi o bloco de gele na minha rota
e naufraguei no sofá da sala.
PREMONIÇÕES DE PRIMAVERA
Ela sempre — para devolvê-lo ao fundo do poço
— lhe punha o dedo em sua
ferida, sempre. Até que mais um dia
acabou infectada.
VOCÊS QUE SE AMONOAM PELOS ESTÁDIOS
Vocês que se amontoam pelo estádio,
que se embalaram nos templos,
pagando pelos pecados do Vaticano.
Vocês que se acorrentam às Tevês<
que desfilam coloridos todos os anos,
todos os que fazem macumbas,
os que se entorpecem.
Enfim, a todos os que não querem enxergar
a realidade, só uma perguntinha<
vocês têm mãe?
Não morra
no trevo,
não fique
nas trevas.
Atreva-se.
Página publicada em junho de 2010.
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