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ANTONIO CARLOS FLORIANO

Poeta, de Itajaí, SC. Autor do livro “Um Cavalo para Eduardo”, com ilustrações de Márcia C.   A seguir, poemas extraídos do SUPLEMENTO CULTURAL DE SANTA CATARINA 81, Fev. 2014.

 

RECRIANDO ARY NAGEL

sopro de um cuspe em jejum
lava minhas feridas
passo um pano e ateio fogo no braço
língua de aço na dor

palavra torcida no ferro da bigorna
na veia saltada do braço do ferrador de cavalos
de rudeza cruel e seus olhos de sangue

esses eram eu
da mesma comida comíamos
é dividíamos quartos alugados
homens duros e devotos

eu me pergunto
qual dos dias tenho lembranças
qual estivador ou calafate eram realmente eu?

sempre que o outono desembarca nesse medrado de cais
surge a palavra impertinente
na boca das primeiras prostitutas a bordo

seria imperfeito trazê-las
presas nas tatuagens dos marujos
embarcados famintos de saliva quente

essas memórias salvam os suicidas
os alcoólatras irrecuperáveis
os maconheiros os putos os cheiradores

plantados no vento do cais do porto
longe da política pública de cargos e verbas
longe da infâmia e do conforto
erguem levantes a porrada

cuido de mim quando posso
a surdez parcial me assombra

 

LIÇÃO DE PRIMEIROS SOCORROS

aperte sua garganta
até que cuspa
venenos das palavras roxas

quanto aos olhos cianóticos
o sangramento da poesia
deixa mesmo ramificações vermelhas

ao fazer respiração boca a boca
tente traduzir
segredos de sua língua

medo de ver o que realmente fui
cantor embarcado estivador calafate

 

TUBARÕES SOBRE CABEÇAS

 

no aquário de shinagawa

tubarões nadavam sobre minha cabeça

 

aproveitava o pouco de um dia

quando tinha um dia para respirar um pouco

 

e o que fazia além de respirar?

 

somente um morto teria melhores histórias

caminhando por tóquio em shinagawa

 

onde scorts fingiam gueixas

homens de negócios douravam rolex

 

onde tailandesas eram estrangeiras dentro do oriente

adoravam o desenho de meus olhos

 

me serviram pratos desenhados do sião

seus corpos minguados  

 

a tarde em shinagawa minguava de ausências

os tubarões passeavam sobre minha cabeça

 


BABEL poética.  fronteiras  Ano 1, no. 3 – junho/julho de 2011. Tradução e Crítica.    Editor Ademir Ademir Demarchi.  Santos, SP:   ISBN 2179-3662.  Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 


       
MANHÃ

      
Essa manhã passei em Tóquio
      Manhã em que um vento frio
      Come o outubro
      E o mundo reorganiza suas enormes digitais
      Deus deve estará rindo
      De minha inútil matéria
      De quanto tempo perco
      Espionando essas pessoas
      Talvez até hoje espere um aceno
      Na estação de trem
      Um aceno de ninguém
      Esse amontoado de olhos
      A consumir as janelas
      Dos expressos silenciosos
      A caminho da manhã
      Partem como a primavera
      E ainda fico à espera
      De uma pequena palavra
      Um desejo de bom dia
      A hora passa na manhã vazia


       
PEDRA-PÃO

        
Sobre o asfalto molhado
         Diviso o mar
         Na chuva da tarde
         O mesmo momento
         Em que ficava lançando
         Barcos de papel na água
         A tinta a óleo da nossa velha casa de madeira
         Formava mosaicos como doença de pele
         Meu pai se foi na distância
         A mãe disse
         Que Deus faça de pedra pão
         Estamos tão tristes no Japão

 

   *

página ampliada e republicada em março de 2024

      

 

 

 

 

 

Página publicada em maio de 2014

 


 

 

 
 
 
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