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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



ALCIDES BUSS

Nasceu na localidade de Ribeirão Grande, atual município de Salete, no Alto Vale do Itajaí, em 1948. Professor de Teoria Literária da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e diretor  da EdUFSC. Organizou oficinas literárias e o varal  literária com o objetivo de levar o texto ao público e promover a criação literária, projetos de grande impacto cultural.

Obras publicadas: Círculo quadrado, Joinville, edição do autor,1970;  O bolso ou a vida, Florianópolis, DCE/UFSC, 1971;  Ahsim, Florianópolis, editora Lunardelli, 1976;

O homem e a mulher, Joinville, edição do autor, 1980; O homem sem o homem, Florianópolis, editora Noa Noa, 1982; Sete pavios no ar, Florianópolis, Edições Sanfona, 1985; ' Transação, Florianópolis, M. A.L. Edições, 1988; Natural, afetivo,frágil, Florianópolis, Edições Athanor, 1992; Nenhum milagre, Florianópolis, editora Letras Contemporâneas, 1993; Sinais/Sentidos, Florianópolis, M. A.L. Edições, 1995; Cinza de Fênix e três elegias, Florianópolis, editora Insular, 1999; Contemplação do amor trinta anos de.poesia escolhida. FlorianQpoli.â,Editora da UfSC, 2002; Cadernos da Noite, M.A.L. Edições, 2004
 

“Olhar a vida acentua todas as qualidades já evidenciadas nestas décadas de atuação e produção poética de Alcides Buss. Especialmente, sua integridade e coerência. Alcides Buss é íntegro: o poeta, o animador e agitador literário, o editor e dirigente cultural, o professor; são sempre a mesma pessoa, com uma atuação marcante na cena contemporânea brasileira nas últimas décadas, sempre em favor da palavra poética.”  CLÁUDIO WILLER

 "Meus aplausos à sua poesia, uma das mais belas e fortes do nosso país e da nossa língua." LÊDO IVO

“Eis um poeta cuja limpidez discursiva não transforma a elipse, o verso curto, em esconderijo retórico de uma possível anemia existencial; em sua obra, ao contrário, o metro conciso parece operar como dique de controle a uma voragem da vida. Buss é um poeta culto em que a cultura não pesa, nem se transforma em fala vedada aos não-iniciados. Nele, é sensível o apego à matéria do mundo, em sua misteriosa e complexa simplicidade.”  ANTONIO CARLOS SECCHIN 


TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL

Veja também: Poesia visual

AEROPLANO 2. Poesía e arte.  Editor: Helvio Lima.  Ilustrações: “Coreto” aquarelas de
Helvio              Lima. 
Uberlândia, MG: s.d. 20 p.  14 x 14 cm.   No. 09 997

 

 

 

 

 

BUSS, AlcidesViver (não) é tudo. Diário da perseverança.  Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2015.  156 p.  16x23 xm.  Capa: Maria Lúcia Iaczinski.   ISBN 978-85-62920-08-0   Ex. bibl. Antonio Miranda 

 

XIII

Um outro mundo é possível?

Talvez não. Talvez sim.

         Se fóssil;
         se míssil;
         se música.

Se mudarmos o que somos.

 

XLVI

Na natureza não há férias
nem feriados.
Não há sábados nem domingos.

Há o dia e a noite.
Há os ciclos da lua,
do sol,
dos astros.

Já não somos naturais.
Navegamos, cegamente, na simetria
dos calendários.

E dentro de nós
revestimos com palavras
o ovário múltiplo
            do ócio.

        

LXVII

Teus contornos de luz
desafiam meu bom-senso.

Alastram-se em meus passos
e transformam meu sentir
num emaranhado de signos.

Detenho-me às vezes nos caminhos
por onde vou.

 

BUSS, Alcides.  Janela para o mar.  Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2012.  128 p. Capa: Maria Lucia Iaczindki.  14x22,5 cm.   ISBN 978-85-62920-04-2  Col. A.M. 

 

 

AFEITO À SORTE

 

Circunscrevem-me acasos

que me vêem.

Seu intento, sou.

E também seu logro.

 

Numa praia, à meia-noite,

o tempo no corpo

armazenado se apodera

dos processos sob a alma.

 

Renascer, renasço.

Mas a flâmula de afrontas

me submete à cicatriz

do caos, ao recorte

de martírios e recessos.

 

Movimento-me, imóvel.

O porto do meu corpo

está aberto. Ao não-ser

me nego, mesmo que

de tudo só me reste

quase nada.

 

 

BIOGRÁFICO

 

A abundância de ser
me fecunda
ao íntimo enleio ao A
    mar.

 

Em naus transubmersas

me calo, como se a-

     mar

soubessem os ossos.

 

Envolto de sons

me deixo fluir neste a-

      mar

sem fronteiras.

 

Ah, fosse a música

o caos que me adentra

 

o sentido - A

   mar:

arremate de todos

   os bens.

 

 

Alcides Buss

De
Alcides Buss
Natural. Afetivo. Frágil.
 Ilus. Rodrigo de Haro.  Florianópolis: Editora  Athanor,  1992.
 (Série Poetas Brasileiros)
Inclui 3 livros em um envelope de cartão, cada um com um breve poema.

Rodrigo de Haro é um artista renomado e reconhecido dentro e fora de Santa Catarina e Alcides Buss é um dos nomes mais prestigiosos da nova poesia brasileira. Resultado: Uma bela edição de arte, sem menção do número de exemplares.   A. M.

A seguir três fragmentos do primeiro livro (que se aproximam do que entre nós, livremente, se intitula haikai, embora os tercetos formem um conjunto homogêneo): "Natural" e uma das ilustrações.

BUSS, Alcides. Natural. Afetivo. Frágil. Ilus. Rodrigo de Haro. Florianópolis: Editora Athanor, 1992. (Série Poetas Brasileiros) Inclui 3 livros em um envelope de cartão. Col. A. M. (EE)

          HAICAIS:

* 

A flor, florescida,
lá dentro do ser, tremula
a flor incutida.

*
Fim de entardecer
— um pássaro apressado
cruza o horizonte.

*

A noite estrelada:
estrala a língua a menina,
olhando encantada.


===========================

Alcides Buss

De
Alcides Buss
CADERNOS DA NOITE.  2a. ed.
Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2010.
120 p.   ISBN978-85-629-2001-1

 

Amor, te redimo

Destroços do amor
rebuscam as formas
passadas.  Em cada
momento vivido,
um rio se permite
sonhar.  Mas nada
de fato ao que era
retorna — deriva,
tão só.  Viver é
rever — turvar-se.
De si trespassado,
o corpo deságua
no caos.  Desfeito,
compõe o que foi
bem antes de ser.

 

Descobrimentos

Amantes fortuitos
florescem nos lábios.
       Libélulas dóceis,
engendram o beijo
de breves liames.

À visa do sonho,
atendem à face incontida
do corpo.

Transformam
imagens em névoas
sob o frágil abrigo
dos olhos.
 

 

 

SABER NÃO SABER


 De
Alcides Buss
SABER NÃO SABER
Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2009
ISBN  978-85-62-920-00-4

 

Alcides Buss escreveu este livro pensando no público adolescente. Acho que acertou. Os editores ficaram perplexos. Os textos parecem simples, mas são complexos, abertos a interpretações, não são fechados. Parecem escorregadios mas, no fundo, são é reflexivos, desdobráveis. Inomináveis em sua dualidade.  Ele não trata os jovens como desprovidos de imaginação e reflexão. Talvez por isso mesmo esses textos interessam também aos adultos.
Antonio Miranda

I
Sabemos um pouco
de tudo. Por exemplo,
que a Terra baila
no espaço. Não sabemos,
porém da inspiração
que permeia os pássaros.

Sabemos que dois e dois
são quatro. Não sabemos,
entanto, em que lugar
do corpo se esconde
o que quase somos.

 

VII
Sabemos de sementes,
planetas à espera
de um sulco, de uma voz
— em órbitas de lábios
                            transparentes.

Não sabemos, porém,
dos labirintos do sopro
que, dentro delas,
engraVIDA
                   o silêncio.

IX
Sabemos que cães
não são gatos, nem canários
são pintassilgos.
Não sabemos, no entanto,
porque de seus olhos
emanam esses cristais
onde nos vemos todos
no fundo tão iguais e
necessários uns aos outros.

XI
Sabemos de onde vem
o silvo da serpente
na memória.
Não sabemos, porém,
pra onde vai
essa
que nos devora.


POEMAS EXTRAÍDOS DE

OLHAR A VIDA

(Florianópolis: Insular, 2007)

 

PROVISÕES

 

Em minhas mãos detenho

objetos infundados do futuro.

Amoldo-os ao íntimo querer

necessitado.

Lentamente dou a eles

um código secreto.

Depois, deixo-os

partir para o mundo

inexistente. Comigo sei

que um dia ganharão,

de alguém, os nomes.

E, quem sabe, servirão

pra vida.

 

 

AMOR PRÓPRIO

 

Perversos ensejos transitam

no tempo. De nada sabemos.

 

À cata de escassas migalhas

de sonhos, corremos o risco

de, o pouco que temos, perder:

 

Sem riscos, porém,

que graça há em viver?

 

Por sobre o aparente descaso

da sorte, germinam, copiosas,

as flores do absurdo.

 

 

PERCEPÇÃO, NEM ISSO

 

A noite perpassa

o riso encoberto.

No fundo do corpo,

a sobra de luz

ainda organiza

um frágil desejo:

rever os adornos

de certos caprichos.

Mais nada, depois.

Solene silêncio,

as formas do nada

retomam o poder

(que nunca perderam)

e põem-se a reinar;

como se tudo tão-só

existisse pra elas.

 

 

MOTIVO DE MENOS

 

Tudo o que vemos

começa e finda.

As árvores caminham,

lentamente, para a sombra.

Os peixes multiplicam-se

no oco da memória.

Entre tantos e diversos

viventes de passagem,

borboletas transformam-se

em mudas litanias.

Do início ao fim,

tudo é assim

e bem sabemos

nos neurônios sôfregos.

Mas por que esta cena,

dois pássaros mortos

no mesmo lugar;

nesta mesma hora,

estendidos no chão

sob o silêncio da forma?

 

 

PÓS-MODERNO

 

O que falta dizer

depois do adeus?

 

A alma, qual roseira

no deserto, reconhece

a algema de sal

que prende o algoz

a si próprio.

 

Um resíduo de luz

assinala um desejo,

a flâmula dum erro,

um frêmito

nas cordas vocais.

 

Eu, tu, nós:

rumamos para onde menos dói

estar na esteira dos fatos.

 

Se pudéssemos, lentamente

deixaríamos tudo como era

e lembraríamos as coisas

como quem adormece.

 

 

LEALDADE

 

                               Tropeço no banco interior:

                               à  deriva do acerto, me guio

por outros incertos caminhos.

O acaso me é o consolo.

Se nada te dizem as palavarfas,

tampouco me digo

 o que devo pensar. Tão-só,

a cada minuto, inauguro

um novo sentido à margem

das coisas e seus conteúdos.

     Nada mais quero que isto:

morrer nos signos em curso,

depois nascer como quem

apenas passeia

na própria insignificância.

 

 

ASSIM E DOUTRAS FORMAS

 

O murmúrio da vontade

infunde-se na alma sensual

da noite.  O caos,

que em tudo impera,

adquire um rosto, tão factível

que despótico, sob o manto

de suspeitas. Pouco a pouco

se organiza e já transpõe

a cena inominável

que antecede a cópula divina.

É assim, e de outras formas,

que os seres incriados

intrometem-se no mundo,

confundindo-se com diabos.

 

 

ENCRUZILHADA

 

Sou agora refém

de razões encobertas.

Meu todo vacila.

 

Atrás e adiante

verdades insuflam

o viés do presente.

 

Que faço de mim?

Me dou ao semblante

que, mudo, me estranha?

 

Me faço suspeito

de antigo começo,

de falas sem nexo?

 

Vontade e inércia

me atam e desatam.

Que faço de mim?

 

 

TESTAMENTO

 

Sou de carne, de osso

e de nuvens. Exponho-me

aos ventos. Se meu ser

falhar; darei as sobras

de mim ao deserto

dum  único amor.

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O NOME DA VIDA

 

O silêncio fala:

notai a palavra

da boca calada.

 

Uma voz se alça

abrindo o caminho,

unindo o disperso.

 

Atentos, notai

a marcha daqueles

que buscam o dia.

 

Em silêncio avançam

em torno da luz

que brota no peito.

 

Oh, nada dirão,

mas claro sentido

virá da vontade

 

em forma de flor

ou feito um tufão,

em nome da vida.

 

 

INCUMBÊNCIA

 

Descubro meu ser

distante da voz que ordena

e faz, do homem,

sapatos, suor e cansaço.

 

Descubro-me longe

das leis e mais leis

nascidas por graça dos fortes;

dos mitos plantados

à porta das casas, dos olhos,

das bocas.

 

Des-

         cubro-me perto de mim,

do centro vital que palpita,

do núcleo que é claro

e humano.

 

         Cubro-me

de poucos sentidos

e vasto silêncio: feto

dos anos dois mil.

 

            (Transação, 1994) 

 

 

PROFANAÇÃO

 

Dois sentimentos distantes,

dois sentimentos do ano 1871

sobrevivem

e neste momento se encontram.

 

Um, é uma sentimento de morte;

o outro, um sentimento de vida.

 

A face de ambos se mantém

escondida, mas ambas as faces vibram

neste cair de dia

e eu as sinto

como se fossem  minhas.

 

Lentamente me figuro

— desfiguro: cachorros

se revestem de rochedos; pássaros

se transformam em sons; palmeiras

se desfazem em vento.

 

Indevidamente mergulho

na imanência

de alheios fins.

 

 

 REDONDILHA

 

Em cápsulas frias,

incrédulos seres

percorrem as ruas.

 

Divertem-se em ver

no abismo dos outros

a própria aventura.

 

Os outros são eles!

O duplo tramita

na face vazia.

 

O ser e o não-ser

dividem a mesma

carcaça do dia.

 

Mil vezes a vida

começa, mil vezes

a vida termina.

 

Incrédulos seres,

permitem-se crer

que tudo é mentira.

 

A imagem do corpo

Mergulha no sonho.

O mundo imagina.

 

            (Sinais, 1995)

 

 

De
Contemplação do Amor

30 anos de poesia escolhida

Florianópolis: Editora da UFSC, 2002

 

O ciclista

                    A Afonso Imhof

I

Em sua montaria
o ciclista pedala
a fantasia.

Do seu corpo a energia
passa às rodas,
da mente corre às mãos
a direção.

O vento roça a pele
mas é como se o ciclista o rasgasse
sempre,
para entrar
no seu sumo bom.
E toca e corre!
Mergulhos de alegria,
as curvas beiram o coração.

 No pedal está o pé.
No guidão está a mão.
O homem unido à bicicleta
leva o ser em transição.

Chegando ao seu destino,
o ciclista chega ao fim.
É como se as rodas se rompessem,
o corpo se partisse...
Mas, do ciclista sai um homem
para outra iniciação.

II

Mentira, mentira!
O ciclista não pedala;
ao contrário, é pedalado.

 A engrenagem em que assenta
determina-lhe o fado.
Sua rota está traçada

e o seu tempo demarcado.
E o seu destino é o trabalho
obrigatório, renovado.

 O ciclista não pedala
— é pedalado.

 Seu salário é menor
do que o seu mês.
O resto, ao contrário,
é maior que o seu poder.

 

Tristemente, o ciclista
é pedalado, pedalado.

 

Em sua boca, o beijo
já morreu. E se a cabeça
alienada vive, a engrenagem
do ciclismo
não consegue ver.

Um 

Há um      princípio de fim
      no r     omper do dia;

há um pr      incípio de fim
     no cheg    ar da onda;

há um princ      ípio de fim
      no cair d        a noite.

 

     Há um findar     -se
       saindo do cé      u;

    há um findar-se
  volvendo no mar;

    há um findar-se
  entrando na terra.

 

Há um princípio de fim
   na voz das pessoas;

          há em tudo
   o jaguar do batismo;

   um viés
                — precipício.

 

 Sentimento da metrópole

O mundo está em chamas
e eu o vejo
porque queima.

Aproximo-me do fogo
sob a força que irradia.
Já sou pouco, já sou nada;
sou a noite e, enfim,
o dia.

De meu íntimo retrato
componho, impossível
de ouvir-se, um único grito:
que ressoa
na imensa ruína.

Ninguém está comigo
e já nem eu estou em mim.

 

 

 

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TEXTOS EN ESPAÑOL

 

Extraídos de

ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA

Org. e trad. de Xosé Lois García

Santiago de Compostela: Laiovento, 2001.

ISBN 84-8487-001-4

 

EL NOMBRE DE LA VIDA

 

El silencio habla:

notad la palabra

de la boca callada.

 

Se alza una voz

abriendo el camino,

uniendo lo disperso.

 

Atentos, notad

la marcha de aquellos

que buscan el día.

 

En silencio avanzan

en torno a la luz

que brota del pecho.

 

Oh, no dirán nada,

pero un claro sentido

vendrá de la voluntad

 

en forma de flor

o hecho un tifón

en nombre de la vida.

 

 

INCUMBENCIA

 

Descubro mi ser

distante de la voz que ordena

y hace, del hombre,

zapatos, sudor y cansancio.

 

Me descubro lejos

de las leyes y más leyes

creadas gracias a las fuentes;

de los mitos plantados

a la puerta de las casas, de los ojos,

de las bocas.

 

Me descubro cerca de mí,

del centro vital que palpita,

del núcleo vital que palpita,

del núcleo que es claro

y humano.

 

         Me cubro

de pocos sentidos

y vasto silencio: feto

de los años dos mil.

 

            (Transação, 1994)

 

 

PROFANACIÓN

 

Dos sentimientos distantes,

dos sentimientos del año 1871

sobreviven

y en este momento se encuentran.

 

Uno, es un sentimiento de muerte;

el outro, un sentimiento de vida.

 

La faz de ambos se mantiene

escondidas, pero ambas faces vibran

en este caer del día

y yo las siento

como si fuesen mías.

 

Lentamente me figuro

Desfiguro: cachorros

se revisten de peñascos; pájaros

se transforman en sones; palmeras

se deshacen en viento.

 

Indebidamente buceo

en la inmanencia

de fines ajenos.

 

 

REDONDILLA

 

En cápsulas frias,

incrédulos seres

recorren las calles.

 

Se divierten al ver

en el abismo de los otros

la própria aventura.

 

¡Los otros son ellos!

Lo doble camina

por la faz vacía.

 

El ser y el no ser

dividen la misma

carcasa del día.

 

Mil veces la vida

comienza, mil veces

la vida termina.

 

Incrédulos seres,

se permiten creer

que todo es mentira.

 

La imagen del cuerpo

se sumerge en el sueño.

El mundo se imagina.

 

            (Sinais, 1995)

 

 

 

ILHÍADA. UMA TREZENA LÍRICA.  Tradução – traducción Pedro Port e Arturo Terrizzano.  Florianópolis: Editora Athanor, 1994.  127 p.   Capa e projeto gráfico: Idésio Leal e Fábio Brüggemann.  Apoio cultura da Fundação Franklin Cascaes-  Prefeitura Municipal de Florianópolis.  Col. A.M. (EA)

 

 

O POETA E A CIDADE

 

Nenhum desejo persiste

à sombra das ausências.

Pouco a pouco retiram-se

os últimos centauros

do jardim. Permanece

o incriado, o indizível.

 

A cidade farta-se de si.

Tudo isto, porém, é

fantasia. A verdade mesma

ali está, indiferente e muda.

Uma chuva fria e fina

toma o dia cinza.

 

Tão frívola sentença

nem merece algum registro.

O poeta recua à sombra

do não-dito. A verdade

que se diga!

 

 

EL POETA Y LA CIUDAD

 

Ningún deseo persiste

a la sombra de las ausencias

Poco a poco se retiran

los últimos centauros

dei jardín. Permanece

lo no creado, lo indecible.

 

La ciudad se harta de sí.

Todo esto, sin embargo, es

fantasía. La verdad misma

allí está, indiferente y muda.

Una lluvia fría y fina

torna gris el día.

 

Tan frívola sentencia

no merece registro.

El poeta vuelve nada la sombra

de lo no dicho. La verdad

                    que se diga!

 

 

EM SILÊNCIO                                      

 

Em silêncio

pesquiso meus limites.

Arrisco-me, em nome

do desejo de viver.

 

Aqui ao lado

um tamarindo se embriaga

de murmúrios.

 

Mais além um pessegueiro

se desfaz

imperceptível.

 

Estou em pandarecos,

mas respiro.

Em cada parte do meu ser

carrego um monte de saudade.

E nos lábios

um beijo nunca dado.

 

À margem deste instante

detenho-me nas sombras

do futuro. Quase

alcanço o que não sou.

 

 

 

EN SILENCIO

 

En silencio

busco mis límites.

Me arriesgo en nombre

del deseo de vivir.

 

Aquí al lado

un tamarindo se emborracha

de murmullos.

 

Más allá un duraznero

se deshace

ímperceptible.

 

Estoy en pedazos,

pero respiro.

En cada parte de mi ser

llevo gran nostalgia.

Y en los labios

un beso nunca dado.

 

Al margem de ese instante

me detengo en las sombras

del futuro. Casi

alcanzo lo que no soy.

 

 

 

II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA – Poemário. Org. Menezes y Morais.  Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, 2011.  s.p.  Ex. único.

 

Cabe ressaltar: a II BIP – Bienal Internacional de Poesia era para ter sido celebrada para comemorar o cinquentenário de Brasília, mas Governo do Distrito Federal impediu a sua realização. Mas decidimos divulgar os textos pela internet.

 

 

Metáfora

 

Eu sei: metáforas
escondem o mundo.
Escondem a metade
do mundo.

A outra metade
esconde
a metáfora.

É assim que se vê,
de uma
e outra metade,
a parte que as une

e, sem que se possa ver,
a parte de cada um
que está em toda parte.

 

Mas o que é poesia

 

Poesia não é linguagem.
Poesia é vida!

Poesia é vida
que se faz linguagem.

A linguagem
é a língua em viagem
de nada e tudo.

Ao poeta cabe
fazê-la entrar nos arquivos
múltiplos
de que é feito o mundo.

O leitor, porém,
é quem dá sabor e rumo
ao que faz do verso

o elo de uns e outros.

Idades de ser feliz

 

Se você tem 15 anos,
não esqueça: esta é a melhor

                      idade!

 

Dos 15 aos 30, tudo é
                         ainda
propício à felicidade.

Ao fazer 40, pense nisto:
      cheguei à metade da vida
      mas tenho outra metade
      pela frente.

Depois dos 50, leve
em conta: na realidade
      o que importa
      é cada instante!

 

 

                               A razão dos retratos

 

Os retratos na parede
me pedem, insistentes,
que converse com eles.

Sem pressa, escuto-os.
Um a um, me contam
o que já sei. Mas
é como se os ouvisse
pela primeira vez.

O que digo a eles,
sequer escutam.
Se ouvissem, porém,
arcariam seus olhos
em louvor a tudo
que já deixamos de ser.

Os retratos querem
que alguém os ouça.
Não fossem ouvidos,
que razão haveria
em se os ter, ali,
dia após dia?


 

DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA.         ANO XX – No. 30.  Editor  Bilharino.   Capa; Visual de Gabriele -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil:  2000.  200 p.   No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p.   Ex. biblioteca de Antonio Miranda




LINGUAGEM

 

OÁSIS:
sol
na ponta do lápis.

Poema:
manhã à derive
nos lábios.

Neblinas da voz
— os pilares da frase
no acaso.


BUSS, Alcides. A Culpa Está Morta e outros poemas.      Capa : Mario Lúcio Iaczinsk.         Florianópolis: Caminho de Dentro, 2022.  128 p.  ISBN: 978-62920-15-8    Ex. biblioteca de Antonio Miranda

 

Difícil destacar poemas. Prefiro então apontar versos expressivos, como os que se encontram em “Inspiração”, quando Alcides, em subterrâneo diálogo com Fernando Pessoa, diz que a inspiração “vem de não saber o que sabe / o coração.”  Afonso Henriques Neto, na
apresentação do livro.
 

 

                INSPIRAÇÃO

               
De onde vem — me perguntam
             a inspiração?

             Vem do fundo do fosso
             da solidão.

             Vem de não saber o que sabe
             o coração.

             Vem de ver o que vai
             na bolha em que o mundo
             refém se faz de ser mundo.

             Vem do céu curvado na boca;
             da imolação
             do prazer na gota de sangue.

           Vem do adeus que dói
           em profusão
           nos que chegam sem trazer
           o que amam.

           Vem do grito dos que partem
           em silêncio
           pra não acordar os que sonham.

           Vem do latido de um cão
           que atravessa a noite
           à procura do lugar
           em que se perdeu
           do próprio sentido.

           Vem de arcar com tudo
           o que entra no corpo
           pelos olhos, ouvidos e poros.

           Vem de abrir a arca
           escondida na língua.

            Vem de atar e desatar
            os elos do gigante cordão
            imemorial
            pelo qual sorvemos
            essa parte igual
            do que somos diferentes.   
            



               
AS ÁRVORES E EU

            
As árvores fortes me fortalecem.
             Em ruinas, me põem à míngua,
             em escombros de toda sorte.

             As árvores verdes me enlaçam
             à campina da auto-estima.
             As árvores mortas me atam
             ao lastro de outras mortes.

             Floridas, as árvores me acendem
             em floresta incontida.
             Porém, abatidas me estiram
             em esvaída escultura.

             No apogeu das frutas, as árvores
             me rendem ao exímio escrutínio
             da vida — a vida dentro da vida.

            Tolhidas de serem árvores
            em todo ciclo e sentido,
            me arrastam à penumbra
            em que apenas consigo vê-las
            sem minhas próprias ruinas.

 

               

             O TEMPO DA ESCRITA

           
 Ai que saudades eu tenho
             das cartas que recebia.

             Era carta todo dia!
             Umas traziam o fim do mundo,
             Outras, as flores da estação.
             Abrí-las era como derramar a luz
             de velhas e novas alegrias.

             Ai que saudades eu tenho.

             Agora só chegam palavras
             apressadas
             do vai-e-vem cotidiano.
            
             Envelope, selos, carimbos,
             o cheirinho de papel
             — tudo é passado.

             De catador de frases bonitas
             virei um internauta.

             Se é noite, se é dia,
             se chove ou se faz sol,
             é só olhar no aparelhinho
             com tela de cristal.
 
             Ai que saudade das cartas
             que traziam de volta
             a esperança que eu perdia.

 

              RECEITA PARA POEMA SOBRE NADA

             
Pra fazer um poema
                                           sobre nada
              retire tudo de lugar
              e, depois, retire
                                     o luar de tudo.

              Esvaziado então
              o entorno do estar,
              apague o retirar,
              aquilo que sobrou
              qual risco no ex-tudo.

              Retorne ao casulo
              ou tempo anterior
              que lhe vai no íntimo
              do que se foi.

              Desfaça-se, aí,
              do que nesse vai-vem
              ainda persiste:
              o eco, talvez,
              de uma última vez!

 

 

       Para finalizar, uns versos do longo poema
       “A CULPA ESTÁ MORTA”
   
                   Não tem culpa o leitor
                   do copo de cólera
                   entornado na cópia dos signos
                   impúberes — esses rios vaginais.


  *
 
Página ampliada e republicada em abril de 2024.

 

Página ampliada e republicada em abril de 2009; republicada em janeiro de 2010. Ampliada e republicada em 2012. Ampliada em julho de 2017. Ampliada e republicada em abril 2019.

 



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