ALCIDES BUSS
Nasceu na localidade de Ribeirão Grande, atual município de Salete, no Alto Vale do Itajaí, em 1948. Professor de Teoria Literária da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC e diretor da EdUFSC. Organizou oficinas literárias e o varal literária com o objetivo de levar o texto ao público e promover a criação literária, projetos de grande impacto cultural.
Obras publicadas: Círculo quadrado, Joinville, edição do autor,1970; O bolso ou a vida, Florianópolis, DCE/UFSC, 1971; Ahsim, Florianópolis, editora Lunardelli, 1976;
O homem e a mulher, Joinville, edição do autor, 1980; O homem sem o homem, Florianópolis, editora Noa Noa, 1982; Sete pavios no ar, Florianópolis, Edições Sanfona, 1985; ' Transação, Florianópolis, M. A.L. Edições, 1988; Natural, afetivo,frágil, Florianópolis, Edições Athanor, 1992; Nenhum milagre, Florianópolis, editora Letras Contemporâneas, 1993; Sinais/Sentidos, Florianópolis, M. A.L. Edições, 1995; Cinza de Fênix e três elegias, Florianópolis, editora Insular, 1999; Contemplação do amor – trinta anos de.poesia escolhida. FlorianQpoli.â,Editora da UfSC, 2002; Cadernos da Noite, M.A.L. Edições, 2004
“Olhar a vida acentua todas as qualidades já evidenciadas nestas décadas de atuação e produção poética de Alcides Buss. Especialmente, sua integridade e coerência. Alcides Buss é íntegro: o poeta, o animador e agitador literário, o editor e dirigente cultural, o professor; são sempre a mesma pessoa, com uma atuação marcante na cena contemporânea brasileira nas últimas décadas, sempre em favor da palavra poética.” CLÁUDIO WILLER
"Meus aplausos à sua poesia, uma das mais belas e fortes do nosso país e da nossa língua." LÊDO IVO
“Eis um poeta cuja limpidez discursiva não transforma a elipse, o verso curto, em esconderijo retórico de uma possível anemia existencial; em sua obra, ao contrário, o metro conciso parece operar como dique de controle a uma voragem da vida. Buss é um poeta culto em que a cultura não pesa, nem se transforma em fala vedada aos não-iniciados. Nele, é sensível o apego à matéria do mundo, em sua misteriosa e complexa simplicidade.” ANTONIO CARLOS SECCHIN
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL
Veja também: Poesia visual
AEROPLANO 2. Poesía e arte. Editor: Helvio Lima. Ilustrações: “Coreto” aquarelas de
Helvio Lima. Uberlândia, MG: s.d. 20 p. 14 x 14 cm. No. 09 997
BUSS, Alcides. Viver (não) é tudo. Diário da perseverança. Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2015. 156 p. 16x23 xm. Capa: Maria Lúcia Iaczinski. ISBN 978-85-62920-08-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
XIII
Um outro mundo é possível?
Talvez não. Talvez sim.
Se fóssil;
se míssil;
se música.
Se mudarmos o que somos.
XLVI
Na natureza não há férias
nem feriados.
Não há sábados nem domingos.
Há o dia e a noite.
Há os ciclos da lua,
do sol,
dos astros.
Já não somos naturais.
Navegamos, cegamente, na simetria
dos calendários.
E dentro de nós
revestimos com palavras
o ovário múltiplo
do ócio.
LXVII
Teus contornos de luz
desafiam meu bom-senso.
Alastram-se em meus passos
e transformam meu sentir
num emaranhado de signos.
Detenho-me às vezes nos caminhos
por onde vou.
BUSS, Alcides. Janela para o mar. Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2012. 128 p. Capa: Maria Lucia Iaczindki. 14x22,5 cm. ISBN 978-85-62920-04-2 Col. A.M.
AFEITO À SORTE
Circunscrevem-me acasos
que me vêem.
Seu intento, sou.
E também seu logro.
Numa praia, à meia-noite,
o tempo no corpo
armazenado se apodera
dos processos sob a alma.
Renascer, renasço.
Mas a flâmula de afrontas
me submete à cicatriz
do caos, ao recorte
de martírios e recessos.
Movimento-me, imóvel.
O porto do meu corpo
está aberto. Ao não-ser
me nego, mesmo que
de tudo só me reste
quase nada.
BIOGRÁFICO
A abundância de ser
me fecunda
ao íntimo enleio ao A
mar.
Em naus transubmersas
me calo, como se a-
mar
soubessem os ossos.
Envolto de sons
me deixo fluir neste a-
mar
sem fronteiras.
Ah, fosse a música
o caos que me adentra
o sentido - A
mar:
arremate de todos
os bens.
De
Alcides Buss
Natural. Afetivo. Frágil.
Ilus. Rodrigo de Haro. Florianópolis: Editora Athanor, 1992.
(Série Poetas Brasileiros)
Inclui 3 livros em um envelope de cartão, cada um com um breve poema.
Rodrigo de Haro é um artista renomado e reconhecido dentro e fora de Santa Catarina e Alcides Buss é um dos nomes mais prestigiosos da nova poesia brasileira. Resultado: Uma bela edição de arte, sem menção do número de exemplares. A. M.
A seguir três fragmentos do primeiro livro (que se aproximam do que entre nós, livremente, se intitula haikai, embora os tercetos formem um conjunto homogêneo): "Natural" e uma das ilustrações.
BUSS, Alcides. Natural. Afetivo. Frágil. Ilus. Rodrigo de Haro. Florianópolis: Editora Athanor, 1992. (Série Poetas Brasileiros) Inclui 3 livros em um envelope de cartão. Col. A. M. (EE)
HAICAIS:
*
A flor, florescida,
lá dentro do ser, tremula
a flor incutida.
*
Fim de entardecer
— um pássaro apressado
cruza o horizonte.
*
A noite estrelada:
estrala a língua a menina,
olhando encantada.
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De
Alcides Buss
CADERNOS DA NOITE. 2a. ed.
Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2010.
120 p. ISBN978-85-629-2001-1
Amor, te redimo
Destroços do amor
rebuscam as formas
passadas. Em cada
momento vivido,
um rio se permite
sonhar. Mas nada
de fato ao que era
retorna — deriva,
tão só. Viver é
rever — turvar-se.
De si trespassado,
o corpo deságua
no caos. Desfeito,
compõe o que foi
bem antes de ser.
Descobrimentos
Amantes fortuitos
florescem nos lábios.
Libélulas dóceis,
engendram o beijo
de breves liames.
À visa do sonho,
atendem à face incontida
do corpo.
Transformam
imagens em névoas
sob o frágil abrigo
dos olhos.
De
Alcides Buss
SABER NÃO SABER
Florianópolis: Caminho de Dentro Edições, 2009
ISBN 978-85-62-920-00-4
Alcides Buss escreveu este livro pensando no público adolescente. Acho que acertou. Os editores ficaram perplexos. Os textos parecem simples, mas são complexos, abertos a interpretações, não são fechados. Parecem escorregadios mas, no fundo, são é reflexivos, desdobráveis. Inomináveis em sua dualidade. Ele não trata os jovens como desprovidos de imaginação e reflexão. Talvez por isso mesmo esses textos interessam também aos adultos.
Antonio Miranda
I
Sabemos um pouco
de tudo. Por exemplo,
que a Terra baila
no espaço. Não sabemos,
porém da inspiração
que permeia os pássaros.
Sabemos que dois e dois
são quatro. Não sabemos,
entanto, em que lugar
do corpo se esconde
o que quase somos.
VII
Sabemos de sementes,
planetas à espera
de um sulco, de uma voz
— em órbitas de lábios
transparentes.
Não sabemos, porém,
dos labirintos do sopro
que, dentro delas,
engraVIDA
o silêncio.
IX
Sabemos que cães
não são gatos, nem canários
são pintassilgos.
Não sabemos, no entanto,
porque de seus olhos
emanam esses cristais
onde nos vemos todos
no fundo tão iguais e
necessários uns aos outros.
XI
Sabemos de onde vem
o silvo da serpente
na memória.
Não sabemos, porém,
pra onde vai
essa
que nos devora.
POEMAS EXTRAÍDOS DE
OLHAR A VIDA
(Florianópolis: Insular, 2007)
PROVISÕES
Em minhas mãos detenho
objetos infundados do futuro.
Amoldo-os ao íntimo querer
necessitado.
Lentamente dou a eles
um código secreto.
Depois, deixo-os
partir para o mundo
inexistente. Comigo sei
que um dia ganharão,
de alguém, os nomes.
E, quem sabe, servirão
pra vida.
AMOR PRÓPRIO
Perversos ensejos transitam
no tempo. De nada sabemos.
À cata de escassas migalhas
de sonhos, corremos o risco
de, o pouco que temos, perder:
Sem riscos, porém,
que graça há em viver?
Por sobre o aparente descaso
da sorte, germinam, copiosas,
as flores do absurdo.
PERCEPÇÃO, NEM ISSO
A noite perpassa
o riso encoberto.
No fundo do corpo,
a sobra de luz
ainda organiza
um frágil desejo:
rever os adornos
de certos caprichos.
Mais nada, depois.
Solene silêncio,
as formas do nada
retomam o poder
(que nunca perderam)
e põem-se a reinar;
como se tudo tão-só
existisse pra elas.
MOTIVO DE MENOS
Tudo o que vemos
começa e finda.
As árvores caminham,
lentamente, para a sombra.
Os peixes multiplicam-se
no oco da memória.
Entre tantos e diversos
viventes de passagem,
borboletas transformam-se
em mudas litanias.
Do início ao fim,
tudo é assim
e bem sabemos
nos neurônios sôfregos.
Mas por que esta cena,
dois pássaros mortos
no mesmo lugar;
nesta mesma hora,
estendidos no chão
sob o silêncio da forma?
PÓS-MODERNO
O que falta dizer
depois do adeus?
A alma, qual roseira
no deserto, reconhece
a algema de sal
que prende o algoz
a si próprio.
Um resíduo de luz
assinala um desejo,
a flâmula dum erro,
um frêmito
nas cordas vocais.
Eu, tu, nós:
rumamos para onde menos dói
estar na esteira dos fatos.
Se pudéssemos, lentamente
deixaríamos tudo como era
e lembraríamos as coisas
como quem adormece.
LEALDADE
Tropeço no banco interior:
à deriva do acerto, me guio
por outros incertos caminhos.
O acaso me é o consolo.
Se nada te dizem as palavarfas,
tampouco me digo
o que devo pensar. Tão-só,
a cada minuto, inauguro
um novo sentido à margem
das coisas e seus conteúdos.
Nada mais quero que isto:
morrer nos signos em curso,
depois nascer como quem
apenas passeia
na própria insignificância.
ASSIM E DOUTRAS FORMAS
O murmúrio da vontade
infunde-se na alma sensual
da noite. O caos,
que em tudo impera,
adquire um rosto, tão factível
que despótico, sob o manto
de suspeitas. Pouco a pouco
se organiza e já transpõe
a cena inominável
que antecede a cópula divina.
É assim, e de outras formas,
que os seres incriados
intrometem-se no mundo,
confundindo-se com diabos.
ENCRUZILHADA
Sou agora refém
de razões encobertas.
Meu todo vacila.
Atrás e adiante
verdades insuflam
o viés do presente.
Que faço de mim?
Me dou ao semblante
que, mudo, me estranha?
Me faço suspeito
de antigo começo,
de falas sem nexo?
Vontade e inércia
me atam e desatam.
Que faço de mim?
TESTAMENTO
Sou de carne, de osso
e de nuvens. Exponho-me
aos ventos. Se meu ser
falhar; darei as sobras
de mim ao deserto
dum único amor.
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O NOME DA VIDA
O silêncio fala:
notai a palavra
da boca calada.
Uma voz se alça
abrindo o caminho,
unindo o disperso.
Atentos, notai
a marcha daqueles
que buscam o dia.
Em silêncio avançam
em torno da luz
que brota no peito.
Oh, nada dirão,
mas claro sentido
virá da vontade
em forma de flor
ou feito um tufão,
em nome da vida.
INCUMBÊNCIA
Descubro meu ser
distante da voz que ordena
e faz, do homem,
sapatos, suor e cansaço.
Descubro-me longe
das leis e mais leis
nascidas por graça dos fortes;
dos mitos plantados
à porta das casas, dos olhos,
das bocas.
Des-
cubro-me perto de mim,
do centro vital que palpita,
do núcleo que é claro
e humano.
Cubro-me
de poucos sentidos
e vasto silêncio: feto
dos anos dois mil.
(Transação, 1994)
PROFANAÇÃO
Dois sentimentos distantes,
dois sentimentos do ano 1871
sobrevivem
e neste momento se encontram.
Um, é uma sentimento de morte;
o outro, um sentimento de vida.
A face de ambos se mantém
escondida, mas ambas as faces vibram
neste cair de dia
e eu as sinto
como se fossem minhas.
Lentamente me figuro
— desfiguro: cachorros
se revestem de rochedos; pássaros
se transformam em sons; palmeiras
se desfazem em vento.
Indevidamente mergulho
na imanência
de alheios fins.
REDONDILHA
Em cápsulas frias,
incrédulos seres
percorrem as ruas.
Divertem-se em ver
no abismo dos outros
a própria aventura.
Os outros são eles!
O duplo tramita
na face vazia.
O ser e o não-ser
dividem a mesma
carcaça do dia.
Mil vezes a vida
começa, mil vezes
a vida termina.
Incrédulos seres,
permitem-se crer
que tudo é mentira.
A imagem do corpo
Mergulha no sonho.
O mundo imagina.
(Sinais, 1995)
De
Contemplação do Amor
30 anos de poesia escolhida
Florianópolis: Editora da UFSC, 2002
O ciclista
A Afonso Imhof
I
Em sua montaria
o ciclista pedala
a fantasia.
Do seu corpo a energia
passa às rodas,
da mente corre às mãos
a direção.
O vento roça a pele
mas é como se o ciclista o rasgasse
sempre,
para entrar
no seu sumo bom.
E toca e corre!
Mergulhos de alegria,
as curvas beiram o coração.
No pedal está o pé.
No guidão está a mão.
O homem unido à bicicleta
leva o ser em transição.
Chegando ao seu destino,
o ciclista chega ao fim.
É como se as rodas se rompessem,
o corpo se partisse...
Mas, do ciclista sai um homem
para outra iniciação.
II
Mentira, mentira!
O ciclista não pedala;
ao contrário, é pedalado.
A engrenagem em que assenta
determina-lhe o fado.
Sua rota está traçada
e o seu tempo demarcado.
E o seu destino é o trabalho
obrigatório, renovado.
O ciclista não pedala
— é pedalado.
Seu salário é menor
do que o seu mês.
O resto, ao contrário,
é maior que o seu poder.
Tristemente, o ciclista
é pedalado, pedalado.
Em sua boca, o beijo
já morreu. E se a cabeça
alienada vive, a engrenagem
do ciclismo
não consegue ver.
Um
Há um princípio de fim
no r omper do dia;
há um pr incípio de fim
no cheg ar da onda;
há um princ ípio de fim
no cair d a noite.
Há um findar -se
saindo do cé u;
há um findar-se
volvendo no mar;
há um findar-se
entrando na terra.
Há um princípio de fim
na voz das pessoas;
há em tudo
o jaguar do batismo;
um viés
— precipício.
Sentimento da metrópole
O mundo está em chamas
e eu o vejo
porque queima.
Aproximo-me do fogo
sob a força que irradia.
Já sou pouco, já sou nada;
sou a noite e, enfim,
o dia.
De meu íntimo retrato
componho, impossível
de ouvir-se, um único grito:
que ressoa
na imensa ruína.
Ninguém está comigo
e já nem eu estou em mim.
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TEXTOS EN ESPAÑOL
Extraídos de
ANTOLOGÍA DE LA POESÍA BRASILEÑA
Org. e trad. de Xosé Lois García
Santiago de Compostela: Laiovento, 2001.
ISBN 84-8487-001-4
EL NOMBRE DE LA VIDA
El silencio habla:
notad la palabra
de la boca callada.
Se alza una voz
abriendo el camino,
uniendo lo disperso.
Atentos, notad
la marcha de aquellos
que buscan el día.
En silencio avanzan
en torno a la luz
que brota del pecho.
Oh, no dirán nada,
pero un claro sentido
vendrá de la voluntad
en forma de flor
o hecho un tifón
en nombre de la vida.
INCUMBENCIA
Descubro mi ser
distante de la voz que ordena
y hace, del hombre,
zapatos, sudor y cansancio.
Me descubro lejos
de las leyes y más leyes
creadas gracias a las fuentes;
de los mitos plantados
a la puerta de las casas, de los ojos,
de las bocas.
Me descubro cerca de mí,
del centro vital que palpita,
del núcleo vital que palpita,
del núcleo que es claro
y humano.
Me cubro
de pocos sentidos
y vasto silencio: feto
de los años dos mil.
(Transação, 1994)
PROFANACIÓN
Dos sentimientos distantes,
dos sentimientos del año 1871
sobreviven
y en este momento se encuentran.
Uno, es un sentimiento de muerte;
el outro, un sentimiento de vida.
La faz de ambos se mantiene
escondidas, pero ambas faces vibran
en este caer del día
y yo las siento
como si fuesen mías.
Lentamente me figuro
Desfiguro: cachorros
se revisten de peñascos; pájaros
se transforman en sones; palmeras
se deshacen en viento.
Indebidamente buceo
en la inmanencia
de fines ajenos.
REDONDILLA
En cápsulas frias,
incrédulos seres
recorren las calles.
Se divierten al ver
en el abismo de los otros
la própria aventura.
¡Los otros son ellos!
Lo doble camina
por la faz vacía.
El ser y el no ser
dividen la misma
carcasa del día.
Mil veces la vida
comienza, mil veces
la vida termina.
Incrédulos seres,
se permiten creer
que todo es mentira.
La imagen del cuerpo
se sumerge en el sueño.
El mundo se imagina.
(Sinais, 1995)
ILHÍADA. UMA TREZENA LÍRICA. Tradução – traducción Pedro Port e Arturo Terrizzano. Florianópolis: Editora Athanor, 1994. 127 p. Capa e projeto gráfico: Idésio Leal e Fábio Brüggemann. Apoio cultura da Fundação Franklin Cascaes- Prefeitura Municipal de Florianópolis. Col. A.M. (EA)
O POETA E A CIDADE
Nenhum desejo persiste
à sombra das ausências.
Pouco a pouco retiram-se
os últimos centauros
do jardim. Permanece
o incriado, o indizível.
A cidade farta-se de si.
Tudo isto, porém, é
fantasia. A verdade mesma
ali está, indiferente e muda.
Uma chuva fria e fina
toma o dia cinza.
Tão frívola sentença
nem merece algum registro.
O poeta recua à sombra
do não-dito. A verdade
que se diga!
EL POETA Y LA CIUDAD
Ningún deseo persiste
a la sombra de las ausencias
Poco a poco se retiran
los últimos centauros
dei jardín. Permanece
lo no creado, lo indecible.
La ciudad se harta de sí.
Todo esto, sin embargo, es
fantasía. La verdad misma
allí está, indiferente y muda.
Una lluvia fría y fina
torna gris el día.
Tan frívola sentencia
no merece registro.
El poeta vuelve nada la sombra
de lo no dicho. La verdad
que se diga!
EM SILÊNCIO
Em silêncio
pesquiso meus limites.
Arrisco-me, em nome
do desejo de viver.
Aqui ao lado
um tamarindo se embriaga
de murmúrios.
Mais além um pessegueiro
se desfaz
imperceptível.
Estou em pandarecos,
mas respiro.
Em cada parte do meu ser
carrego um monte de saudade.
E nos lábios
um beijo nunca dado.
À margem deste instante
detenho-me nas sombras
do futuro. Quase
alcanço o que não sou.
EN SILENCIO
En silencio
busco mis límites.
Me arriesgo en nombre
del deseo de vivir.
Aquí al lado
un tamarindo se emborracha
de murmullos.
Más allá un duraznero
se deshace
ímperceptible.
Estoy en pedazos,
pero respiro.
En cada parte de mi ser
llevo gran nostalgia.
Y en los labios
un beso nunca dado.
Al margem de ese instante
me detengo en las sombras
del futuro. Casi
alcanzo lo que no soy.
II BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA – Poemário. Org. Menezes y Morais. Brasília: Biblioteca Nacional de Brasília, 2011. s.p. Ex. único.
Cabe ressaltar: a II BIP – Bienal Internacional de Poesia era para ter sido celebrada para comemorar o cinquentenário de Brasília, mas Governo do Distrito Federal impediu a sua realização. Mas decidimos divulgar os textos pela internet.
Metáfora
Eu sei: metáforas
escondem o mundo.
Escondem a metade
do mundo.
A outra metade
esconde
a metáfora.
É assim que se vê,
de uma
e outra metade,
a parte que as une
e, sem que se possa ver,
a parte de cada um
que está em toda parte.
Mas o que é poesia
Poesia não é linguagem.
Poesia é vida!
Poesia é vida
que se faz linguagem.
A linguagem
é a língua em viagem
de nada e tudo.
Ao poeta cabe
fazê-la entrar nos arquivos
múltiplos
de que é feito o mundo.
O leitor, porém,
é quem dá sabor e rumo
ao que faz do verso
o elo de uns e outros.
Idades de ser feliz
Se você tem 15 anos,
não esqueça: esta é a melhor
idade!
Dos 15 aos 30, tudo é
ainda
propício à felicidade.
Ao fazer 40, pense nisto:
cheguei à metade da vida
mas tenho outra metade
pela frente.
Depois dos 50, leve
em conta: na realidade
o que importa
é cada instante!
A razão dos retratos
Os retratos na parede
me pedem, insistentes,
que converse com eles.
Sem pressa, escuto-os.
Um a um, me contam
o que já sei. Mas
é como se os ouvisse
pela primeira vez.
O que digo a eles,
sequer escutam.
Se ouvissem, porém,
arcariam seus olhos
em louvor a tudo
que já deixamos de ser.
Os retratos querem
que alguém os ouça.
Não fossem ouvidos,
que razão haveria
em se os ter, ali,
dia após dia?
DIMENSÃO – REVISTA INTERNACIONAL DE POESIA. ANO XX – No. 30. Editor Bilharino. Capa; Visual de Gabriele -Alfo Bertozzi. Uberaba, Minas Gerais, Brasil: 2000. 200 p. No. 10 787 Uberaba, MG – Brasil. Capa: Visual de Gabriele-Aldo Bertozzi. Editor: Guido Bilharino 200 p. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
LINGUAGEM
OÁSIS:
sol
na ponta do lápis.
Poema:
manhã à derive
nos lábios.
Neblinas da voz
— os pilares da frase
no acaso.
BUSS, Alcides. A Culpa Está Morta e outros poemas. Capa : Mario Lúcio Iaczinsk. Florianópolis: Caminho de Dentro, 2022. 128 p. ISBN: 978-62920-15-8 Ex. biblioteca de Antonio Miranda
“Difícil destacar poemas. Prefiro então apontar versos expressivos, como os que se encontram em “Inspiração”, quando Alcides, em subterrâneo diálogo com Fernando Pessoa, diz que a inspiração “vem de não saber o que sabe / o coração.” Afonso Henriques Neto, na
apresentação do livro.
INSPIRAÇÃO
De onde vem — me perguntam
a inspiração?
Vem do fundo do fosso
da solidão.
Vem de não saber o que sabe
o coração.
Vem de ver o que vai
na bolha em que o mundo
refém se faz de ser mundo.
Vem do céu curvado na boca;
da imolação
do prazer na gota de sangue.
Vem do adeus que dói
em profusão
nos que chegam sem trazer
o que amam.
Vem do grito dos que partem
em silêncio
pra não acordar os que sonham.
Vem do latido de um cão
que atravessa a noite
à procura do lugar
em que se perdeu
do próprio sentido.
Vem de arcar com tudo
o que entra no corpo
pelos olhos, ouvidos e poros.
Vem de abrir a arca
escondida na língua.
Vem de atar e desatar
os elos do gigante cordão
imemorial
pelo qual sorvemos
essa parte igual
do que somos diferentes.
AS ÁRVORES E EU
As árvores fortes me fortalecem.
Em ruinas, me põem à míngua,
em escombros de toda sorte.
As árvores verdes me enlaçam
à campina da auto-estima.
As árvores mortas me atam
ao lastro de outras mortes.
Floridas, as árvores me acendem
em floresta incontida.
Porém, abatidas me estiram
em esvaída escultura.
No apogeu das frutas, as árvores
me rendem ao exímio escrutínio
da vida — a vida dentro da vida.
Tolhidas de serem árvores
em todo ciclo e sentido,
me arrastam à penumbra
em que apenas consigo vê-las
sem minhas próprias ruinas.
O TEMPO DA ESCRITA
Ai que saudades eu tenho
das cartas que recebia.
Era carta todo dia!
Umas traziam o fim do mundo,
Outras, as flores da estação.
Abrí-las era como derramar a luz
de velhas e novas alegrias.
Ai que saudades eu tenho.
Agora só chegam palavras
apressadas
do vai-e-vem cotidiano.
Envelope, selos, carimbos,
o cheirinho de papel
— tudo é passado.
De catador de frases bonitas
virei um internauta.
Se é noite, se é dia,
se chove ou se faz sol,
é só olhar no aparelhinho
com tela de cristal.
Ai que saudade das cartas
que traziam de volta
a esperança que eu perdia.
RECEITA PARA POEMA SOBRE NADA
Pra fazer um poema
sobre nada
retire tudo de lugar
e, depois, retire
o luar de tudo.
Esvaziado então
o entorno do estar,
apague o retirar,
aquilo que sobrou
qual risco no ex-tudo.
Retorne ao casulo
ou tempo anterior
que lhe vai no íntimo
do que se foi.
Desfaça-se, aí,
do que nesse vai-vem
ainda persiste:
o eco, talvez,
de uma última vez!
Para finalizar, uns versos do longo poema
“A CULPA ESTÁ MORTA”
Não tem culpa o leitor
do copo de cólera
entornado na cópia dos signos
impúberes — esses rios vaginais.
*
Página ampliada e republicada em abril de 2024.
Página ampliada e republicada em abril de 2009; republicada em janeiro de 2010. Ampliada e republicada em 2012. Ampliada em julho de 2017. Ampliada e republicada em abril 2019. |