MATIAS MENDES
MATIAS ALVES MENDES, «O Poeta do Guaporé", nasceu no vale do rio que emprestou o nome ao extinto Território Federal do Guaporé, quando da sua criação em 1943. O poeta nasceu no dia 24 de fevereiro de 1949, na Colônia Lamego, em Porte do Príncipe da Beira. Estudou nas escolas rurais «Imaculada Conceição, na vila de Conceição, e «General Sampaio", em Forte do Príncipe. Fez curso profissionalizante no SENAI «Marechal Rondon", em Porto Velho, no ano de 1970. Trabalhou na revendedora Caterpillar — CITREQ, na Paranapanema (Taboca, ora MIBREL), Construtora Norberto Odebrecht, no Projeto Samuel, e no Departamento de Revisão e Editoração da empresa gráfica GENESE-TOP. Prestou serviços à ASSEMBLEIA LEGISLATIVA do Estado de Rondônia.
Estreou na literatura em 1982, com a publicação do livro de poemas «As Emoções e o Agreste". Além da sua obra de estreia, sua atual bibliografia inclui os seguintes títulos: «As Musas e o Perfil" (poesia), «As Quimeras e o Destino" (poesia), «As Malvinas do Jamari" (história regional) e «Síntese da Literatura de Rondônia", ensaio literário que publicou em coautoria com a poetisa Eunice Bueno da Silva. Entre suas obras inéditas, estão incluídos os seguintes títulos: «Lendas do Guaporé", «A Lira do Crepúsculo", «A sentinela do Vale", «Corredores de Hotéis" e «Depois do Ano Setenta" e títulos posteriores.
MENDES, Matias. Eflúvios da descrença. São Paulo: Editora Pannartz, 1985. 72 p. 14X21 cm. Capa: Joaquim Germano. Apoio Coordenação Estadual do MOBRAL. “ Matias Mendes “ Ex. na bibl. Antonio Miranda
EFLÚVIOS DA DESCRENÇA
Abro para o passado a janela
E fico a contemplar momentos dúbios,
Já tão confusos nos horizontes plúvios
Onde tua figura ainda se revela...
Sinto outra vez a onda dos eflúvios
Irradiados da tua imagem bela,
Quais raios fulgurantes da procela
Por sobre emoções feitas dilúvios...
Na branca esteira de espumas da lembrança,
Balouça a frágil nau da esperança
Em meio à tempestade que se adensa...
Entre as tempestuosas brumas da tormenta.
Ainda sopra a brisa terna e lenta
Dos meigos eflúvios da tua descrença...!
SONHOS PROIBIDOS
As vezes eu sonho com. teu corpo macio,
Provocante e desnudo na moldura da cama,
Tendo a penumbra em volta como panorama,
Exposto à sanha lúbrica do meu cio...
Na inconsciência desse desvario,
Ouço tua voz dizendo que me ama,
E em minha pele sinto o calor da chama
Que irradia do teu corpo sadio...
Mas, quando atinjo teus íntimos labirintos,
Os nossos corpos, de amor famintos,
Na embriaguez suprema dos sentidos:
Despencam vertiginosamente num abismo...
E ao despertar do transe de erotismo,
Só resta o' vazio dos sonhos proibidos...!
SENDA DA INCERTEZA
Nas brumas da incerteza caminhamos
Sempre para um horizonte ignorado.
Assim, vamos seguindo, lado a lado,
Rumo às quimeras que nunca alcançamos.
Temos a trajetória idêntica de ramos
Da mesma árvore, estamos no estado
De prisioneiros eternos do passado,
De escravos das saudades que guardamos.
Nós somos, na verdade, os dois extremos
Da vida solitária que vivemos,
Das ânsias impetuosas dos sentidos. ..
Somos dois pobres amantes solitários,
E entre esses sentimentos imaginários,
Somos dois seres na solidão perdidos...
UMBRAL DO OUTONO
Vim de bem longe, em longa caminhada,
Deixei para trás um rastro de lembranças;
Tive ilusões, anseios e esperanças,
Até chegar à cruz da encruzilhada...!
Tive por vezes a alma conturbada,
Vi se esfumarem quimeras de bonanças,
Entre alegrias e lágrimas das andanças:
— Hoje cheguei à curva da estrada!...
Cheguei ao umbral do meu outono etário,
Já sob o peso de muitos desenganos,
Mais realista e menos visionário...
Hoje começo rever os meus antigos planos,
Sob minha nova visão de mercenário:
— Hoje cheguei aos trinta e cinco anos...!
(24.02.84)
MENDES, Matias Alves; BUENO, Eunice. Síntese da Literatura de Rondônia. Capa: João Orlando Zo1ghbi. Porto Velho: Genese-Top, 1984. 126 p. Ex. bibl. Antonio Miranda
PROCEDÊNCIA
Venho lá da serena Paz campestre,
Lá das remotas e bucólicas paisagens,
De onde os procelosos ventos das friagens
Estrugem em cordilheiras do oeste...
Venho das serrarias do agreste,
Dos verdes vales, das verdejantes margens,
De onde com imponência as ramagens
Erguem-se altaneiras da vastidão silvestre.
Venho de extensas florestas, largos rios,
De entre animais belos e bravios,
Da terra onde o horizonte é mais candente...
Venho das noites amenas das cordilheiras,
De perto do fragor das cachoeiras,
Da terra do esplendor do sol poente!
VIDA PLENA
Amei mulheres, amei mulheres tantas,
Que me perdi por entre esses amores,
E tive em troca muitos dissabores,
Entre alegrias que já não sei quantas...
Amei mulheres belas e magníficas,
Vivi romances líricos e delirantes,
Tive aventuras audazes e excitantes
Entre paixões insólitas e infrutíferas!
Fui das mulheres o amante ardente e terno,
Vi na terra o céu e o inferno,
E cultivei o amor e a poesia...
Se encontrei pedras — muitas — em meu caminho
Mais que as pedras, encontrei o carinho
Que alimentou a minha fantasia!...
ANSEIO PROIBIDO
Quero te amar pecaminosamente
E me ofuscar à luz do teu sorriso,
Enebriar-me num êxtase exaustivo
Neste teu corpo escultural e ardente...
Quero acalentar platonicamente
As ânsias desse desejo explosivo
Que me levam ao supremo paraíso
Do amor proibido e impenitente...
Quero eternizar em ti meus devaneios,
Extasiar-me ao ritmo dos teus bamboleios,
Arder ao fulgor do teu olhar candente!...
Quero ser teu eterno Adão inocente,
E que tu sejas minha meiga serpente
A espicaçar os meus eternos anseios!...
ALBORES DE RONDÔNIA
Eis que nos céus do País já desponte
Uma nova estrela de brilho fulgurante,
O sonho dourado que de há muito remonta,
Um novo Estado progressista e pujante!
Destas recônditas plagas da Amazônia,
Soergue-se o gigante da fronteira,
Em forma de estrela candente de Rondônia,
Na sua trajetória heroica e altaneira!...
E em saudação ao evento, os tambores
Ruflam nas ruas, e o povo canta em festa!
Tudo é regozijo nos luminosos albores
De Rondônia Estado, que afinal desperta!
Desde as remotas regiões auríferas
As terras férteis, ainda inabitadas,
Das matas virgens às áreas estaníferas,
Canções de júbilo são em coro entoadas!
Na nova estrela brilha a autonomia
Que foi arduamente conquistada,
Pela expansão febril da economia
E a grandeza da gente abnegada!...
E sob a égide de um líder industrioso,
Rondônia, enfim, transpõe a ignota era,
Rumo ao futuro promissor e glorioso
Que o seu povo tanto almeja e espera...
Dos seus albores felizes a alvissareiros,
Rondônia eleva seu canto em homenagem
Aos seus desbravadores e pioneiros
Que legaram-lhe a herança de coragem!
Essa imortal Rondônia emancipada
Que no céu da União desponta exuberante,
Tem como maior glória conquistada:
Ser o palco das bravuras do último bandeirante!
HERANÇA DA IRONIA
Postumamente, o mundo irreverente
Render-te-á homenagens tardias,
Essas — de praxe — tardas honrarias
Ao contemplado já da vida ausente...
Convém, portanto, que em tuas poesias
Semeies, agora, da sátira, a semente;
Patenteando ao mundo, igualmente,
Que cultuaste também as ironias...
Que não te seja vã a experiência
Da atual terrena irreverência,
Que a tantos outros, sem pejo, ironiza...
Se a humanidade não te valoriza,
Deixa a herança que a satiriza,
Como lembrança da tua inteligência!...
AMOR A RONDÔNIA
Amo-te assim, grandiosa, agreste
Amo-te Rondônia, inculta e majestosa,
Amo tua fértil terra, dadivosa,
E tua límpida amplidão celeste!
Amo teus rios, venero teu campestre;
Amo as planícies, a área montanhosa;
Amo tuas fontes, a selva fabulosa,
E amo o sol que teus dias aquece!
Amo a lua que tuas noites ilumina,
As imponentes e belas cachoeiras,
As flores agrestes que medram na campina.
Amo, enfim, tuas manhãs mornas, fagueiras,
Teu sol a pino, tua hora vespertina...
Amo-te, Rondônia, de todas as maneiras!
FERA LIBERADA
Filha legítima dessa nova era
Onde a mulher, ativa e liberada,
Do pedestal da nova-emancipada,
Ruge altiva como uma pantera!...
É mais quimérica que uma quimera
Essa mulher com o mundo deslumbrada,
Que tem na face suave estampada
A agressiva expressão da fera...
Mas eu, ainda poeta, sonhador, volúvel,
Não acredito no gelo indissolúvel
Que ela insiste tanto em ser notado...
A pantera provoco — e sadomasoquista ,
Seus arranhões suporto na conquista,
Devoro a fera e, enfim, sou devorado!
DEPOIS DA HECATOMBE
Quando a torpe insensatez humana
Varrer da terra toda a humanidade,
Por entre as cinzas da radioatividade,
Renascerá uma raça soberana...
Livre afinal da ambição insana,
O mundo, enfim, terá prosperidade,
Depois da extinção da espécie tirana,
Provocadora da última calamidade...
Das venenosas cinzas da terra destruída,
Emergirá, talvez, nova forma de vida,
Mais simples, mais sensata e mais robusta...
E por mais que tenha a perfeição do homem
E arraste pela terra o abdômen,
Será decerto mais humana e justa...!
Página publicada em agosto de 2014 ; Página ampliada e republicada em junho de 2020
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