WALFLAN DE QUEIROZ
(1930 – 1995)
Francisco Walflan Furtado de Queiroz nasceu em São Miguel, uma pequena cidade situada na Serra do Camará, no Rio Grande do Norte, a 31 de maio de 1930, filho de Raimunda Furtado de Queiroz e do farmacêutico Letício Fernandes de Queiroz. Pouco se sabe sobre a sua infância, mas a sua família tinha recursos suficientes, o que lhe propiciou uma sólida educação.
O poeta Walflan de Queiroz foi contemporâneo da geração pós-45 e, portanto, integrava um extraordinário grupo de artistas e poetas talentosos em Natal, tais como Newton Navarro, Zila Mamede, Sanderson Negreiros, Deífilo Gurgel, Luis Carlos Guimarães, Berilo Wanderley, Dorian Gray, Celso de Silveira e Myriam Coeli, entre outros que vão surgindo ao longo dos anos, como, por exemplo, um poeta igualmente expressivo dessa geração, refiro-me a Miguel Cirilo, figura refratária à mídia local, mas que apareceu sob os auspícios de uma grande revelação poética como o livros Os elementos do caos, publicado na década de 60.
De 1960 a 1977, ou seja, durante praticamente duas décadas, Walflan de Queiroz publicou oito livros de poesias. No final dos anos 70, com o agravamento de sua esquizofrenia, o poeta passou a freqüentar as clínicas para o tratamento adequado do seu estado mental.
Os poemas de O testamento de Jó constituem-se em sua maioria num convite e, ao mesmo tempo, num desafio que nos afasta para longe de nossas experiências corriqueiras da vida cotidiana e nos conduz paulatinamente ao mundo bíblico, mítico e lírico.
“Esta leitura do livro O testamento de Jó (1965), do poeta Walflan de Queiroz (1930-1995), realizada por João Antônio Bezerra Neto, dá nova visibilidade a uma escrita que emerge das sombras para compor o quadro ainda incompleto da história da literatura brasileira que aconteceu no Rio Grande do Norte na segunda metade do século XX.”
Humberto Hermenegildo de Araújo
De
João Antnio Bezerra Neto
PERMANÊNCIA DE WALFLAN DE QUEIROZ
Uma leitura da obra O Testamento de Jó
Brasília: 2oo8
ORAÇÃO
Meu Deus, estendei sobre mim tua mão
E então poderei entender o silêncio,
Então poderei andar sobre as águas do mar.
Meu Deus, estendei sobre mim tua mão,
E então poderei compreender teu Verbo,
Então poderei olhar os lírios do campo.
Meu Deus, fazei-me ouvir de novo tua voz,
Para que eu responda aos que vieram de Sabá,
E me restitua integral e perfeito a Ti.
(O testamento de Jó, p.25)
AUTORRETRATO
A Luis Carlos Guimarães
Não tenho a beleza de Rimbaud, nem o rosto torturado de
Baudelaire.
Tenho sim, olhos negros, negros como os de Poe.
Meus cabelos são soltos, em desalinho
Como os de algum anjo ou demônio.
Minha pele, queimada eternamente de sol, tem o sal do mar
E a cor morena dos que são náufragos.
Minhas mãos são pequenas, tristes embora,
Como as mãos de alguém que só as estendeu para o adeus.
(O tempo da solidão, p.38)
JÓ
Meu Senhor, sou tua argila,
Manda de novo o teu vento,
Destruir minhas plantações,
Para que eu não veja, ao longe,
Senão, este deserto imenso,
E esta solidão de estrelas,
Onde te encontro.
Meu Senhor, sou tua criação,
Manda de novo o teu anjo,
Dispersar os meus rebanhos,
Para que eu não veja, ao longe,
Senão, esta montanha, Sião,
E estas torres muito altas,
Que se perdem, no azul destes ocasos,
Bordados com as cores do teu Manto.
(O testamento de Jó, p.37)
POEMA
Eu te falarei da noite misteriosa e doce
E das mil angústias que afligem a minha alma.
Na tua procura pelos mundos desolados,
Encontrei somente a dor habitando a minha solidão
Eu te falarei do mar ausente, e da nuvem
De mármore que se quebrou de encontro ao ocaso.
Não te falarei das colinas de Deus, dos penhascos
Distantes decorados por horizontes de ouro.
Te falarei, entretanto, da minha solidão
Caminhando pelas florestas insones do pranto
E te recordando em cada flor, em cada pássaro
Voando em direção à aurora em busca da morte.
Te direi apenas da minha pobreza, da minha dor
Quanto desfeitas e caídas com pétalas das mãos de Deus.
(O testamento de Jó, p. 49)
HINO À NOITE
A Tânia
Vem, Noite. Perco-me novamente
Em tuas constelações.
Quero procurar pela rua mais deserta
O sereno clarão de tua lua.
Vem, Noite. Quero ser eternamente teu.
Quero andar pelos becos mais distantes,
Em busca da luz de tua mais remota estrela.
Já não tenho túmulos, em mim.
Tenho apenas uma sombra, e um silêncio.
Vindo de minha solidão que fere os astros.
(O testamento de Jó,p.75)
QUEIROZ, Walflan de. O tempo da solidão & O livro de Tânia. Natal, RN: Sol Negro Edições, 2011. 112 p. Capa: Francisco de Goya, “El Closo”. Gravurfas originais de Dorian Gray. Organização: Márcio Simões. Inclui um texto de Luís da Câmara Cascudo sobre o autor. Col. A.M. (EA)
POEMA DO MUTILADO
Não me amem. Mutilaram-me quando vim ao mundo.
Não me olhem. Minhas mãos sangram ainda.
Não tenho presente nem passado, não pertenço a
[nenhum grupo, partido, seita, ou religião.
Amigos me faltam sempre, nunca inimigos.
As mulheres com as quais eu dormi, assassinaram-me.
Tenho estreita afinidade com os bandidos, os
[contrabandistas e os gângsters.
Tenho vivido já em várias épocas, não fui aceito por nenhuma.
Meu povo é o de Hamlet, o de Macbeth, e o de Ricardo III.
Detesto a chuva, o mar e o crepúsculo.
Amo somente a noite.
Amo somente minha solidão.
Não me amem. Sou um homem mutilado pelo sofrimento.
Não me olhem. Tenho no rosto os estigmas da crueldade.
Não tenho presente nem passado, não pertenço a
[nenhuma vida e nem a nenhum coração.
Faço poemas apenas porque sou um homem mutilado.
JORNALZINHO SEBO VERMELHO. ANO VI No. 32 MAIO 1996.
Natal, RN: 1996. Ex. bibl. Antonio Miranda
RIMBAUD
a Sanderson Negreiros
Não, não sofres mais no deserto do Harrar, a secura
Dos climas quentes e escaldantes.
Agora, que suave rio, repousas numa planície
Sei que em Marselha, tomaste um navio
Para uma viagem, cujo capitão tinha roupas negras
(da morte)
E eu te amo, cada vez mais como ao próprio Cristo
(em agonia)
Meu irmão Rimbaud, poeta, iluminado e santo.
in O LIVRO DE TÂNIA
*
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Página publicada em setembro de 2022
Página publicada em julho de 2010
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