SANDERSON NEGREIROS
Nasceu em Ceará-Mirim no ano de 1939. É Jornalista. Publicou "O RITMO DA BUSCA" (1956),"FÁBULA FÁBULA" (1961), "LANCES EXATOS" (1966). Em 1980, foi publicada uma edição reunida - FÁBULA FÁBULA - pela Edições Pirata, Recife-PE.
De
Henrique L. Alves, org.
POETAS CONTEMPORÂNEOS.
São Paulo: Roswitha Kempf ed. 1985.
A ÁRVORE
A árvore tem a palavra
Tranquila. Só foi dada
A pássaros. Por isso, flutua
Com jeito recolhido.
Quem garante a permanência
Da árvore? as aves?
As aves são de precária
Matéria: não se renovam.
Aos pássaros não foi dada
A constância do arco
Entre a árvore e o chão.
A brisa? Às vezes, a brisa
Medita, sábia, sobre as frondes.
Mas nunca atinge a duração
Da árvore. Quem acusará
A morte dessa faina repetida?
E sua doçura de verdes
Ocasionais? A árvore tem
Verões de mármore. Quem sentirá
Sua fadiga de pouso?
do livro OS LANCES EXATOS
VIII
A orquídea de tua mão
por que não será orquídea
a orquídea de tua mão?
Maio, ápice de teus desvios?
Consulto e
já tens partido.
IX
Aves ardem
portos barcos muros.
O sol cancioneiro
veleja em hábil azul.
E, baixo, desliza
o pomo de seu gasto sossego.
X
O fulgor é de constelação
partida. Por isso,
trabalho vozes diárias
entre os arcos do mundo
porque o mundo comum
é comum à mortal certeza.
XIV
Não arquitetes o som.
Não estrutures o nada.
A fome basta ao hábito
de ser.
Basta ao homem o nome de
Homem. Seu sono. Sua dor.
do livro FÁBULA FÁBULA
O RIO
O rio elabora o vazio do tempo.
E em si cansaço mas entrega-se
Aos rumos, lento e profundo.
Ao saber-se fonte única, sem
Começo nem fim, trabalha suas
Auroras no sigilo da noite, e
Passa, aceso pelo vento.
Entre canavial e catástrofes
sucessivas, flui, torrente remota
E hesitante, Ventos imaturos
Confinam-lhe a paisagem e
Trazem legendas de sol, morrendo
Nas tardes do vale. E por essas
Tardes, o rio prossegue, na tortura
De ser breve e inteiro, na
Claridade onde dormem canções.
do livro FÁBULA FÁBULA
POESIA SEMPRE - ANO 9 – NÚMERO 15 – NOVEMBRO 2001. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2001. 243 p. ilus. col. Editor Geral: Marco Lucchesi. Ex.bibl. Antonio Miranda
De plumas navegantes
o pavão está.
A cor em si bastante
punge.
A cauda mede
o caos e a beleza
ferida pelo que no caos
é fictício.
O pavão caminha:
puro espaço de chama.
A cabeça esconde
a áurea violeta dos olhos.
A cabeça pende
antiga incerteza.
E o corpo equilibra
o peso da criação.
Os almocreves
O crepúsculo sumidoura
a passagem do tempo.
Os riachos
mudam-se em aragem.
Os almocreves
espreitam a lua
que sussurra espaços de
inverno.
Os almocreves, desérticos.
Os burros de carga sonorizam
fechados de aveloses.
Vê-se o branco a caminhar
pelas estradas, onde a lua
moldura dissídios e lobisomens.
Sem espera, as alimárias
forcejam o frio de quebrar-da-barra
para prosseguir em demanda
dos cerros de Cariri.
Página publicada em junho de 2010; p�gina ampliada em julho de 2019.
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