Imagem: Academia Brasileira de Letras
PEREGRINO JUNIOR
(1898- 1983)
Nasceu em Natal, Rio Grande do Norte, a 12 de março de 1898. Viveu no Pará de 1915 a 1920, trabalhando na imprensa.
Ali terminou os seus estudos secundários e fez o primeiro ano de Medicina. Concluiu o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi membro do Conselho Universitário da Universidade do Brasil.
Contista de temas amazônicos, publicou os livros Puçanga, Matupá e Histórias da Amazônia.
Em 1945 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Pereira da Silva. Seu livro Doença e constituição de Machado de Assis, apresenta conjugados os três aspectos da personalidade de Peregrino — o médico, homem de letras e jornalista.
ANTOLOGIA DOS POETAS BRASILEIROS BISSEXTOS CONTEMPORÂNEOS. Organização: MANUEL BANDEIRA.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996. 298 p, 12 x 18 cm.
ISBN 979-85-209-0699-O Ex. bibl. Antonio Miranda
“Bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.” MANUEL BANDEIRA
CARIMBÓ
O atabaque no batuque bate bola
Qui-tim-bum.. qui-tim-bum...
os negros dançam, o corpo mole, batendo os pés no chão duro
Qui-tim-bum... qui-tim-bum...
Tronco cavado, couro esticado, bem retesado
Qui-tim-bum...
O tocador, com as mãos abertas, marca o compasso
Bum-bum — qui-tim-bum-bum...
No ritmo do carimbo dançando a dança negra os negros velhos
recordam as senzalas tristes
Ouvem o grito longínquo da África, o grito dos que ficaram lá
longe chorando e dos que partiram humilhados
Qui-tim-bum... qui-tim-bum...
A melancolia sem revolta das levas mansas no porão negreiro
E ouvem o eito dos escravos no trabalho
E o grio fino do chicote do feitor zebrando de riscas o lombo
envernizado de suor
Qui-tim-bum...
Ouvem tudo... a fuga... o chuá das águas do Trombetas... a voz
de libertação dos quilombos de Óbidos
Qui-tim-bum... qui-tim-bum...
E o carimbo cantando geme soturno na noite negra no
compasso grave do bate-boca do batuque
Qui-tim-bum... qui-tim-bum...
REDE DA MINHA TERRA
Rede da minha terra.
Velha rede ubíqua e boa
Tão útil na humilda calma do seu manso embalo!
Rede do alpendre da casa-grande e do rancho de palha
calado e pobre.
Rede da sombra da mangueira
Rede da sala de visitas do agreste e do sertão
Onde as moças se balançam cantando modinhas de
Gotardo e Itajubá...
Rede da camarinha escura de todos os medos e assombrações
da infância
Dos lobisomens e das mulas-de-padre.
“Vasilha de dormir” de um amigo de meu Pai
Aprendizado humilde do segredo voluptuosos da preguiça
e também do amor, das molezas
boas do corpo e da alma....
Rede de minha infância!
Infância livre e lírica, mas sem alegria.
Vozes maternas de ternura embalando o sono inocente dos
filhos com versos dolentes e tristes.
E a rede rangendo nos armadores
Marca o compasso de uma doce melancolia... até que a gente
pega no sono.
Sono bom aquele que recolhíamos do tenho seio amigo.
Rede boa, rede pobre, rede querida!
Que tristeza penetrante e vaga, sem motivo,
Que doçura nas mornas tardes de sol claro!
Caminho de solidão noturna do sonho
Caminho da morte e do batizado.
Voz extinga de minha Mãe perdida na distância!
Mundo submerso da infância,
Mundo irrecuperável do Passado,
A que nos conduzias, no teu ritmo discreto e manso,
Pelos itinerários calmos de um sono sem sonhos,
Poço fundo da memória.
Página publicada em maio de 2020
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