Fonte da imagem: http://tribunadonorte.com.br
NELSON PATRIOTA
(Jornalista, poeta. Rio Grande do Norte)
PATRIOTA, Nelson. Livro das odes. Natal, RN: Sol Negro Edições, 2012. 62 p. 13x19 cm. Design e editoração: Márcio Simões. Tiragem: 70 exs. numerados. Col. A.M.
Ode ao poema
que se retrai
Latente sobre o papel
o poema
que não escreves
zomba dos teus esforços.
Adivinhas-lhe a forma sob as dobraduras do papel
e o imaginas liso, reto, seta seduzida pelo alvo.
Mas a intenção se frustra se tentas capturá-lo.
Os próprios fragmentos poemáticos
que ora pensas apreender em pleno voo
escapam-te de todo
diluem-se
liquefazem-se
com suas membranas virtuais
corpos ilusórios que porventura projetas
sobre uma superfície que permanece
enigmaticamente real.
O poema vindouro,
símile de não sabidos poemas futuros,
pulsa,
graças a teu insistente apelo,
sob frestas e sombras
que todavia conspurcam
com impurezas não menos virtuais
a provisória alvura da sua pele.
Procedem de todas as direções
disputando-te a sensibilidade,
e, atónito, sequer reages.
E noite desde há horas,
mas o dia te chega trazendo notícias que não
consegues esquecer
fatos que, embora triviais, insistem em dizer-se a
ti de novo
deslizes verbais que saltaram para contextos
paralelos
de onde nasceram discórdias incontornáveis,
e onde a animosidade monta guarda com olhos
de Argos.
Estás exausto e há tempos não te sentes seguro
em parte alguma,
há tempos são os mesmos signos de sombra,
há tempos que observas o descorado das manhãs
mudas de arrulhos,
a fuligem das tardes descambando oblíqua para
noites
onde um céu indistinto encobre estrelas
de cuja existência já duvidas de tanto não vê-las.
Em meio a fatos assim crus e crassos
vês que o poema se acovarda,
e desaparece sob as frinchas do papel
cuja palidez reflete por vezes
um brilho que involuntariamente o macula.
Tu, porém, reconsideras teu ofício
e extrais das sombras da tua alma
um resoluto não
que não se calará.
Página publicada em janeiro de 2013
|