MÁRCIO SIMÕES
O poeta, tradutor e editor Márcio Simões nasceu em Caicó (RN), em 1979. É o editor assistente da Agulha Revista de Cultura, além de haver criado a Sol Negro Edições, dedicada à feitura de livros artesanais e que por todo este ano confirma o valor de seu projeto editorial com a publicação de livros de Yvan Goll, Aldo Pellegrini, Vicente Huidobro, Hans Arp, dentre outros.
SIMÕES, Márcio. Fúrias de Orfeu. Natal, RN: Sol Negro Edições, 2016. 90 p. ilus. 15 x 20 cm. Imagem da capa: “O Mar Vermelho”, do Pergaminho de Ripley. Edição limitada de 30 exs. Ex. n. 25 bibl. Antonio Miranda.
O BALÉ LETAL
XIIII
deuses devoradores
moduladores da sombra (vorazes & viris)
sorvem
as potências do mundo
rumo
ao âmago
demiurgo sumidouro
no assento na insânia
do consenso
FÚRIAS DE ORFEU
VI
a manhã abre as portas de ocaso
esvazia a despensa de sonhos
e enquanto varre o alpendre de brumas
desfaz a trama de estrelas
do cobertor noturno
entrelaçando-lhe nas dobras
as brancas iluminuras da aurora
ao meio-dia tudo é tão claro
que as pupilas da memória
se apagam
ante o bater de asas
das pálpebras do esquecimento
cada pedra folha e superfície
é um pequeno espelho irradiante
apenas as raízes recordam
seus alicerces
no avesso vegetal
da noite
XVII
o poema sonha em voz alta
soletrando as escalas do sol
cantarolando as consoantes das pedras
modulando as vogais do rio
num gemido estimula o florescer da relva
sacode a folhagem com seus ais
e exclama manhãs quando se espanta
num suspiro sustenta o voo dos pássaros
e num espirro instila o assombro
no coração dos homens que
enfim, cantam
SIMÕES, Márcio. O pastoreio do boi (XII poemas sobre uma parábola ZEN). Natal, RN: Edições Flor do Sal, 2008. s.p. 10x15 cm. ilus.
LIII
Por nenhum atalho
ou vereda
pode-se chegar
ao esperado
Em todos os atalhos
e veredas
passeia o
ansiado
Aquele que anseia
e seu desejado
é todo atalho
e todo veredas
v
No conhecido
o conheci
mento
se torna.
Estar dentro
é o mesmo
que estar
fora.
(e dentro
e fora - são
afinal
um mês
mo)
o Boi — cotidiano
— pacifica-se
arfa — afáveis
são agora os
desvios.
VII
O guerreiro cede
ao final do
conflito
Vão é ganhar
quanto perder
Mais vale é
não ter
Assim surge
a senda limpa
e simples
Ao entardecer
e dura
sem parecer.
VIII
O espaço
claro em
clareira
O campo
vasto em
abertura
A presença
— em que se
muda e
molda o
imutável
Em que
se adapta
e escorre
ò sempre
ido
conforme
Em que
perece e
surge o
permanente
insurgido
Sendo nada
Sendo-o.
Página publicada em janeiro de 2013; página ampliada e republicada em fevereiro de 2019.
|