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LUIS PATRIOTA

 

 

O PÁSSARO CATIVO

 

Cantei um dia para acalentar a vida

Como triste canta um preso passarinho

Numa linguagem doce e sentida

Também canta, com saudades do ninho

 

A vida é triste, que de prazer me resta

Já foram-se as festas com alegria e tudo

Num sonho róseo vaporou-se tudo

Aqui é um cárcere solitário e mudo

 

Aqui é um cárcere solitário e mudo

Onde não posso sonhar com a liberdade

Num sonho róseo vaporou-se tudo

Aqui é um cárcere solitário e mudo

 

 

ALVES, Alexandre.  Poesia submersa - poetas e poemas no Rio Grande do Norte: 1900-1950.   Vol. 1.  Mossoró, RN: Queima-Bucha, 2014.  128 p.  15x22 cm.  Capa: Marco A. Nascimento. ISBN 978-85-8112-071-3   Inclui textos, análises e poemas (na íntegra ou estrofes) de Auta de Souza, Henrique Castriciano, Ferreira Itajubá, Lourenço Açucena, Câmara Cascudo, Jorge Fernandes, Palmyra Wanderley, etc.  “ Alexandre   Alves “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

Lírica em transição, versos ao sol

          por  Alexandre Alves

 

          Entre aqueles que ligeiramente, e talvez até inconscientemente, estiveram a exibir alguns breves caracteres escapando aos padrões gerais da poesia praticada pelos potiguares no período em questão está a produção de Luís Patriota (1899-1978), nascido em Touros, região do litoral norte potiguar. Com sua segunda obra Poema das jangadas (1936), o poeta exibiu em todos os textos dela uma métrica irregular e de ritmo mais próximo ao dos modernistas, ainda que mantendo as rimas, criando uma leve mudança em relação ao seu Livro d'Alma (1922), o qual o próprio autor relatou ter um "modestíssimo valor artístico" no prefácio de sua obra posterior.

          Além do poema título contendo mais de cem versos focando o pescador do litoral, sua vida e seu barco, há na segunda obra de Patriota uma sequência intitulada "Páginas íntimas", em que há a presença de sonetos metrificados que versam sobre a natureza e o ser humano. Títulos como "Castelos sobre a areia", "Os coqueiros" e "Luar de Touros" não escondem suas intenções de égide pós-romântica, fato já notório desde a epígrafe de Álvares de Azevedo em Livro d'Alma. Já em outros textos de Poema das jangadas há constantemente a técnica do enjambement, um dos indícios dos simbolistas herdado pela poesia moderna, ou como aponta Massaud Moisés (2004, p. 144), "[...j na modernidade constitui habitual expediente poético". Como exemplar desta situação está o poema "O Mangue'" (PATRIOTA, 2001, p. 151):

 

 

Sob as ramagens dos guajiruzeiros,

dos cheirosos cajueiros,

que se estendem folhudos pelo chão,

serpeia o "Mangue"... e as suas águas cristalinas

trémulas e finas,

lentamente vão

beijando a branca areia dos outeiros...

 

Quer chegue o inverno, transbordando rios,

enchendo várzeas, fecundando a terra,

ou ressurja o verão (do vale à serra

tudo agora é luz e som pela devesa...)

eis que o "Mangue", à estação mais alegre e mais quente,

permanece alheado, indiferente

às mutações da própria natureza.

 

E quando nas estiagens prolongadas,

a inclemência do sol, deste sol do nordeste,

a terra, de norte a sul, de leste a oeste

agoniza

em convulsões entrecortadas

de revolta e de mágoa,

o "Mangue", lá no meio do arvoredo,

que o seu espelho de cristal doura e matiza,

resiste a tudo, silencioso e quedo,

e nada lhe vence a persistência da água.

 

Por tanta poesia e encanto que ele encerra,

desprendidos a jorros,

o "Mangue" é uma paisagem bíblica entre as árvores

e os morros

da minha terra!

 

 

Ainda que as rimas e o cenário tropical se mantenham como marcas de um romantismo tardio, as imagens do mangue e do calor dos trópicos com tal detalhamento são incomuns para os anos de 1930, lembrando mais um ritmo poético à Ia Jorge Fernandes em "Verão":

          "É quente mas de uma quintura que dá vontade / De gritar fogoso... - a luz forte já parece um grito - / Se corre pra debaixo das árvores / E se fica olhando a insolência do calor" (FERNANDES, 2007, p. 47). O enjambement perceptível em Jorge Fernandes também está presente nos versos de Patriota, assim como o verso longo alternado com o verso curto (a inclemência do sol, deste sol do nordeste, / a terra, de norte a sul, de leste a oeste / agoniza / em convulsões entrecortadas / de revolta e de mágoa).

          Por outro lado, o personagem "Mangue" - citado literalmente entre aspas - surge descrito em alguns trechos sob uma sintaxe invertida, culta, típica das literaturas poéticas do século XIX (o "Mangue", lá no meio do arvoredo, / que o seu espelho de cristal doura e matiza, / resiste a tudo, silencioso e quedo, / e nada lhe vence a persistência da água.). De todo modo, as imagens ainda procuram a beleza tropical do mangue, fato oposto, por exemplo, alguns anos depois por João Cabral de Melo Neto em O cão sem plumas (1950), longo poema conceituai em que a paisagem do rio e do mangue trazem uma pobreza humana em meio à imagem naturalmente escura dos mangues recifenses: "Abre-se em flores / pobres e negras / como negros. / Abre-se numa flora / suja e mais mendiga / [...] / Abre-se em mangues / de folhas duras e crespos / como um negro."

(MELO NETO, 1997b, p. 74).

          Resguardando o ideário de uma natureza inapelavelmente esplendorosa - ao inverso daquela proposta por João Cabral - , a permanência do soneto em Luís Patriota também se insere como outro traço da tradição lírica, fato que igualmente se percebe em outros poemas de ordem mais sentimental, a exemplo das composições poéticas "Passado que vive..." e "Retrospecto", ou de evidente inclinação ecológica, caso da dupla de poemas "A árvore enferma" e "A árvore": "Não a maltrates, não. A árvore (que importa / o nome, se todas elas são iguais? / a árvore, tal como nós, tem alma e coração;" (PATRIOTA, 2001, p. 131). São exemplos de que os versos de Luís Patriota, "[...] construídos com rigor e elaboração, não deixam de mostrar um ritmo de espontaneidade semelhante ao que começava a aparecer na poesia brasileira pós 1922" (GUIMARÃES,

2001, p.214).  (Texto extraído do livro, p. 105-108)

 

 

Página publicada em janeiro de 2015

 

 

 


 

 

 
 
 
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