Cartaz do Prêmio
Luis Carlos Guimarães
LUIS CARLOS GUIMARÃES
(1934-2001)
nasceu em Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte, em 1934. Jornalista, juiz de Direito e professor universitário.
Obra poética: O aprendiz e a canção (1961), As cores do dia, Ponto de fuga, O sal da palavra, Pauta de passarinho, A lua no espelho e O fruto maduro. Sem jamais ter saído da província natal, foi reconhecido como um dos grandes poetas do país, por escritores e poetas como Pedro Nava, Ledo Ivo, Francisco C. Dantas, Ivo Barroso, Affonso Romano de Sant’Anna. Do seu livro Ponto de fuga, assim falou Pedro Nava: “Que poesia terrível e pungente é a sua! Todo o seu livro é uma onda me levando.”
Luís Carlos Guimarães também utilizou seu talento de poeta como tradutor. Publicou em 1997 113 traições bem-intencionadas, onde traduziu mais de 100 poetas latino-americanos e poemas de Arthur Rimbaud. A sua tradução de O corvo, de Edgar Allan Poe, é considerada de alta qualidade pelo tradutor e poeta Ivo Barroso.
Fonte: http://www.umacoisaeoutra.com.br/literatura/lulab.htm, onde podem ser lidos outros poemas do autor.
“(...) Luis Carlos Guimarães (1934- ), que estreou mal com o O aprendiz e a canção(1961) e se libertou da melosidade discursiva inicial com As cores do dia (1966), de inspiração cabralina. Em Luis Carlos Guimarães, no seu melhor período, coexistem o despojamento fenomenológico do verso(c. O rio) e a experiência formal de tendência orgânico-mallarmaica (cf. Navegrama para Valentina Terechkova).” MOACY CIRNE, em A Poesia e o Poema do Rio Grande do Norte (Natal: Fundação José Augusto, 1979).
AS CORES DO DIA
(1966)
O CURRAL
Vacas no curral, sono-
lentas. Leite no ubre,
úbere. Cascos secam
o ar lustroso de
moscas. Fezes secam
ao sol: estrume.
Vacas, no curral
comum, ruminam.
A PAISAGEM
Nuvens e
pássaros
celestas.
Mastros
na tarde
calcinada.
Barcos oscilantes.
Mar. Além
a linha do horizonte, longe.
NAVEGRAMA PARA VALENTINA TERECHKOVA
E(n) volta
astro nave
giras sol
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só Valentina
gaivo ta
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mundo
GUIMARÃES, Luis Carlos. Poesias. Natal, RN: EDUFRN, 2011. 248 p. 15x22 cm. ISBN 978-85-7273-811-8 Col. A.M.
ADIVINHAS
I
Quem usa o bisturi da palavra
(só o seu metal não azinhavra)
e, mágico, pratica uma incisão
de tanta destreza e precisão
que, sendo cego, só pelo tato,
no corte certo ao nervo exato
(nem uma gota de sangue medra)
extermina a cegueira da pedra?
II
Quem tem a boca escancarada
(ninguém nunca a viu fechada)
e morando no alto de unia torre
fala a quem vive e a' quem' morre?
Voz entrecortada, como ave abatida
em pleno voo vai caindo perdida?
Ou segue o caminho dá seta
descrevendo uma linha reta?
Sobe aos céus entoando-louvores
ou desce à terra com suas dores?
III
Quem, sem alento, ao fim dá coragem,
perto do abismo, ria última viagem,
com os olhos abertos como janelas,
olhou a morte na cara, em Bruxelas?
E que no país de nascença, em França,
nos verdes anos matou a esperança?
A vida foi para ele uma quimera,
inverno constante, sem primavera?
Seus remorsos foram desenterrados
como ossos de túmulos profanados?
Juntos no caixão na hora derradeira,
sua alma foi do corpo companheira?
Deus escreveu seu nome na agenda
dos que ardem na forja da lenda?
OFERENDA
Escrita com seu sangue e punhal,
dedica à Mal-amada infernal
esta Balada do Desditoso,
a lembrar seu fado tenebroso:
são flores enfermas de monturo
que brotaram em canto de muro,
no esterco de sua poesia
de vil e malsã melancolia.
CANTIGA DE AMOR
Quem pagará o enterro e as flores
se eu me morrer de amores?
Vinícius de Moraes
Se de muito amor me morro
quem virá em meu socorro?
Se no mundo vivo sozinho
e não encontro o caminho,
quem me estenderá a mão
e me abrirá seu coração?
Meu grito no arrabalde
da solidão será embalde?
E grito que se ultrapassa
e se faz eco e logo passa?
E se por amor me crucifico,
serei mais pobre, mais rico?
Será minha voz que não se cala
na voz da amada quando fala?
Ela será o duplo, o meu reflexo
que vejo na sua pupila perplexo?
A sombra, o outro lado de mim
onde principio e chego ao fim?
Por que milagre de soma incomum
o amante e amada são dois em um?
Quem me conduzirá ao porto
no meu dia de estar morto?
A amada irá comigo na viagem
de uma margem a outra margem?
Com olhos de pranto, amiúde
a olhar meu corpo no ataúde,
seu rosto de sofrimento e dor
mostrará vassalagem de amor?
Se por um amor desfeito
sangra uma rosa no peito,
quando sarar a ferida, a raiz
de outro amor nasce na cicatriz?
Assim como na árvore o renovo
de folha e fruto refaz o novo,
pelo amor em que me morro
tenho salvação e socorro?
CÍRCULO VICIOSO
O mar aberto
foi rio,
fonte,
orvalho,
gota d'água
sugada pelo sol,
textura d& nuvem,
chuva,
mar aberto.
SPLEEN
Da voz baixa, oca, de meios-tons,
mal se escuta os imprecisos sons
da vã despedida que não lavra
sequer a semente da palavra.
Nem também o gemido de agonia
abafado nos arcos de uma galeria.
Apenas sussurro que logo se cala
com o hálito de morte que exala.
Fio da voz esquecida no calabouço,
emparedada no fundo de um poço.
Não tem eco, subterrânea, perdida
nas trevas de um túnel sem saída.
Condenada a não ter esperança,
ao ser articulada, já se cansa.
Afogada no lodo de uma cisterna,
presa na escuridão de uma caverna.
Voz de ninguém para o nada,
antes de nascida, abortada.
GUIMARÃES, Luís Carlos O sal da palavra. Natal, RN: UFRN- Fundação José Augusto Gráfica e Editora, 1984. 180 p. 14x20,5 cm. Capa: Cláudio Sendim. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília.
AS PITOMBAS
São as doces pitombas,
plebeu e mágico fruto,
que a memória gustativa
não esquece, mesmo sendo
de tão pouco usufruto.
Explorando o peso pluma
na planície da mão aberta,
o olhar/fome de menino
em vê-la aguça o paladar.
Depois segue-se o ritual
de prova-las, uma a uma:
presas entre o polegar,
o médio e o indicador,
expõem ao contato labial
a suave aspereza da casca:
a veste a se desnudar.
Dentro da boca excitada,
sob o céu palatino,
o dente não mordente,
acariciante, sem dor,
despe o vegetal vestido.
De saliva hidratada,
ágil, a língua tátil sente
a polpa verniz acre-doce:
o adulto, voraz e sensual,
degusta-a, outra vez menino.
Página publicada em janeiro de 2008 - ampliada e republicada em janeiro de 2014; ampliada e republicada em maio de 2015. |