LIVIO OLIVEIRA
Nasceu em Natal – RN, em 1969 e atua profissionalmente como Procurador Federal. Mas, a literatura em sua vida é algo visceral, que lhe toma por inteiro. Além de dois livros de poesia (O Colecionador de Horas, publicado em 2002 e Telha Crua, em 2005), Lívio Oliveira publicou também um livro de ensaios intitulado Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte (2005). Está no prelo um livro de haicais que, pelo seu formato reúne ao mesmo tempo, a beleza da síntese e a leveza que se tornou uma marca já nos livros anteriores. Em 2004 foi premiado em primeiro lugar nos dois concursos de poesia mais concorridos no Estado: OTHONIEL MENEZES - FUNCARTE//Natal e LUÍS CARLOS GUIMARÃES- FJA/RN.
“fazem parte de uma nova leva...os poemas eróticos
são de uma beleza que me agrada”. LISBETH LIMA DE OLIVEIRA
Alucinação molhada
Não ficarei atento,
nem me ocuparei com a chuva,
já que mantenho
em meu peito doído e morno
a eterna ilusão de te possuir.
Guardarei, sim, os movimentos
de teus pés inquietos,
artelhos, ancas e joelhos.
E serei indormido vigilante
do ziguezaguear de teu pescoço
desnudado.
A artéria delicada pulsa
todo o sangue
que te alimenta
e que escorre pelo lábio
no êxtase da longa noite
- caça, golpes certos,
intensos, profundos -
e os dentes se arremessam
na penetração anatômica
exata de outra tua irmã,
tão livre, tão vampira,
com quem estive há pouco.
De teu vôo surge
única e verdadeira revolução
de onde desponta,
insólito,
quase móvel,
atrevido invasor.
Um leve sinal negro
cresce em formas
as mais estranhas,
as mais bizarras,
formando um ser gigante,
uma fêmea superior,
pálida,
pálida,
linda,
linda,
com a boca derramando
líqüido rubor.
Os cabelos,
rédeas que prendo a uma só mão,
guiam-me para um espaço
abstrato, etéreo.
Ali, numa dimensão
que desconheço,
inebriado,
conforto-me da madrugada
fria, fria, fria,
acreditando que tua sedução
e teu pouco calor
serão, mais tarde, minha toda
(porém improvável)
salvação.
Posições
Você vai se surpreender.
Invadirei sua noite calma,
sua cama,
como um vampiro sedento
e não se dormirá.
Somente haverá vibrações
e delírios.
Toda as estrelas do céu
em lua azul
serão presentes que trarei comigo,
serão doadas a você,
embaladas num sono leve - devaneios -
apresentadas num refúgio único
em que nosso encontro será bento
e a túnica transparente que vestirá você
cairá, suave, no chão,
mostrando suas formas belas,
firmes, sobre o chão de prata,
debaixo do espelho de cristal,
refletindo a curva de seus seios,
reluzindo a cor dos seus olhos.
Apelo Iniciante
Quando ouvi sua voz de menina
não entendi o apelo.
Senti, longe, o perfume.
Próximo, próximo,
o seio doce.
Deu-me o amor que eu queria
e eu ainda não sabia.
Não entendi o apelo,
aviso primeiro,
sinais dos sentidos.
Eu brincava com sua língua,
pingando desejo.
Eu não sabia mesmo.
Não entendi o chamado
e me perdi, no mapa desenhado
em suas costas,
em suas curvas.
Era o primeiro
e ainda eu não percebia.
E perdi o amor que usufruía
nas curvas da noite,
nas retas do dia.
Convite dos Olhos
Aqueles olhos rútilos me convidaram
a invadir teu corpo leve,
mapear teus pontos vivos,
desvelar a força misteriosa
que encanta os homens,
como uma Naja sedenta
que se envolve
e se aproveita
do desejo da vítima.
Teus olhos me convidam:
Beber na fonte de tua vontade.
Entregar-me aos teus beijos arfantes,
teus seios em mármore.
Viajar eternamente na nave de tuas coxas.
Encontrar, de repente, a órbita estranha
na tua gruta escura que investigo,
solitário,
distante de tudo,
alheio ao mundo que resta lá fora.
Eu e uma luz tão pequena,
tão curta,
apagando-se no primeiro sopro
de teu segredo molhado.
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OLIVEIRA, Lívio. O teorema da feira. Natal: Edição do autor, 2012. 120 p. 12x21 cm.
ISBN 978-85-914619-0-5 Tiragem: 300 exemplares. Col. A.M.
GALARINA
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rara joia:
Gala,
a bengala
imaginária
de Dalí.
O bem Dadá
da Clara nova
e de Coroa:
nu(m)a mulher
que se roubou
de Éluard.
VOZ LONGE
so far, so near
como naquela última foto,
pequena.
tão longe, tão perto:
esse olhar cortante,
pungente.
mesmo que não rias
é assim que te vejo,
conheço.
mesmo que não digas,
tua ironia acalenta,
teu canto.
mesmo que não saibas,
é tua a ausência
que afronta.
so far, so near,
tudo é fluidez, brevidade,
tu me és tão urgente.
CHET
sulcos na face.
palato em feridas.
tua cena, na madrugada,
é o grito curtido
do trompete.
os acordes do instrumento
enferrujado
são golpes
de gilete
em garganta de meretriz.
o comprimido
se incrusta
no olho
que fecha
no escuro.
silêncio pontua
o som manso,
e o éter
é cuspido,
pela derradeira vez,
na noite.
serve-se o fel
em tua mesa
cercada de perfumes
e vômitos.
não se vê,
no ambiente,
presença de esquizoide
denunciante.
o veneno
é a oferta
que sobra
de tua plateia
invisível.
Página publicada por indicação de Lisbeth Lima, em junho 2007; AMPLIADA E republicada a partir de exemplar gentilmente ceido por Salomão Sousa. .
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