JÓIS ALBERTO ARVORÊDO
Jóis Alberto da Silva nasceu em Natal (RN) em 14 de outubro de 1959. Formado em Comunicação Social pela UFRN. Trabalhou nos principais jornais da cidade (Diário de Natal / O Poti, Jornal de Hoje) e depois na área de comunicação social, com sindicatos ligados à CUT e com partidos de esquerda. Fez parte da geração dos poetas de mimeógrafo de Natal, no final dos anos 70 e início dos 80, participando de livros coletivos e antologias.
REVORÊDO, Jois Alberto. Poetas azuis, paixões vermelhas e amores amarelos: poesia e prosa. Natal (RN): Sebo Vermelho, 2003. 112 p. 14,3x18,8 cm. Capa e projeto gráfico: Afonso Martins “ Jois Alberto Arvorêdo “ Ex. bibl. Antonio Miranda
UMA BEATA UM BEATLE UMA ARANHA
E UMA MANGA COM LEITE
rabo de lagartixa,
decepado, tem vida complexa:
mexe-mexe por uns segundos,
faz parte deste e de outro mundo:
uma beata um beatle uma aranha e uma manga com leite,
pelos bigodes de Dali:
se conhece o retrato do artista surrealista quando jovem,
perdido em algum lambe-lambe perdido no tempo:
se conhece o retraio do artista marginal quando jovem
Jóis também retoma o soneto como forma provocadora, diria melhor, instigadora. Se ele não chega ao predominantemente visual, detendo-se nas possibilidades que a palavra engendra, atualiza ó soneto de uma maneira estranhamente crítica. Vale a pena desenvolver essa ideia, a partir do poema "Ceticismo conjugal", que constitui uma leitura intertextual de uma tradução de Guilherme de Almeida. Trata-se do soneto "A Felicidade deste mundo", de Cristophe Plantin, poeta francês do século XVI. É interessante que o leitor tenha acesso à crónica "O Soneto de Plantin", da safra almeidiana, para inteirarse do processo criativo que culmina no texto joisalbertiano.
Jóis, o leitor que escreve, parafraseia Plantin através da recriação de Guilherme de Almeida. É paráfrase, pois, dizendo o que o outro já disse, - de acordo com Afonso Romano de Sant´Anna, o poeta natalense constrói seu "Ceticismo conjugal" expressando uma visão própria da simplicidade burguesa afeita ao ideal da "áurea medriocritas", tão cara aos poetas árcades. Se Plantin, na versão almeidiana, diz "Ter huma casa boa, limpa e bem curada,/ Hum variado jardim, de canteiros cheirosos./Fructos, bom vinho, filhos pouco numerosos./Possuir só, sem alarde, uma esposa
affeiçoada;", Jóis Alberto, afinando-se ao desejo do poeta francês, escreve: "Do casamento sempre fui um cético./Porém, hoje, senti contentamento/ Quando desejei a mulher ideal/Numa casa com jardim, biblioteca e quintal." O primeiro verso dessa estrofe inicial, um decassílabo saboroso, porque lança mão do sentido irreverente das palavras e das coisas, é contrabalançado pelo "porém" que começa o verso seguinte, desencadeando a partir daí uma leitura análoga e respeitosa do sentido original do texto de Plantin. É claro que os versos do segundo quarteto ousam de um humor atualíssimo: "Para manter a felicidade do matrimônio/
Usaremos o cartão de crédito com parcimônia", tentando solucionar as "consumistas tentações" da ordem burguesa que se mantém ávida de insatisfeitos cidadãos. Curiosamente, a relação entre o título e o poema se dá meio em contradição: o "eu", no passado, é descrente, mas logo cede à cena conjugal com ares de contentamento.
Os tais versos da juvenília joisalbertiana, na segunda parte com subtítulo tão proustiano, não podem ser vistos apenas (como ele próprio, às vezes, vê) como objetos de arrependimento. Nada disso, ao contrário do que muita gente pensa, muitas vezes ocorre de um poeta ser mais feliz em sua tenra produção do que naqueles textos tardios, elaborados na tranquila maturidade depois dos 40 anos de idade. Mesmo que a maledicência e seus incorrigíveis preconceitos recusem-se a enxergar uma boa fatura nos versos da mocidade desse poeta, é preciso que se leia com "olhos livres" e reconheça-se o valor de sua performance poética. O poema Entrechocar-se é exemplo de como se obtém ótimos resultados quanto ao uso de procedimentos experimentais já consolidados. É um texto em que o trabalho com a palavra alcança efeitos de uma boa fatura do verso cuja repetição de palavras e sons garantem um inusitado do sentido.
C E T I C I S M O C O N J U G A L
Do casamento sempre fui um cético.
Porém, hoje, senti contentamento
Quando desejei a mulher ideal
Numa casa com jardim, biblioteca e quintal.
Para manter a felicidade do matrimónio
Usaremos o cartão de crédito com parcimônia.
Resistiremos, estoicos, a consumistas tentações;
Não nos estressaremos com partilhas e ações.
Faremos, com preservativos, o sexo seguro.
Seremos sinceros, fiéis, sem grandes ambições.
Assim, equânimes e maduros
Veremos os netos dos nossos três filhos;
E no crepúsculo da velhice
A morte esperaremos tranquilos.
E N T R E C H O C A R – S E
Queira Deus que a palavra
não me falte não me falte
a palavra que queira Deus
não falte me não falte me
Deus que queira a palavra
me falte não me falte não
a palavra queira que Deus
não me não me falte falte
a palavra Deus queira que
falte falte não me não me
a que queira Deus palavra
falte me não falte me não
a que queira palavra Deus
falte não não falte me me
que queira Deus a palavra
falte me falte me não não
queira Deus que a palavra
não me falte não me falte
Página publicada em janeiro de 2015.
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