CLAUDER ARCANJO
Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo), nascido em Santana do Acaraú-CE aos 3 de março de 1963, é cronista semanal, resenhista literário — através do heterônimo Carlos Meireles — e colaborador de sites, revistas e jornais de várias partes do País. Em 2003, recebeu menção honrosa no Concurso de Poesia Luís Carlos Guimarães, promovido pela Fundação José Augusto, Natal/RN. No ano seguinte, foi distinguido com nova menção honrosa, desta feita na categoria contos dos Prêmios Literários Cidade do Recife.
A reunião de contos, intitulada Licânia, marca a sua estréia em livro em 2007. Entre seus trabalhos inéditos, o autor tem obras nos gêneros poesia, crônica, minicontos, romance e resenhas literárias.
Contato: clauder@pedagogiadagestao.com.br
Até ontem...
(Por entre restos de rosas)
Até ontem, a tarde trazia
um pouco de cheiro de rosa,
apesar de serem poucas
as floradas do meu jardim.
Havia, na cumeeira das casas,
o medo aos morcegos,
aos fantasmas desdentados,
e aos bruxos de antanho.
Mas, nesta tarde fria e longa,
me encontro sem halo
de camélias, e com o vaso
aposentado das rosas.
E com um espinho lancinante
na fala, recendendo a abandono.
Sem jardins, vejo a noite
cair pesada, e tenho saudade
dos meus fantasmas,
dos morcegos de Santana, e
dos bruxedos do faz-de-conta...
A vida lá fora me garroteia,
e agarro-me a estes humildes
restos poéticos, único barco
deste pouco que ficou de mim.
Da carne
A tua carne atiça a minha,
brasa-fogo, vulcão a arder em mim.
Carne-desejo, carne-castigo, carne-carne...
No beijo dos umbigos, o encaixe afoito.
Somos dois, quando ser um nos bastaria.
A tua carne atiça a minha, sim,
e clamo para que seja infindo o cio da noite.
Despojos
O palhaço partiu,
os balões ficaram flácidos,
o bolo carcomido, e
as crianças despedem-se sem graça.
Na rua em frente, um balão a quicar,
com o vento trigueiro a levá-lo...
Preguiçoso, a rolar pelas pedras,
cabreiro, a acenar para a noite da favela.
De repente, uma luz dúbia na janela,
um olho na fresta, e um coração,
infante, a rezar pelo atraso do lixeiro,
para reinar cedo nos despojos da alegria.
Meandros
A noite não vem,
o sol não quer se despedir,
e a felicidade pende como promessa.
Enquanto isso, lá fora, nos meandros
dessa tarde infinda, o bicho-homem
insiste em festejos, apesar do peito,
necrotério, repleto da nefasta abulia.
A regalia de um desvario
Na beira da estrada solteira,
cabelos lisos, sem riso.
Em meio às pedras toscas,
a regalia de um desvario.
À leira do cântico, em estilo,
os versos a escorrerem da boca.
Dentes a mastigar o uivo
da aurora, amistosa, a lhe fazer
em lobo. No canto, contido.
Das escolhas
De todas as dores, a mais do meio;
Dos loucos amores, quero o mais doído.
Das flores, a da rosa do centeio;
Desta fria noite, o mal, calmo e banido.
De tudo, o resto do resto do pouco;
Do pouco, pouco, o que foi mais moído;
Mas que, desta funda noite, escoa o soro
De uma vida por demais ultra-sentida.
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