A LESTE DE GREENWICH
Que neblina é essa, afinal?
Que neblina é essa que não me deixa entrar
pelas vidraças as lanças de ouro do universo,
que insiste inundar átrios de noturnas claridades?
Que neblina é essa que me esgarça os fios pelo tempo
e rompe as linhas que bordaram vidas?
Que neblina é essa que me silencia as ruas,
anoitece as casas, extermina os sonhos?
Que neblina é essa que conduz à lágrima,
cria o estéril e reprime o riso?
Que neblina é essa que morre triste nas lembranças,
que me turva a vista diante dos retratos desbotados?
Que neblina é essa que r.ic esconde os calendários,
destrói meus santos e rasga os véus dos templos?
Que neblina é essa que não me responde,
não me questiona, ontem, hoje, sempre,
não me festeja a vinda não me diz adeus?
Que neblina é essa, afinal,
que não me apaga sequer as luzes da memória?
SÍNTESE
Porque plantei roseiras, colhi ventos
Porque nasci auroras, morri tardes.
Porque criei canções, ouvi silêncios.
Porque andei espaços, achei vazios.
Porque me fiz sorrisos, fui lágrimas.
Porque voltei, anoiteci.
VEGA
Imagino-o tebano, à fuga solidário.
O gole amargo vindo do fundo do cristal.
Cilíndrico escudo transparente
realimenta, vertical, taças submissas,
exauridos corpos, alma, sonhos.
Imagino-o solitário sempre,
olhos afundados em círculos azuis,
roupa molhada de sereno, cheirando a pó da aurora.
Fazia muito tempo, ontem, quando soube.
Pude vê-lo sem dizer adeus.
Partiu madrugador numa tempestade de estrelas da Constelação das Três Marias. Imagino-o cadente regressando ao princípio do universo.
BERCEUSE
Nas praias meus pretorianos
incendiaram archotes
aumentando o vermelho das fogueiras.
É certo que meus pretorianos querem
orientar o barco e desconhecem
que meus rumos estão sincronizados
aos teus mágicos sinais.
Ontem vespertino
teci minhas ausências
desfiando o corpo
para construir-me nos regressos
quadro cor da paz.
ÍCARO
Bebo-te a pureza, gota a gota,
enquanto ouço teu sorriso explodir nas paredes de íraca,
dia após dia, casa anoitecida.
Flutuando quero superar-me helénico
e não te peço muito. Apenas que faças meu corpo
desnudar-se liberto espiritual das dores que me prendem.
Luas prolongadas fizeram-me
teu revisitante permanente,
quando sem saber acabava sempre mergulhado
nos teus olhos cheios de relâmpagos.
Minhas fronteiras estiveram limitadas às tuas,
Meus caminhos direcionados aos teus.
Entre a realidade e o sonho
não me amedronta que o sol destrua
minhas asas míticas outra vez.
Que importa acontecer?
Minhas cinzas alimentarão tuas roseiras
reprocessadas no orvalho das manhãs.
Saciarei a sede eternizada na pureza do teu pranto
transformado em lágrimas,
sorvidas gota a gota,
enquanto teus sorrisos amanhecem
nas paredes de íraca, inundada de clarões.