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AÉCIO CÂNDIDO
Aécio Cândido de Sousa nasceu em Cuité, na Paraíba.
Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (1978), mestrado em Sociologia Rural pela Universidade Federal da Paraíba (1991) e doutorado em Sociologia - Université Laval (1996 - Quebec, Canadá).
É professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, aposentado desde 2013.
Tem experiência na área de Sociologia do Desenvolvimento, com ênfase em desenvolvimento local, interessando-se particularmente pelos seguintes temas: sustentabilidade rural, agricultura familiar, cultura política, renda agrícola e não-agrícola.
A CIDADE E POETA
cheguei arrastando um deserto
e duas ou três folhas de esperança
decompostas
a cidade me recebeu
com uma lambida putrefacta
e me alisou com risos de loba demente
— rômulo sem rumo, enjeitado me senti
sem rumo
o hálito da cidade despejava labaredas nos meus ossos
30 ANOS
Tenho trinta anos
e não perdi o medo do mundo
Estou grávido de meu pai
e minha mão se desfia
inteira como um reflexo
no corpo de minhas fantasias.
A memória do meu tempo os poetas a disseram
com todas as letras
em solenes campanhas publicitárias
e para a intimidade do travesseiro:
não há saídas.
Talvez um tango argentino
e a dolorosa consciência da ossatura flutuante nos
interstícios do riso.
Fugas não há:
nem o sonho desfraldado ao vento da juventude
(o sonho acabou)
nem a porta escancarada ao suicídio.
Apenas a vida
deslindada de certos fios
simples como um copo d´água.
Não há portas
não há mar
não há paredes
— muito menos cavalos brancos.
Minas é somente um retrato na parede
como Pasárgada
e outras certezas da infância.
Tenho trinta anos.
Envelheço.
Um resto de menino me remete aos dezessete
quando imaginava que os dezoito
me introduziriam na idade adulta
e me dariam ao andar a gravidade das gravuras antigas.
O tempo, esse carniceiro de boca larga,
senhor não tão bonito,
é hoje obrigatoriamente uma referência.
Há que prendê-lo e retecê-lo
e esvaziá-lo e retê-lo
e esvaziá-lo de sentidos
— simples matéria, apenas isto —
para que nas madrugadas caibam todos os sonos
e ninguém, se revire à toa na cama.
Tenho trinta anos
e olho os olhos de minha geração.
Encareto.
O verbo vai a pique numa cascata de dúvidas.
Recomendam-me contenção os remanescentes concretos:
é preciso deter a subjetividade.
Mas os anjos dos meus sonhos
as divindades poéticas de minha memória
foram tão subjetivos,
mesmo gargarejando palavras
como Maiakóvsky.
É Caetano Veloso
comovente em seu lençol de sentidos!
E meu Drummond
com quem me enrosco
e me aqueço nas noites de naufrágio.
Os marginais me perturbam
os poetas
(a lembrança de Plinio
belo como um postal de outono
— profuso parto de cores).
Tenho trinta anos
mas isso não é tudo.
(De Tempos de verbo – 1986)
Página publicada em fevereiro de 2020
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