ZENO CARDOSO
Zeno Cardoso Nunes (São Francisco de Paula, 15 de agosto de 1917 - Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2011[1]) foi um advogado, escritor e jornalista brasileiro.
Bacharel em Direito, é membro da Academia Riograndense de Letras. Publicou diversos livros de poesia, ensaios e artigos em revistas e jornais. Entre suas obras destacam-se, em parceria com Rui Cardoso Nunes, Dicionário de Regionalismo do Rio Grande do Sul (1982/1987) e Minidicionário guasco (1992, 3ª. Ed.). O jornalista é patrono da cadeira 32 da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias, Rio de Janeiro (RJ). Fonte da biografia: wikipedia
CARDOSO, Zeno. Briga de touros e outras poesias. Porto Alegre: 1962. 63 p. 15x23 cm. Ilustração da capa por Amandio Bicca. Impresso pelas Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial do Estado. Col. A.M. (EA)
ARTE
Tu estás no meu sangue. E não posso olvidar-te.
Tenho ódio de ti, e no entanto te adoro.
O teu olhar de fogo eu sinto em toda parte
pela terra gelada onde em degredo eu moro.
És tênue como a luz. Em vão tento apertar-te
nos meus braços vazios. E se tu vens, imploro
que te afastes de mim. Mas não posso deixar-te
porque estás no meu ser, clarão de meteoro!
És coveira piedosa e plantas nas feridas
que costumas abrir no âmago das vidas
a semente de luz que diviniza o pranto.
És brancura lirial divinizando o mangue,
és vampiro infernal, e bebes o meu sangue,
e por isso te odeio e te idolatro tanto.
BRIGA DE TOUROS
A chuva de verão passou. Veio a estiada.
O sol, a pino. A terra, inda molhada.
Um Zebu está esperando no rodeio
outro touro, um Crioulo guapo e feio
que sempre fora o dono da invernada,
e a passo largo vem se aproximando,
e vem cavando terra, e vem berrando
tão grosso que parece trovoada!
Encontram-se e pelejam com denodo,
pondo em agitação o gado todo.
As aspas do Zebu, velozes como o raio,
riscam do contendor o pêlo baio
que ao sol reluz e brilha,
enquanto os cascos de ambos, como arados,
sulcam os pêlos verdes e molhados
do lombo da coxilha!
No ardor da luta entesam os pescoços,
enrijecendo os músculos potentes
em férrea contração!
Depois vão se golpeando duramente,
com orgulho de touro não vencido,
com destreza de tigre enfurecido,
com raiva e decisão!
Uma hora eles passam nessa luta
de esforços colossais,
mas, envoltos na fúria do mormaço,
sentem fraquear os músculos de aço,
lutar nem podem mais.
Há pairando no ar morno e pesado
um forte cheiro de chifre queimado.
Os dois touros, briosos e valentes,
são iguais na coragem, no valor.
Mas no entrechoque bárbaro das guampas
o destemido filho aqui dos pampas
começa a demonstrar que é superior.
O zebu bem conhece a luta bruta
lá da Índia selvagem de onde veio,
mas não pode vencer, por mais que o queira,
o touro aqui da terra brasileira
que o obriga a deixar o seu rodeio.
E triste, machucado e abatido,
depois de luta tão desesperada,
o pobre touro, além de ser vencido,
inda foi pelo outro perseguido
até sair de dentro da invernada.
Dias depois os corvos carniceiros,
voejando por cima de um banhado,
indicavam aos olhos dos campeiros
o lugar onde estava, entre espinheiros,
o cadáver do touro derrotado.
O seu corpo, que o sol acariciava,
parece que tranquilo descansava
do combate fatal,
enquanto em torno o gado, compungido,
cheirando o chão, de um jeito comovido,
berrava tristemente em funeral,].
Dentre aquela sentida orquestração
destacou-se um mugido forte e grosso
que reboou plangente no rincão:
Era o berro do touro brasileiro
lamentando o destino do estrangeiro
que quisera ser dono do seu chão.
P. Alegre. 1942
Página publicada em novembro de 2012 |