VIVITA CARTIER
1893 - 1919
No bairro Menino Deus, nasceu, a 12 de abril de 1893, a menina Vivita Cartier. Infância feliz, bons colégios, sensibilidade poética. 'Alta e esguia, cabelos a cascatearem em ondas suaves que lhe frisavam o tipo romântico', assim a descreve Seleneh Medeiros, que a escolheu por patrona na Academia Literária Feminina RS, criada exatos 50 anos depois de Vivita nascer.
Adolescente, desfilou em carro carnavalesco da Sociedade Venezianos. Exposta a mau tempo, contraiu gripe, que degenerou na temida tísica. À primeira hemoptise, uma única e aflita exclamação: 'Sangue!'.
Tinha Vivita 19 anos e recusou aceitar a sentença médica de dois meses de vida:
'Por vontade espontânea, resolvi
Passar na serra larga temporada.
Dizem todos que aqui recuperada
Hei de haver a saúde que perdi.'
Em companhia da mãe, buscou cura em Criúva, lugarejo que esbanjava ar puro, última esperança dos tísicos, antes de Koch descobrir o bacilo que leva seu nome.
Desse retiro serrano, Vivita espalha poesias pela imprensa. Em silêncio, acalenta um amor secreto, amigo da família, 42 anos, que viajara para a Europa sem se dar conta do sentimento que despertava na jovem que, desolada, desabafa: 'Para arrancar desse amor/ A raiz tão vigorosa,/ Esforcei tanto o meu peito/ Que fiquei tuberculosa'.
Nas viagens à vila de Caxias, em busca de tratamento, com o dono da farmácia, José D’Arrigo, aperfeiçoou o italiano e poetou também nessa língua.
Ao balanço sincronizado do trote do cavalo, sentia aparente melhora, produzindo poesias de alento. À nova hemoptise, seguia o desânimo, nunca a revolta, a despeito de sua juventude. Sentindo a morte rondar, pediu à mãe para ser enterrada no cemitério local. Faleceu a 21 de março de 1919, aos 26 anos de idade, vítima da 'tísica', que mostrava preferência por jovens sonhadores de todas as classes sociais, um tanto descuidados com a alimentação adequada.
Em Criúva, por décadas a população local levava flores a seu túmulo – flores que em vida ela requisitou não para seu túmulo de 'trágicos horrores', mas para sua alma sonhadora que 'paira além de seus fulgores', conforme poesia de sua lavra que encima o túmulo.
Texto de HILDA AGNES HÜBNER FLORES
Fonte: http://www.correiodopovo.com.br
IN PULVIS
Inscrição para meu túmulo
Aqui jazem os trágicos horrores
Do decompor sinistro da matéria;
Não te detenhas, pois, nesta miséria
Oh! Não deponha sobre a lousa flores...
Segue... é vazia esta mansão funérea;
Minh'alma paira além com seus fulgores,
Volve-te a ela, a ela manda flores
Através do pensar, com graça etérea.
Vai prescrutá-la em qualquer sítio lindo!
Ela é tão forte como o mar bramindo
E tem a suave tepidez dos ninhos...
Aspira-a, pois, nas brisas cariciantes
Desvenda-a nas estrelas cintilantes
Evoca-a no cantar dos passarinhos!
IMORTAL
Tenho o corpo abatido, o olhar tristonho;
recôndita opressão me esmaga o peito;
falta-me o ar, nunca respiro a jeito;
se me obrigam a andar, logo me oponho.
No espaço indefinido os olhos ponho,
atirada, sem forças, sobre o leito.
E penso… penso nesse gozo eleito
duma vida futura, com que sonho…
Embora humildo, resignada embora,
sucumbo ao negro horror que me apavora,
se pressinto um tormento prolongado.
E anseio pela queda da matéria,
para minh’alma, em escalada etérea,
chegar, enfim, ao mundo desejado…
Página publicada em novembro de 2016
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