VITOR BIASOLI
Nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 1955. Professor de História na UFSM, 48 anos. Nasceu em Pelotas. Morou em Porto Alegre, onde iniciou vida profissional no Magistério Estadual (1978 a 1991). Veio para Santa Maria para lecionar na UFSM. Mestre em Letras, pela PUC/RS. Doutorando em História Social na USP. Autor de vários livros, entre eles "Calibre 22" (Editora do Autor, 1999). Participou de vários livros coletivos com autores da cidade - o último deles, "Trem dos Onze" (2004).
COTIDIANO
Degolaram um anjo na praça
Horror e sangue entre as árvores
Não sei se devo me inquietar
ou apenas encarar friamente
É do ritmo do mundo que haja mortes
e os anjos não servem para nada
ALÉM MAR
Deus está mordendo meu pé
e não consigo escutar minha dor
Tudo é sombra enquanto caminho:
avenida iluminada, farol alto dos carros
luz de neon, vitrines lambendo minha testa
Meus olhos cada vez mais turvos
sequer lêem as manchetes de jornal
Meus mortos revoltam-se nas tumbas
e estendem mãos raivosas
Deus está morto — ainda ouso gritar
e toda a luz da avenida me cega
UVEITE ANTERIOR
No branco dos meus olhos
explode em filetes de sangue
a armadilha do meu corpo
antiga trama que não desato
nó de um grito submerso
Vem de muitos anos soterrada
arder no círculo da minha íris
impedir a luz e criar a névoa
para que eu não consiga ver o dia
em que primeiro feriu o amor
IDENTIDADE
Recolho o vento que habita esta cidade
e arranco as escamas da sua pele
Busco em seu corpo palpitante
O rio que revele meu rosto
segredo de nome ignorado
dormindo na boca de um peixe
BIASOLI, Vitor. Calibre 22: poemas revisão Pedro Brum Santos, Carlos Valero. Prefácio Luiz Eugênio Véscio. Bauru, SP: edição do autor, 1999. 104 p. 14x21 cm. Col. A.M.
PAI
Sangraste sémen
e te deste um filho
Tua mulher o pariu em lágrimas
e selvagem fogo de alegria
Acrescentado em milénios
tuas costas arderam
e voltaste ao princípio da dor
Teu filho cresceu apesar de ü
Expandiu teus braços e teu sangue
além do pesadelo que habitas.
CALIBRE 22
A bala que varou teu corpo
voa no meu sonho, alucinada,
e dança — feito feiticeira —
na pupila dos meus olhos.
Dança, sangra e sapateia,
atordoa mas não mata.
É lembrança cravada na memória,
urrando para não morrer.
ANUNCIAÇÃO
para meu filho
Anuncia-se um rosto na névoa
que não ouso dizer o nome
e aguardo, as mãos paralisadas
seus traços se definirem
Grávido, o silêncio se adensa
e constrói a verdade
que explodirá em meus olhos
Meu único esforço é um olhar atento
de dolorosa expectativa
Página publicada em junho de 2008
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