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TARSO FERNANDO GENRO

 

 

Tarso Fernando Herz Genro (São Borja, 6 de março de 1947) é um advogado e político brasileiro prefeito dePorto Alegre por duas vezes e, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, ministro da Educação, das Relações Institucionais e da Justiça, pasta que ocupou até 10 de fevereiro de 2010, saindo do governo para ser pré-candidato ao governo do estado gaúcho.

 

OBRAS: VENTO NORTE, poesia, 1964; Apresentação da poesia santa-mariense(com L. A. Rodrigues), 1966; ACORDA PALAVRA, 1968; LUAS NOS PÉS DE BARRO, poesia.


 

Poemas extraídos de:  CADERNOS DE CULTURA GAÚCHA.  6 Poetas Gaúchos: Armindo Trevisan, Carlos Nejar, César Pereira, José Eduardo Degrazia, Luiz de Miranda, Tarso Fernando Genro.  Porto Alegre: Diretoria de Atividades Culturais, Assembéia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 197-?  72 p.

 

 

 

PRIMEIRA CANÇÃO PARA ADORMECER

 

Passo a velar o teu sono.

Tantas coisas eu tenho

para cantar e dizer

que na noite

sinto-me imensamente só.

 

Lavrei muitos caminhos.

Por exemplo,

sou teu pai e sinto

espoucar no meu peito

os cristais do sono.

 

Andei por estas ruas

que rios cercam.

Muitas vezes acompanhado apenas

de um verso de Garcia Lorca.

 

Aquele da morte

de Antonio “el Camborio”

que teus olhos azuis

também não entendem.

 

A tarde cai desmaiada

nas coxas dos cavaleiros.

Eu queria tanto

dizer-te toda minha vida.

 

Quando te esperei

e quanto sêmen

inútil derramei até o momento

em que a vida encontrada

ergueu-te na aurora grávida.

 

Dizer-te que precisamente

agora sinto-me velho

e lasso e incapaz

e imerecido.

 

Porque o teu sono

mais do que o meu

eterno despertar

é mais forte

mais vigoroso e persistente

do que o tempo.

 

Dizer-te que nos

subterrâneos,

mais abaixo onde

diamantes estrelam a terra

alguns homens vivem.

 

Dizer-te que nas florestas

mais profundas

onde habitam

as pequenas estórias

alguns homens vivem.

 

Dizer-te que nas casas suadas

onde crescem tratores vermelhos

arados afiados

armas e cercas

alguns homens vivem.

Mas apieda-me

tua pura inocência

e o sofrimento que te espera

quando descobrires

que além do teu mundo

existe o ódio sem tréguas

fome e destruição.

 

 

Como andei!

por estas ruas!

Quando descia

a sanguinolenta aurora

e cansado da poesia

eu varava espaços

em busca do sono

já sabia deste encontro.

 

Com as mãos quentes

do hálito operário eu buscava

um dia de colheitas e escolas

mas um dia

teria que prestar contas.

 

Pois em cada olhar

da descoberta futura

opressão, medo e morte,

vejo tua face inquisidora:

 

- “E tu?”

 

Pois em cada violência

que te arrebentar o olhar

em mil açucenas floridas

já conheço a interrogação:

 

- “E tu?”

 

Mas concentro-me.

A curva da tua face

jamais sai de mim

os teus cabelos são meus

e trazes nos olhos

uma cândida alegria.

 

Ergo a mão e sinto

no ritmo precário do teu pulso

a presença da vida

sadia, pura e conseqüente.

 

A tua paz obriga-me à reflexão.

Já estou gasto

mas sinto renascer-me

em tuas entranhas limpas

como o destino do homem.

 

Há muito tempo

numa praça

eu lia um poema de Neruda.

 

Eram versos sobre a longínqua Espanha

e chamavam ao mundo

para que vissem

o sangue das crianças

correndo simplesmente

como sangue de crianças.

 

Quantas Espanhas

te esperam?

Não sei, mas serão muitas,

para que como eu

a angústia não seja

súbita como esta chuva de março.

 

Mas seja permanente

fina como um punhal mouro

e sempre nos acompanhe

e nos defenda.

 

E seja exata e caiba precisamente

em nosso coração

balance ao peso do vento

e nos alerte.

 

Pois para amar

é preciso odiar

para rir é preciso

chorar sem pejo

e claramente como fazes.

 

Para crescer

é necessário

saber diminuir-se

em cada lição de vida.

 

A luz se apaga

e a noite imensa

entra e acomoda-se conosco.

 

Resta apenas

a estrada tranqüila

do teu sono imóvel

onde as formas

se recompõem

para o aprendizado do dia.

 

Restam sombras amigas

dos mortos que nos velam.

 

Resta comigo

palpitante

como ventre realizado,

fino e profundo

como um raio de sol,

o meu amor que te protege e arma.

 

(De “Luas nos pés de barro”, inédito)

 

 

GOSTO E MORTE DE FEDERICO GARCIA LORCA

 

O leite cru dos gerânios

Armou-se em sóis e orvalhos

Nos olhos negros do homem.

 

A égua enfeixada em músculos

De mil vigorosos poemas

Branca e lisa como o mármore

Rompeu a calma da sombra.

 

Na terra a saúde brinda

A paz do homem que passa

Paz de passo

aço

e masso

 

De muitas idéias claras

Claras esporas de prata

Como os galos da manhã

Que farão as alvoradas:

 

A face e os olhos negros

O líquido sangue esvaído

Deitaram sobre as estrelas

Que brilhavam surpreendidos

Daquela cena em Granada.

 

II

 

Ao longo além esplanado

Na certeza bruta do olhar

Doze lírios apontados

Brotaram vermelhas pontas

Tombadas do lábio manso.

 

O céu tecido de azul

De regatos e de touros

Subiu-se desentranhado

Em partos da terra

em Granada.

 

(A medusa quis ser plátano

A palma quis ser cegonha)

 

III

 

A manhã nasce sozinha

Como morreu o gitano

(mas no ventre vem a luz)

Como luz trouxe o gitano

Na palma clara das mãos.

 

Desceu-se mineralmente

Sob o solo de Granada

Dos poemas subterrâneos

Flores nasceram vivas

Sobre o solo de Granada.

 

Flores roxas como o vinho

líquida poesia

Que o coração do poeta

ermado

petrificado

Semeia pausadamente

Com seiva e leivas de sol.

 

IV

 

Nas águas – extensos peitos –

No cascalho e na maré

No manso coito das plantas

Onde existir o poema

seu nome será lembrado

 

Onde a morte houver em luta

Onde luzir a alegria

a água fria da calha

a ardência de um alambique

em luta contra o inverno

Seu nome será lembrado.

 

                   (De “Luas nos pés de barro”, inédito)

 

 

MORTE NAS RUAS

 

Pressenti teus braços

erguidos contra o céu

 

Sobre a terra

cobre e diamantes

acrisolam soldas

no arco-íris mineral.

 

Teu corpo despojado

está no centro do mundo

para fecundar auroras.

 

Entristecido de súbito, o fuzilado

não entende o equívoco

só a certeza crepuscular

da primeira estrela.

 

Ah, esta oferenda bárbara

mais esta

para o legado trágico

do nosso tempo.

 

De que mãos e olhos

nasceram ódios

para mais amargor

lavra nossa fonte?

 

Contínua

seja nossa lida

apesar do fogo

sabemos separar

causa e efeito.

 

Vejamos: atrás de ti

plúmbeo muro aguarda.

 

Outro sangue forte

plantará mais luzes

no anatômico jardim

onde aprendemos

a botânica do herói.

 

Todos cairão

como rubis

baixas cabeças

sobre vulcões dormidos.

 

O que dirão

- companheiros –

entre lágrimas?

 

O que dirão

- companheiros –

quando a morte verter

das entranhas da terra?

 

Terrível momento

quando a vida

num impulso tardio

quer revisitar a memória.

Inutilmente.

 

                   (De “Luas nos pés de barro”, inédito)

 

 

Página publicada em setembro de 2010

 

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