RONALDO MACHADO
Nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul (Brasil) a 13 de agosto de 1971. Professor de História e de Literatura. Mestre em Teoria Literária (Unicamp, 2000). Tem artigos de crítica e teoria literária publicados em revistas especializadas. A partir de 2004 passou a se dedicar à poesia, sendo este seu primeiro livro. Assina o blog www.solecismos.zipt.net
Página pessoal: http://rsmachado.blogspot.com/
De
SOLECIDADES
Porto Alegre: Editora Ébilis, 2007
Na tarde de cinzas
há uma lembrança nesta cidade.
Folhas giram redemoinhos ao pé das tílias.
Essas árvores antigas
vencedoras do exílio e do esquecimento
emudecem por um instante
deixando passar passos lentos.
No vento e no frio de uma tarde
sonhei essas árvores, esta cinzas no chão.
Agora, ouço entre os ramos vazios
as canções daquele sonho
emergem da oferta silenciosa das folhas.
O vento
exalando aromas de invernos e figos maduros
desaplaude as melodias cotidianas.
Ergue muros de silêncio
me salvando dos vizinhos insepultos;
deixa lá fora seus emprestados humores.
Desperta rumores das velhas árvores
Vencedoras da cidade encardida.
Na tarde do sono, o vento
estende um sonho em mim.
Entre a rosa e a espada
o poeta rói palavras
enquanto engole
a hora passada no poema.
corpo estendido no vazio
Busca a ordem da pedra
No que ela corta e não se gasta.
no que ela permanece
no que ela vence
O poema se concreta nas horas
porque é pedra e silêncio
misturados na mão.
no ritmo dos relógios assaltados
percorri os restos da cidade
que se armou de arames e cadeados
erguendo muros de indignidade
vi pobres velhos endomingados
arrastando os olhos baços da idade
pelas carnes podres dos mercados
na agonia de uma última saudade
três mulheres de olhos apagados
raspavam a ferrugem da castidade
com a nudez dos lábios escarnados
em ânsias incontidas de reciprocidade
e na encardida manhã dos condenados
de permeio à areias da sujidade
rompi a digestão dos juízes saciados
mijando nas estátuas da Verdade
Imagem: https://www.google.com/
BABEL poética. fronteiras Ano 1, no. 3 – junho/julho de 2011. Tradução e Crítica. Editor Ademir Ademir Demarchi. Santos, SP: ISBN 2179-3662. Ex. biblioteca de Antonio Miranda
Pampa é pedra.
Se escreve com a agulha do vento.
Pedra onde dormem a linha a palavra.
Urdido nos grãos de silêncio da pedra
o pampa palavra o poema
mancha na página.
**
O Pampa se esparrama sobre a cidade..
Se esvai entre o rio e o mar
lavando arrabaldes e casas com seu grão duro.
Inútil, o rio se apressa em represa.
Ilhados, homens bichos coisas
enregelam ossos.
Na minha rua
o velho alimenta seu cão com restos de flores
Se abriga em seu latido, murmurando
o cão é uma saudade de sol
é uma saudade estendida na praia
Para os lados de lá
nas margens da cidade escorrida
o sol aquece uma última hora.
**
Cavalos encarnados
lascam a pedra da cidade.
me cruzam em silêncio
no baço da íris
Nos seus olhos castanhos
passam escassas distâncias
nenhum horizonte
meu pulmão retém suas asmas
Na mancha dos cascos gastos,
carregam a espumas dos exílios.
**
Nesse Pampa gris
— gris deserto frio —
o velho sem barbas agora se ergue.
Rijo, cerne de carne.
Cruza, só, a praça defronte.
Com a agulha do vento
o velho greta o silêncio da noite
sulcando traços de um simétrico tabuleiro.
E na vastidão lavrada
uma diagonal irriga os canteiros
quadrangulares berços
onde o velho brota
rosas de alabrastro.
**
Na tarde de cinzas
há uma lembrança nesta cidade.
Folhas giram redemoinhos ao pé das tílias.
Essas árvores antigas
vencedoras do exilio e do esquecimento
emudecem por um instante
deixando passar passos lentos.
No vento e no frio de uma tarde
sonhei essas árvores, estas cinzas no chão.
Agora, ouço entre os ramos vazios
as canções daquele sonho
emergem na oferta silenciosa das folhas.
(Berlim, novembro/ 2004)
*
Página ampliada e republicada em março de 2024
Página publicada em junho de 2008 |