QORPO SANTO
(1829-1883)
José Joaquim de Campos Leão, conhecido como Qorpo Santo (Triunfo, 19 de abril 1829 — Porto Alegre, 1 de maio de 1883) foi um dramaturgo, poeta, jornalista, tipógrafo e gramático brasileiro.
José Joaquim Leão, natural da vila do Triunfo, interior do Rio Grande do Sul, após o assassinato do pai em episódio que envolvia a Revolução Farroupilha, em uma emboscada no ano de 1839, parte para Porto Alegre, a fim de estudar gramática e conseguir emprego na capital. Inicialmente trabalha no comércio e a partir de 1850 habilita-se ao exercício do magistério público.
Em 1851 funda um grupo dramático e a partir de 1852 começa a escrever regularmente para jornais da sua província. Em 1855 deixa o magistério público e passa a lecionar em vários colégios, a fim de amparar sua mãe que estava doente, assumindo a direção do Colégio São João no ano de 1856. No mesmo ano casa-se com Inácia de Campos Leão, em 1857, muda-se com a família para Alegrete, cidade na qual funda um colégio, adquirindo respeitabilidade como figura pública, escrevendo para jornais locais e ocupando ainda cargos públicos de delegado de polícia e vereador.
Em 1861, de volta a Porto Alegre, segue a carreira de professor e começa a escrever sua Ensiqlopédia ou seis mezes de huma enfermidade, em 1862, quando parecem manifestar-se, os primeiros sinais de seus transtornos psíquicos, rotulados então sob o diagnóstico de monomania, sendo afastado do ensino e interditado judicialmente a pedido da própria esposa e filhos. Fundamentou-se a alegação de "monomania" na sua "superexcitação de atividade cerebral", sobretudo na compulsão de "tudo escrever", conforme os familiares. De fato, somente no mês de maio de 1866, Qorpo-Santo escreveu 8 peças teatrais, o que é destacado por Guilhermino César. Os médicos de Porto Alegre, então, divergem sobre a sanidade mental de Qorpo-Santo. Este não aceita pacificamente seu controvertido, então, enquadramento psiquiátrico, recorrendo ao Rio de Janeiro, e sendo examinado então por médicos daquela capital, os quais diferem do diagnóstico de monomania, após o autor passar um mês no Hospício Pedro II, não endossando sua interdição judicial. Apesar da liberação pelos médicos considerados os maiores especialistas em saúde mental da época, com um salvo conduto de João Vicente Torres Homem, médico pessoal do Imperador Dom Pedro II (o qual considera que "o paciente goza de boa saúde mental"), a interdição permanece, conforme despacho judicial de 1868 do juiz Correia de Oliveira em Porto Alegre.
Todavia, o estigma estava posto, e o autor se vê cada vez mais isolado. Se diz perseguido ideologicamente e deixa suas atividades jornalísticas em 1873 em função disto. Passa por dificuldades financeiras e tem que abandonar seu trabalho como escritor por algum tempo, fecha seu Jornal "A Justiça", que circula em Porto Alegre e Alegrete e, posteriormente, constitui sua própria gráfica, em Porto Alegre, em 1877, na qual viabiliza e edita a produção da sua "Enciclopédia". Morre de tuberculose em 1883. (WIKIPEDIA)
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POESIA (IM)POPULAR BRASILEIRA. Organização de Julio Mendonça. São Bernardo do Campo, SP: Lamparina Luminosa, 2012. 302 p. 14x21 cm. ISBN 978-85-85-64107-03-8
Inclui textos sobre e poemas de Aldo Fortes, Edgard Braga, Gregório de
Matos, Joaquim Cardozo, Max Martins, Omar Khouri, Pagu, Qorpo Santo, Sapateiro Silva, Sebastião Uchoa Leite, Sousândrade, Stela do Patrocínio e Torquato Neto, apresentados por Omar Khouri, Reynaldo Damazio, Carlos Felipe Moisés, Manoel Ricardo de Lima, Taraso de melo, Julio Mendonça, Carolina Serra Azul, Julia Studart, Fabrício Marques, Renan Nuernberger, Guilherme Gontijo Flores, Carlos Augusto Lima e Paulo Ferraz.
“Este poeta paradoxal, dividido entre um desejo messiânico e purificação e o mergulho dilacerado no borrão da escritura, após uma vida breve e atormentada deixou uma das obras mais intrigantes da literatura brasileira.” JULIO MENDONÇA
“(...) uma sintaxe disjuntiva marcada graficamente por travessões, vírgulas e apóstrofes, impondo, visualmente mesmo, rupturas discursivas e uma desestabilização continuada a cada retrato diverso, a cada transformação da imagem natural, a cada novo discurso (do jurídico ao religioso, da moralidade familiar à referência literária, da retórica amorosa às convenções dramáticas) de que os seus textos parecem se apropriar.” (Idem, citando AGUIAR)
Fui bigorna,
E sou martelo!
INSPIRADORA
Era meia noite,
Senti inspiração!
Mas eu não satisfiz
Ao meu coração!
Escuro tão negro,
De que serviria
Papel, pena, tinta
Se eu nada podia!?
ERRO
Se erro ter parecer veres,
Em algum período leres.
— Não te atrevas a emendar,
— Sem antes me ouvir explicar!
Pode bem ser que o sentido,
Com que o mesmo foi escrito,
Não seja por ti entendido;
Porém só sim — por mim sabido.
PÁGINAS
Oitenta publiquei e duzentas:
Cinquenta, por passar, trezentas
A cadernos novos, tenho outros;
Quinhentas e trinta hão completar:
E mais esta com que não conto,
Por não estar perfeito o ponto!
...
Só eu poderei ler o que escrevi;
já, pela cor da tinta que servi,
Já, pela minha nova ortografia,
Já, por desprezar caligrafia.
UM EMPREGADO
Emolumentos! Emolumentos!...
Quem te — criou — enforcado seja!
Não se — satisfaz como deseja
A minha pança! Oh! que tormentos!
TRIPAS
Chiam-me as tripas,
Quais as fritas
Em frigideiras
Carnes terneiras!
Ou qual caldeirão
De grão camarão,
Ao fogo fervendo,
Barulho fazendo!
Ou qual de água,
Mareta em praia,
Sempre rolando,
Rumores causando!
Ou qual o vapor
Águas sulcando!
Águas saltando,
Rodas molhando!
Ou qual de vapor
Grande estridor,
Águas sulcando
As rodas saltando!
UM QUEIJO
Não sei onde vi um queijo,
Que despertou-me desejo
De logo dar-lhe um beijo!
Comprido e não redondo,
Feito em forma de pombo
Apalpei-o pelo lombo
E quando eu quis cortá-lo,
Gritou o queijo: — Badalo!
Toca a rebate! Fá-lo
Já, depressa, quanto antes
Que diante mim — pedantes
Sinto em forma de amantes!
ROGATIVA
Os ventos levem
Ao mundo inteiro,
— Versos que saem
Do meu tinteiro!
As brisas tragam
Para o meu tinteiro,
— Versos que correm
No mundo inteiro!
QORPO-SANTO. Poemas. Denise Espírito Santo (org.) R io de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. 384 p. 16x23 cm. ISBN 85-86011-36-3 “José Joaquim de Campos Leão”. Ex. bibl. Antonio Miranda
“(...) registro satírico peculiar da literatura brasileira do século XIX, mas que em Qorpo-Santo adquiriu novos contornos em razão da subversão e do nonsense aplicados em seus textos.” Hjgkl;
“Os versos nonsense de Qorpo-Santo têm muito do que mais tarde, no século XX, os dadaístas chamariam de “associação livre” e, neste sentido, trata-se de uma obra que dificilmente conseguiria alcançar, na sua época, o reconhecimento de sua originalidade.” DENISE ESPÍRITO SANTO
Cruzes! Estou hoje tão científico
que até pelos calcanhares sinto entrarem-me
pensamentos, ideias e não sei que mais.
MINHA PÁTRIA
Que! – eu tenho pátria!?
- Talvez esteja
Este mundo inteiro;
- Pátria seja!
Hoje estou – velho barão;
E chamo-me Campos Leão.
ATRAÇÃO
Atrai-me a morte,
Ou chama-me a sorte!?
Será – insana lida,
ou chama-me a vida?
CENSURA
Minhas obras escritadas
não podem ser censuradas!
Pois estão relacionadas
Com as coisas enxergadas!
Delas são — fiel retrato,
Qual de fotografia ato!
SOBRE VALES MEUS
Compraram-lhe os vales
O Senhor Bentinho?
Pois o — amiguinho
Me causou tais males?
Creia, e deveras
- Que as leis severas
Que eu vou guardando
Nem mesmo — brincando
O tolerar podem!
PREVISÃO ETERNA
Com que horrores, ó filhas!
Aos célebres protetores,
Tereis vós — de olhardes,
Se menos felizes — fores!!
Escomungai, ó filhas!
Esses! - já nos verdores
Dos que viveis — anos!
- Evitareis grãos danos!
Já em cinquenta,
Malvadeza sua,
- Separou-me da tua
Amiga e avó!
Não só porém desta,
Da enferma Tia,
Que então gemia,
- De horríveis dores!
Sim, sempre — injustos!
Sempre sim — ferozes!
Levantai as vozes
Maldição eterna!
OBJETOS DE CONVERSAÇÃO
Fala-se com as flores,
Fala-se com os frutos,
Fala-se com as cores,
Fala-se com os brutos!
Fala-se com a tinta!
Fala-se com o papel,
Fala-se com pinta,
Fala-se com o pincel!
Fala-se com as vozes,
Fala-se com os gestos,
Fala-se com as nozes,
Fala-se com os restos!
Com tudo se fala,
Ou se — badala;
De tudo se — diz,
Ou se – maldiz!
Página publicada em maio de 2016; ampliada em agosto de 2016.
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