PAULO ROBERTO DO CARMO
Paulo Roberto do Carmo nasceu em Porto Alegre, em 1941. É poeta, professor e tradutor. Tem participado de diversas antologias coletivas no Brasil e em Portugal.
Recebeu o Prêmio Nacional de Poesia Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional, em 2000. Finalista do Prêmio Açorianos, cidade de Porto Alegre.
Diz o poeta: "Escrevo porque não posso esconder o sol dentro da alma, nem a palavra calada. Escrevo porque entre o homem que colhe e o que semeia, há um homem que sonha o peixe, o pão, o vinho, os alimentos coletivos da alegria, da liberdade, da justiça, a arte de tornar-se humano mudando não apenas a aldeia, mas a mim mesmo. Essa obsessão de libertar a alegria que se aprisiona dentro das palavras, é para aprender a exumar-me de minhas cotidianas mortes."
Blog: http://www.paulorobertodocarmo.com/?pg=8301
“Paulo Roberto do Carmo suscita, dialogicamente, como pretendia Bakhtin, a imaginação do leitor. Bate, desperta. / E tem a capacidade verbal de “isolar e chamar atenção para o que já tempos em nosso poder” (R. P. Blacman). O que vislumbramos, antes. Na memória.” CARLOS NEJAR
JUSTIÇA POUCA
Nenhum homem
há de pesar e medir
a justiça pouca
e proclamá-la
mais que suficiente.
Todo homem
julgado pela consciência
pelos cordeiros do mundo,
há de semear e colher
nas safras a justiça
e apregoá-la
menos que suficiente.
Fica o dito lavrado na pedra,
e intimados
os desvalidos da terra.
CARMO, Paulo Roberto do. Breviário da insolência. Posfacio de Carlos Nejar. São Paulo: Massao Ohno editor, 1990. 84 p. Capa: Faces, óleo de Iberê Camargo. Ilustrações de Vera Rodrigues. 18,5x18 cm
(fragmentos)
Sou tua noite de sal
a causa, o perdimento
o sopro, o poema
o anjo sem medo
a palavra, o tormento
a sombra sem pejo
o bicho insepulto
tua consciência doendo.
*
As mãos que apontam o fuzil,
colhem rosas em abril.
A esquerda louva, a direita açoita.
Se decepar a mão que me fere,
a sua feria aliviará a minha?
Se uma ceifa, outra semeia,
por que a mão, que colhe rosas
em abril, não municia o fuzil
com pólens de chumbo em grão?
*
Pois se o poema
com uma palavra beija
com outra esbofeteia
com uma estocada fere
com outra amanhece<
às vezes mata,
às vezes salva
com a direita esfola
com a esquerda consola
por que não há de ser
o poema capa-e-espada?
CARMO, Paulo Roberto do. Crisbal, o guerreiro. Ilustrações de Stockinger. Porto Alegre, RS: Instituto Estadual do Livro, 1966. 137 p. 16X23 cm. ilus. Tiragem: 1000 exs.
O povo celebra o dia
Ressuscita o Ser
que me anima,
Cristal inflamado no ventre da linguagem
Como coisa que anela
e salta de si,
Ora se eleva, úmida raiz,
E cresce, fruto extinto
Do tempo terrível em que um Anjo
madrugador
Velava
o sono das palavras,
Que eu falo com a voz de todos
e todos falam por mim —
Escudo da mesma forja,
espinho da mesma rosa.
Ensinaram-me tudo isso
Na Infância
E durante minha adolescência
Silvestre de força
Pubescente
Que impelia e repelia
Coisas e loisas.
Com quinze anos
porém
Ao findar meu ginásio —
Não acreditava
um trapo só
Dos preceitos
ditos perfeitos
Que me haviam ensinado
E as coisas se esfumaram —
E eu me esfumei
um pouco mais velho,
Um pouco mais lúcido
Entre o vale e a cidade,
O rio
e a montanha.
A crença-crendice
que me foi incutida
Como coerção ao basbaque
Do meu primórdio
verde
azul
Pintado de alaranjado,
Suscetível ao hausto
asmático —
Visões medonhas
de zulus-zumbis
E o gigantesco basilisco
de Yets
Tornaram de mim
O místico do medo
do preto
Da batina inviolável
(que tolo fui, então!)
Do padre do olhar ferino
Com vocação outra
que não a dele.
Talvez marinheiro
De bebedeiras navegáveis.
Coisa certa,
não posso negar,
O medo me seduziu
E envolveu no medo
Mais medo
do castigo,
do perjuro,
Do contudo da gente letrada
De vocábulo vário
Que atribulava
A minha ingenuidade
De homenzinho sem expressão
Das coisas
Mas num crescendo
em coisas outras —
Mais sérias
Do que o homilhíssimo úmido
Da calça marrom
do bolso de piorras
E bolas de gude.
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Página publicada em abril de 2012. Ampliada e republicada em abril de 2015.
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