Fonte: www.companhiadasletras.com.br
PAULO NEVES
Nasceu e vive atualmente em Porto Alegre. Morou durante vários anos em São Paulo, onde trabalhou como jornalista. Desde 1986 dedica-se à tradução de livros. Em 1985 publicou o pequeno ensaio Mixagem, o ouvido musical do Brasil (Editora Max Limonad). É também letrista e compositor.
Livro de poesia: Viagem, Espera (2006)
UM VELHO
Num casebre de madeira
um velho se apoia à janela,
e olha, talvez, o entardecer.
Atrás dele, atravessando
o interior da pequena peça
onde uma luz parece brotar
do espaço que ele habita,
uma janela oposta se abre
deixando ver, muito próxima,
a escuridão de uma floresta.
Mais funda é a intimidade
transparente do casebre.
(De Viagem, Espera)
VAN GOGH
Seus olhos azuis fulminados.
O amarelo, a luz contorcida.
Corvo, cipreste, girassol.
E aquela vontade agressiva
de raspar, arrancar à unha
a pele podre da vida
e pintar, pintar, pintar
a espessura do que ele via.
(De Viagem, Espera)
FRANCESCO
Não foi virtude
o que ele viu na pobreza
mas o último véu da carne
e esta certeza quase maligna:
nada existe além da carne.
E a carne é somente um meio
de abordar o enigma
que há na carne,
de receber os estigmas
que só se lêem na carne.
(De Viagem, Espera)
HOMEM-SANDUÍCHE
O que exprime esse homem
prensado entre as placas
do anúncio “compra-se ouro”?
ruína? humilhação? o mudo
espelho da multidão?
Seu olhar postiço como a cabeça
me atinge e me faz discernir
no traço grotesco imposto de fora
o esforço por existir
que o anima por dentro.
(de Viagem, Espera)
Página publicada em janeiro de 2009.
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