PAULO HECKER FILHO
(1926-2005)
Nasceu em Porto Alegre em 12 de junho de 1926 e faleceu na mesma cidade em 12 de dezembro de 2005. Formado em Direito pela UFRGS, começou sua notável carreira nas letras gaúchas aos 23 anos, como crítico literário, com seu livro "Diário" de 1949, que recebeu o prêmio PARKS de melhor ensaio do ano no país. Nos anos seguintes, publica diversos livros, não apenas de crítica literária, mas também de contos, poemas e peças de teatro, como "O adolescente" (1952) e "O provocador" (1957).
Em 1986, encerrava uma pausa de 20 anos em publicações, com um de seus melhores livros poéticos "Perder a Vida", laureado com o prêmio Cassiano Ricardo, naquele ano. Posteriormente, outras obras de poesia como "Cartas de Mor" (1986) e "A noite não se importa" (1987), foram aclamadas pela crítica.
Hecker, a partir de 1979, também passou a se dedicar à tradução de destacadas obras da literatura mundial, incluindo os textos de Guillaume Apollinaire, Arthur Rimbaud e Maurice Leblanc. (Fedra Rodríguez Hinojosa/ Ronaldo Lima)
DESASTRE COMO ESTRELA COMOVIDA
Se alguma coisa tenho para dar-te,
Se alguma coisa me sobrou da vida:
Selvagem, mas talvez maior que a arte,
Foi um desastre como uma estrela comovida.
Era quem sabe o que eu pedia ao vento
Quando pulsava o dia como um louco.
Voar, sem fim, sedento de desfazimento,
Em luz, como uma estrela, em força, como um soco.
E sobrou-me esta estrela entre os braços,
Perdida como uma outra nos espaços.
em seu fogo me fundo e me refaço
Para arder outra vez em seu regaço.
E o que trago da vida e reentrego à vida
— Um desastre como uma estrela comovida.
(Patética)
A NEGRINHA
Uma negrinha
no meu quintal
conta os cachinhos
pequenininhos
do parreiral.
Tosse com a cal.
Limpa os olhinhos
no avental.
E de mansinho,
já com soninho,
mexe os bracinhos:
nasce um rosal!
(Patética)
TEU NOME
Falaste teu nome
e sobrevoou o baile
como um pássaro lento.
E ainda não achei mãos
para fecharas asas do teu nome,
para deter
o vôo silencioso do teu nome.
NA BIBLIOTECA
Meninas tão bonitas lendo a esta hora,
em meio à tarde tão arrastada em mim...
História, um volume largo, pesado,
e elas tão bonitas...
Será que gravam o que lêem?
Olhem o que foi feito de mim...
HECKER FILHO, Paulo. Patética. Porto Alegre: Editora Hiperion, 1955. 63 p.
O PEITO POÉTICO
Tenho versos, tenho versos!
Tenho-os pelo corpo todo!
Versos florescem como vermes
de meu peito poético
às minhas mãos e aos pés.
Nascem-me como bolhas na fervura.
Versos, versos, arco-íris de versos!
Não sou alma, não sou valente,
não faço parte do partido comunista.
Invento-me tudo isto ou não me invento.
Estou no mundo, não me pertenço.
Tenho um peito poético, ora bolas!
Sou um viveiro de versos e mais nada.
19.8.1949
HECKER FILHO, Paulo. A Noite não se importa. Capa e ilustrações de Paulo Chimendes. Porto Alegre: tchê!. 1987. 228 p. Terceiro livro de uma Trilogia. Col. A.M.
O AMANHÃ
Tão cedo e eis o amanhã!. . .
Se ainda fossem o ontem,
saberia o que fazer: o que fiz ontem;
eu lembraria, se me concentrasse.
Do amanhã nada sei
e já é hoje.
Deixem-me dormir.
Enfrentar mais um dia,
se já enfrentei tantos?
Antes a noite, a noite.
Deixem-me dormir.
VAZIO
A janela do ônibus vai vendo
casas, famílias, árvores, bois
sendo como se tivessem sentido,
sem saber que Deus morreu.
CIGARRO
A brasa silenciosa me consome o cigarro.
Olho-a e me deixo ir junto, incinerando.
Há um gosto de fim no acre sabor do sarro
e a fumaça me enlaça feito um fantasma brando.
Vou lançando no ar volutas em que esbarro
impulsos de um querer que se desfaz pairando.
E o cinzeiro me dá uma náusea de barro
com a tumba circular das baganas cheirando.
O ameno suicídio de fumar isolado. . .
A vida a reduzir-se à chama que caminha
para o centro de um eu que se vê descentrado.
Me abandono a fumar, fica tudo afastado.
Vou indo pelo tempo à hora que avizinha
de enfim não ter vivido, mas fumado. . .
A FORÇA DA VIDA
Tinhas tudo calculado
e a bem dizer encerrado.
Mas o cálculo era um vício,
qualquer momento é início.
E se não sabes de que,
pouco interessa.
Emudecido o porquê,
a vida é essa.
PÁSSARO
Se digo pássaro, abre-se uma porta.
Vou por ela sair.
Para onde, não importa.
Já consola partir.
Se digo pássaro, treme
o ar com o voo que começa.
As asas, na pressa
de subir, são o seu próprio leme,
e saem de uma cruz
para o ar, para a luz!
Regra é a natureza morta,
como as horas rastejam!
Mas de repente beijam
o céu, se digo pássaro.
Pássaro!
Abre-se uma porta.
Página publicada em fevereiro de 2009 - ampliada e republicada em dez. 2013 |