PAULO CORRÊA LOPES
(1898-1957)
Nasceu na cidade de Itaqui em 19 de julho de 1898. Paulo Corrêa Lopes, órfão de pai aos 11 anos, emigrou com a mãe Maria Dolores para São Paulo, onde realizou as primeiras letras e formou-se professor com o diploma de normalista, em 1918.
Em suas inquietas andanças esteve no Rio de Janeiro atraído pelo ambiente literário e lecionou primeiras letras no interior de São Paulo. Colaborou para diversas revistas e jornais do Rio e de São Paulo. Voltou definitivamente para Porto Alegre em 1929, onde exerceu várias atividades: professor, redator de jornal, prático de farmácia e sendo oficial administrativo da Secretaria do Interior, cargo em que se aposentou em 1948.
Revelou-se grande modernista após a experiência parnasiana de Penumbra, em 1919. As obras seguiram-se em pequenos volumes, em que se encontram as vivências de uma alma em luta com os valores transitórios em busca da união perene com o Amor absoluto. Os títulos significam as tendências de um homem: Poemas de Mim Mesmo, 1931; Caminhos, 1933; Poemas da Vida e da Morte, 1938; Um Estranho Caso (livro de contos), 1942 e, Canto de Libertação, 1943.
Casou em 19 de julho de 1939 com a Bacharel Iris Pothoff. Em 1957, Santiago Naud, diretor da Divisão de Cultura da Secretaria Estadual de Educação, conseguiu reunir as obras anteriores e alguns outros poemas em livro sob o título Obra Poética, com texto de prefácio, a poesia essencial, de Guilhermino César. Veio a falecer a 9 de setembro de 1957.
SALOMÉ
Só, na cisterna, João Batista em prece
sonha. Estende-se a noite silenciosa,
e, na nudez da solidão piedosa,
o desespero que o tortura esquece.
Dorme o palácio. Salomé ansiosa,
como pantera atroz que se enraivece,
em contorções se agita, e se estremece,
debruçada num tálamo de rosa...
Quase nua se ergue, e altivamente,
nos estos da volúpia que a devora,
desprende as tranças sobre a espádua ardente.
Treme-lhe o lábio aparecendo um beijo,
clama pelo Profeta, e anseia, e chora,
nas algemas da carne e do desejo!
O CONDOR
Asas pandas, veloz, o condor no infinito
voa, e paira sobre o pantanal imundo,
intimorato afronta o sol auriclinito,
e o tredo vendaval que ruge furibundo!
Surto a surto, soberbo, em seu sonho profundo,
lança na vastidão um soberano grito...
Quer transpassar os céus, fugir do torpe mundo,
—na terra vem pousar desenganado e aflito.
Também, ó sonhador, que procurais a glória,
que desejais traçar o ambicionado norte,
que o nome quereis ver nas páginas da História,
cuidado! Que trilhais uma fatal descida,
porque dentro da vida encontrareis a morte,
— sereis dentro da morte uma ilusão de vida!
LOPES, Paulo Corrêa. Obra poética. Porto Alegre, RS: Instituto Estadual do Livro, 1958. 281 p. Capa e planejamento gráfico: Glênio Bianchetti. Retrato (bico de pena) do poeta por Alice Soares. “ Paulo Corrêa Lopes “ Ex. bibl. Antonio Miranda
QUADRAS
Andei por terras misteriosas,
também sulquei mares medonhos.
Trago-te rosas, muitas rosas,
trago-te sonhos, muitos sonhos.
Se não guardares com carinho,
minhas quimera, minhas flores,
que na tortura do caminho
deram perfume aos sofredores.
Verás minha alma soluçar,
verás meu peito estremecer,
em cada rosa que murchar,
em cada sonho que morrer.
BALADA DA MULHER PERDIDA
Velha vidraça dolorida
conta-me a história misteriosa
dessa mulher incompreendida,
misto de pântano e de rosa.
Conta-me a história amargurada
dessa mulher incompreendida,
que como folha desgarrada
anda rolando pela vida.
Narra-me, ó mísera vidraça,
a dor dessa mulher perdida
que chama em vão alguém que passa
dentro da noite adormecida.
Alguém que passa indiferente
dentro da noite adormecida,
e não escuta a voz dolente
dessa mulher incompreendida.
Alguém que passa desolado,
a pensar de alma comovida,
na pobre história de um noivado,
que é toda a história de uma vida!
Velha vidraça dolorida
conta-me a história misteriosa
dessa mulher incompreendida,
misto de pântano e de rosa.
VIDA
Não sei nada da vida
canto apenas a hora que foge.
Deve haver qualquer cousa de pássaro e de rio
no meu destino...
QUADRAS
Matei para não morrer,
morri para não matar.
Estou no céu ou na terra,
estou na lua ou no mar?
A noite, cheia de pena,
procura me consolar.
Deixa-me, noite, sozinho,
deixa-me, noite, chorar!
Eu era como um peixe,
feliz, feliz, a nadar.
O anzol da desventura
tirou-me do fundo do mar.
O vento sopra tanto,
que mando o vento parar.
Deixa-me, noite, sozinho,
deixa-me, noite, sonhar...
Página publicada em abril de 2016
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