PAULO BENTANCUR
A editora carioca Bertrand Brasil apostou também na Poesia. Lançou uns poucos títulos de poetas consagrados e em ascensão: Miguel Sanches Neto, Carpinejar, Maria Carpi, Jorge Wanderley e o Thiago de Mello. De várias gerações. É possível que tenha lançado outros. O livro do gaúcho Paulo Bentancur é de 2005. O autor, além de poeta, fez incursões pela crítica, literatura infanto-juvenil e prosa de ficção adulta. Ativista cultural, ganhador de prêmios. Um nome que, segundo a apresentação estampada na contra-capa, com sua obra ""Bodas de osso", aponta para uma encruzilhada na poesia brasileira contemporânea. A ficção invade o poema, e o que antes era música e lirismo ou puro rigor de construção, agora virou trama sugerida, resíduo a revelar um mundo que tem cheiro, cor, peso, memória e descobertas do tempo presente que abrem mão do eterno em favor do que é mais humano. Não se trata de autobiografia do poeta, mas do casamento, sempre difícil, do homem com a vida."
Não explica muito, dá a pista... Como tem que ser, por certo, uma apresentação. Uma breve leitura de um dos aproximadamente cem poemas curtos do livro, revela um poeta bastante coloquial, mas sem ser banal. Gostei. Parece despretensioso, mas é incisivo, disfarça certo desconforto . E se aventura pela metapoesia, apesar de noviço. Por que não? Cada um que se defina. Afinal, o que se constata mesmo é o que o poeta produz. Não o que anuncia. E Paulo Bentancur está num processo de
superação vigoroso." A. M.
De
Paulo Bentancur
BODAS DE OSSO
Poemas
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
140 p. ISBN 85-286-1101-9
PARTO
O espaço enorme, a folha em branco.
O poema abre os olhos, ainda não-poema.
Dá passos desenhados no papel, com a boca
muda se desloca lento.
Nascem juntos autor e obra.
Reconhecimento, o primeiro instante.
Depois cada um parte diferente,
e sozinho.
CONCERTO BRANDO E BURGUÊS
Domingo de alumínio.
O vapor da chaleira
no céu baixo.
Estamos na Idade do Bronze,
há gordura na pia
e meias palavras escorrendo.
Cansados das improezas,
os parentes se distraem no relógios.
Sobrevivendo,
o dia na prateleira.
ÚLTIMO PRESENTE DE MÃE
(Generosa, mesmo no fim.)
Precisei de sua morte
para poder chorar por mim.
POESIA SEMPRE. Árabe Contemporânea. Número 24. Ano 13. Editor Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2006. 201 p. No. 10 368
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
Cegueira
Cabeça erguida, olhos feridos,
a plena luz solar, exasperada
com a inocência desta face, desta
busca frágil no inalcançável.
O sol azul esbranquiçado
em torno ao hematoma prata
da explosão, raios que matam
a tardia defesa:olhos fechados.
Mesmo na falsa escuridão interna,
bombas douradas espocam
contra a parede imaginária
da pálpebra cansado do encanto.
Arte de sangrar
Torcido como corda sem a música,
o músculo retesa todo gesto,
força além do suportável.
Os poros expelem ouro, refletido,
liquefeito, suor que acaricia
a pele já cansada deste dia
recém chegado em seu meio.
Meio-dia: um terço
Ponteiros perfilados tão juntinhos
apontando para cima, no relógio,
avisam: meio-dia. Não é verdade.
Há seis horas, um homem acordado,
tem mais doze horas pela frente.
Uma pausa para jantar, pelas dezoito,
e o sono que virá à meia-noite.
Assim, o meio-dia, que contamos,
na aritmética dos acordados,
é apenas um terço do vivido.
No chamado meio-dia estão embutidas
seis horas inaugurais, tempo sonhado.
Página publicada em abril de 2025.
Página publicada em janeiro de 2011
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