Foto extraída de https://nuhtaradahab.wordpress.com/2009
OSCAR BERTHOLDO
Nasceu no ano de 1935, em Nova Roma do Sul, e foi assassinado durante um assalto, em fevereiro de 1991. Considerado a voz mais expressiva da poesia da Serra Gaúcha e um dos maiores poetas contemporâneos do Rio Grande do Sul. estreou em livro participando da antologia "Matrícula" (1967). Foi a primeira vez que um livro de poesia editado no interior do estado gaúcho recebeu espaço nas páginas dos jornais da capital. Depois publicou: "As Cordas" (168), "O Guardião das Vinhas" (1970), "A Colheita Comum" (1971), "Poemimprovisos" (vencedor do prémio do Instituto Estadual do Livro/1973), "Lugar" (vencedor do I Concurso Nacional de Literatura da Caixa Económica de Goiás/1974), "Vinte e Quatro Poemas" (1977), "Arvore & Tempo de Assoalho" (1980), "Informes de Ofício e Outras Novidades" (1982), "Canto de Amor a Farroupilha" (1985), "CAntigas" (1986) e "Momentos de Intimidade".
Participou de inúmeras antologias, entre elas: "Histórias de Vinho", "Vinho dá Poesia", "Arte & Poesia" e "Poetas Contemporâneos Brasileiros - Volume 1", esta a primeira antologia publicada pelo Congresso Brasileiro de Poesia.
Após sua morte foram publicados: "Amadas Raízes", "Poemas Avulsos", "Boca Chiusa" e "Molho de Chaves", além de poemas nas seguintes antologias: "Poeta Mostra a Tua Cara - Volume 4", "Medida Provisória 161", "Poesia de Brasil - Volumen 1", "Poesia Brasileha para el Nuevo Milénio", "Poésie Du Brésil
- volume 1" e "Poesia do Brasil - volume 1", livro que inaugurou a série de antologias oficiais do Congresso Brasileiro de Poesia.
Além dos prémios do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul e da Caixa Económica de Goiás, obteve ainda dois segundos lugares em importantes concursos literários: no "II Concurso Nacional de Poesia Sobre o Vinho" e "Prémio Master de Literatura/1986".
Foi um dos maiores incentivadores do movimento cultural da Serra Gaúcha, exercendo forte influência em todos os movimentos literários surgidos entre os anos 1960 e 1990. Teve decisiva participação na criação do Congresso Brasileiro de Poesia, do qual foi uma das grandes atrações em sua primeira edição, vindo a ser assassinado poucos meses antes da realização do segundo evento.
POESIA DO BRASIL. Vol. 5. XV CONGRESSO BRASILEIR0 DE POESIA. Org. Ademir Antonio Bacca. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural Sur - Brasil, 2007. Ex. bibl. Antonio Miranda
O Poeta Rústico
Quando não houver mais o ofício
de guardar no corpo a razão de ser,
os arados conferirão as encostas,
terei a noite nas mãos.
Nunca soube medir as redondezas
das raízes nem o rosto fatal
dos que ainda não nasceram.
O vale é hóspede que se demora.
Meu outro lado necessário,
de dia nos olhos, de noite nos ouvidos
nem bem nos olhos e nos ouvidos
mas amplo dentro de mim —
árvore com as medidas dos frutos
a todos os que passarem.
Longe daqui sou condenado,
conheço a vida sem crepúsculo,
junto à mesa o sofrimento arde
como lenha seca, o tempo é lento.
Quando sós, as frutas são mais doces.
Sem ambições, nutro poemas serenos
cato seiva à força e
mais fundo o amor. Sou precário
no tamanho do mundo.
Primeira Ternura
Hei de ser sagrado quando plantar.
E planto entre o juízo final
e o trigo, tanta solidão
prometida às raízes sem rumo.
Emocionado, retenho em honra
o simples desejo de coincidir
com os seres sofridos.
Por isso cavo-me, planto-me
sinto a emoção das antigas sandálias
de quem conhece a verdade.
Não sei se venho do húmus,
Se venho de ser remido
para a haste cansada do mundo
amparo espigas e sulcos
sem limites de culpa.
Estarei descalço, faminto quando
a noite chegar, adivinhando
o suor sobre o peito.
Cheiro de vicissitude
cumpre dizê-lo de novo:
ó momentos volúveis de virtude,
talvez eu vim
Tema da Menina Amada
Como eram imensos os verdes olhos
da menina que levava a vaca
a pastar no vale sempre contínuo de
paciência. Provavelmente
alguém a tomaria por um anjo
da guarda, com os pés nus no chão
e os seios intumescidos pelo vento
perfumado. Não há nada
de postiço na menina que apanha
flores agrestes, exibindo-as sem
cuidado algum aos seus sentimentos
de silêncio. Não se ouve mais
do que o bando das flores colhidas
cirandando os vedados limites
dos olhos verdes da menina
que leva a vaca a pastar a domicílio.
Só o amor sabe povoar o vale
atarefado onde tudo é rígido,
ávido de mãos e inumeráveis
lendas de viagens tão antigas.
Como eram diligentes os olhos
da menina que sabe estar só
e sofre sem disfarces.
Do Quase Amparo
Os ventos não são feitos de barro,
é de fogo umedecido o corpo
dos que nascem sentados
à soleira do dia da cólera
só um barco suicida para soltar.
para o começo de todas as cantigas
um manto solto sobre o sofrimento
guarda consentidas magnólias
para o homicídio da poesia.
É preciso debruar o pudor
dos braços arrastando as estrelas,
reunir em torno da casa
as confidências sem avesso.
Em vão os velhos retratos
domésticos procuram
reter o vento, erva
amarga do abandono.
como ontem o medo assiste
às núpcias do exílio, por instinto
a morte empurra a noite.
Soa sem perspectiva um clarim
com ânsia de acordar a raiz,
faço-me princípio.
Retrato Civil
Não nasci para ser lavrador de rimas
— Deus seja louvado,
cultivo os sulcos de chegar do outro lado,
ânfora do meu nome
sobre o beiral do mundo.
Nasci sem a raiva de viver
tão devagar, de manhã ordenho
minhas mãos lavradas em sonhos,
este ofício de cuidar dos pomares
do meu próprio rosto.
Aqui, as palavras cavalgam
o cheiro dos currais
sei que as raízes catam
as redondezas do bem e do mal
e a borra amarga do vinho.
Espero-te como lavrador em todas
as formas do sofrimento humilde
herdei o frágil desamparo
de estender minhas lembranças.
Fui criado para ser o lavrador
devo arar a agonia
e com as mãos calejadas escrevo
os disfarces de minha alma.
Página publicada em outubro de 2020
|