POESIA NEGRA BRASILEIRA
Oliveira Ferreira de Oliveira nasceu em Rosário do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil, em 1941. Vive em Porto Alegre. Publicou GEMINOU (1962), POEMAS REGIONAIS ((1968), BANZO SAUDADE NEGRA(1970), DÉCIMA DO NEGRO PEÃO (1974), PRÃCA DA PALAVRFA (1970), PELO ESCURO (1977). Participou de muitas antologias.
Formado em Letras, Oliveira Silveira é pesquisador e historiador, além de ter o mérito de ser um dos idealizadores da transformação do 20 de novembro em data máxima da comunidade negra brasileira.
MÃO-DE-PILÃO
Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
Mão-de-pilão.
Longe que é, longe que fica
e a mão-de-pilão esmurrando a cangica.
Longe que é, longe que fica
e a mão-de-pilão tocando cuíca.
Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
mão-de-pilão.
Socando, socando aos sol da manhã,
o eco na serra parece tantã.
Bate, bate... pra quê bate tanto?
Longe tão longe que não adianta.
Água no oco,
palha, grão.
Soca, soca,
mão-de-pilão.
O MURO
eu bato contra o muro
duro
esfolo minhas mãos no muro
tento longe o salto e pulo
dou nas paredes do muro
duro
não desisto de forçá-lo
hei de encontrar um furo
por onde ultrapassá-lo
TRANSMISSÃO
Querem que a gente saiba
que eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Por isso te repito:
eles foram senhores
e nós fomos escravos.
Eu disse fomos.
NEGRINHO
Um naco de fumo escuro
negrinho
da tua cor, no monturo.
Um toco de pito aceso
negrinho
cor de teu sangue indefeso.
Muito estancieiro safado
negrinho
formigueiro à beira-estrada.
Contra as manhas dessa malta
negrinho
se vai de cabeça alta.
E peço: clareia o rumo
negrinho
de teus irmãos cor de fumo.
Extraídos de: ANTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DA POESIA NEGRA BRASILEIRA, organização de PAULO COLIMA. São Paulo: Global Editora, 1982. 103 p.
De: Banzo, saudade negra, 1970:
O negro de fogo
~
O negro de fogo
que usava camisa encarnada i
ncendiou o futebol
incendiou o samba
a rumba
a conga
o espirituaL
e o coração das mulheres.
O negro de fogo
enrubesceu maçã do rosto
de encabuladas moças
pintadas de ruge e batom.
O negro de fogo
de carvão e brasa
piche e sangue.
O negro de fogo
Incendiou a União Sul-Africana
e lançou fósforo aceso
sobre os Estados Unidos
(que assim não era possível).
O negro de fogo
pôs labaredas (não era possível)
nos organismos internacionais.
O negro de fogo
(assim não era possível)
atou num poste e jogou na fogueira
o ditador português
e Sua Majestade Britânica
O negro de fogo
- sempre chamado de sujo -
para ter bem-estar físico
impôs ao mundo uma higiene mental.
E assim - queimadas a gaiola, a grade
purificado o ar e limpo o céu -
entoou com voz azul
seu canto de liberdade.
De: Cadernos negros: os melhores poemas, 1998:
Outra nega Fulô
O sinhô foi açoitar
a outra nega Fulô
— ou será que era a mesma?
A nega tirou a saia,
A blusa e se pelou,
O sinhô ficou tarado,
Largou o relho e se engraçou.
A nega em vez de deitar
Pegou um pau e sampou
Nas guampas do sinhô.
—Essa nega Fulô!
Esta nossa Fulô!,
Dizia intimamente satisfeito
O velho pai João
Pra escândalo do bom Jorge de Lima,
Seminegro e cristão.
E a mãe-preta chegou bem cretina
Fingindo uma dor no coração.
—Fulô! Fulô! Ó Fulô!
A sinhá burra e besta perguntou
Onde é que tava o sinhô
Que o diabo lhe mandou.
—Ah, foi você que matou!
—E sim, fui eu que matou
—Disse bem longe a Fulô p
ro seu nego, que levou
ela pro mato, e com ele
aí sim ela deitou.
Essa nega Fulô!
Esta nossa Fulô!
1979
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