MAYRA COELHO
Natural de Santa Rosa ( RS ), formada em sociologia, empresária, cronista, contista e poeta. Obteve o primeiro lugar no Festival Nacional de Música, Poesia e Contos de Paranavaí (1998), na categoria poesia. Em 1999, primeiro lugar na categoria conto e terceiro lugar na categoria poesia, no mesmo festival. No ano de 2005, com o poema “ In extremis”, foi um dos trinta classificados no Prêmio Poemas no Ônibus, em Porto Alegre. “Abriria mão de quase tudo, menos de poetar. A poesia é minha libertação, e minha danação, a um só tempo. A ligação vital entre meu mundo interior e meus semelhantes, minha maneira de afirmar que, mesmo no caos dos enfrentamentos cotidianos, é possível emocionar-se, amar, e sermos pessoas. Ao poeta é permitido sonhar, embriagar-se de vida, e até enlouquecer. Ao poeta, porém, é proibido calar”.
POESIA DO BRASIL. Vol. 5. XV CONGRESSO BRASILEIR0 DE POESIA. Org. Ademir Antonio Bacca. Bento Gonçalves: Proyecto Cultural Sur - Brasil, 2007. Ex. bibl. Antonio Miranda
Para tocar-te
Para tocar-te, faço-me ave em vôo silencioso,
para além do mar, para além de mim,
e pouso.
Antes, no beiral da tua janela,
entre o vaso de gerânio e a paisagem.
Depois, num sopro a acordar teu corpo,
roço teu peito, tua nuca, tuas costas,
e te percorro,
pele, pêlos, cheiros.
Minha umidade matando tua sede,
teu desejo marcando minha carne.
Minha língua cala tua boca
bebendo teu espanto.
Digo teu nome e resvalo pela tua carícia,
conduzindo a urgência de tuas mãos
pelos atalhos antes do destino.
A lascívia emudecendo a dama,
a libertina gemendo em tua cama.
Beijo teus olhos,
lavo tua face,
e no desatino, buscando tua posse,
rogo pelo gozo que te fará meu dono.
Tua voz me aquieta e aponta a rota para a calmaria.
Assim entregues,
enlaçadas nossas almas, unidos nossos corpos, voamos juntos para além do mar,
para o silêncio, para a redenção.
Entrega
Livre de vestes e pudores
deito em teu corpo,
enlaço tua carne,
como o mar, que cercando a ilha,
se espraia sobre a areia.
Leva-a,
molha e se alimenta,
tem sem possuir,
demarca,
arranca pedaços, faz um leito
como agora no teu corpo eu faço.
Assim me entrego,
em ondas te explorando,
e tal a ilha, que acolhe a branca espuma,
teu desejo me recebe.
Voam gaivotas sobre o nosso ninho,
e em suas asas meu grito silencia.
Temores
Temo o engano dos sentidos,
os superficiais afagos e os lábios de sorriso fácil.
Temo a face oferecida como hóstia,
carne da tal carne,
o abraço circundando o peito e o grito.
Temo os líquidos vertidos na escuridão das entranhas, que correm sem destino,
e escorrem para o chão, para a alma,
por onde houver caminho,
fendas vorazes e vazios
repletos de desejos nunca satisfeitos!
Temo os desatinos matinais que azedam o peito
e envenenam a boca do recém-nascido.
E o suicida
que esparrama remorso no ladrilho do banheiro,
vermelho, eterno,
irrespondível!
Temo as manhãs ensolaradas, de brisas suaves, trazendo cheiros que só os cães farejam,
pútridos odores disfarçados à lavanda e risos.
A lucidez, proclamando verdades que já nascem mentindo,
e o medo, escorrendo gelado até a ponta dos dedos.
Temo esse estar à deriva,
à sorte de sentimentos vagos,
onde a curva do horizonte deita-se sobre o dorso
de serpentes
e convida.
Leito
E te chama ela, para a cama,
é tarde, a esposa chama,
e me deixas no vazio da noite insone e nua!
A quem hei de chamar?
Sou só a amante,
muito mais de ti, que ela tua.
Esta é a chama,
que arde mais em mim que nessa cama
onde vais deitar apenas teu cansaço,
e saciar, mais que ser saciado,
porque há de ser em meu regaço
o teu repouso verdadeiro.
Vertendo teu gozo em minha carne,
dominando até minha vontade,
serei teu leito, nunca tua cama,
para onde virás, sem que eu te chame!
Milagre
Milagre
é quando meu corpo encontra teu corpo
num momento de magia rara,
e distribui pedaços de minha alma
em gesto sem medida,
com vagar e calma.
Milagre
é quando juntas à tua alma meus pedaços,
e num instante de harmonia rara
divides com a minha
a tua vida!
Alma gêmea
Pedaço arrancado de meu ser,
minha luz e minhas asas!
Sopro exalado de meu peito,
visão do meu olhar, voz do meu canto,
plenitude e saciedade!
Onde buscar-te,
se já me perdi em descaminhos e os desvios são tantos? Sem te encontrar sou sombra, vela sem vento, moldura sem retrato, incompleta, vivendo por metade!
Página publicada em outubro de 2020
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