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MARILICE COSTI
Nasceu em Passo Fundo, vive em Porto Alegre, RS, Brazil. Entusiasta da vida. Escritora, palestrante, oficineira. Especialista em Arteterapia, mestre em Arquitetura (UFRGS), criadora da revista O Cuidador. Prêmio Açorianos 2006 em poesia, tem 8 livros publicados. Cuidadora mãe, avó e bisavó jovem. Diretora de SANA ARTE www.sanaarte.com.br
Extraído de
COLETÂNEA DE POESIA GAÚCHA CONTEMPORÂNEA. Organizador Dilan Camargo. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2013. 354 p. ISBN 978-85-66054-002 - Ex. bib. Antonio Miranda
DOS LUGARES AFINS
fachada máscara armadilha bordel labirinto
baús mansões adega solário pátios armários
coberturas escondem masmorras?
todo mundo no fundo um porão
corredores escuros sobrado porta janela
pode alçapões para o céu
livre tramela aos amigos
no térreo calor há espera
cálices a guardar vinho
no carinho posta a mesa
mas só casa com outra casa
gerânios com lambrequins
se ge(r)minarem um sótão
daí, que pode o delírio
BRINDE AO DESNASCIMENTO
a incerteza faz com que se trilhe espinhos
no ir e ouvir que entorta o singular do ser
lamber carinhos em aromas mergulhados
entornam rejeição no ato de empreender
trinitroglicerina em fios de telefone
polaridades em resmungos sem tesão
provocam um sentir sem força que se dome
o canto, que encanta, perdeu a compaixão
você, que se articula, um rol a dizer não
no abrir e fechar portas — múltipla explosão
ao ser distante é fácil decompor carinhos
há mortos escondidos em certeiro vão?
ah, metida abelha em noturnos vendavais
tentando remover coturnos e metais
bendiga o rumo a decompor-se em tempos tais
desapareça — é águia — sem dizer dos ais
você, insanas as palavras que profana
e doces as agruras que sem tino emanam
fraturam os cristais de vida entrecortada
e as coisas sagradas são sílabas passadas?
você, inquieto ser - interna mutação
que em fogo afunda no sentir-se em confissão
ao encolher o pranto, preencheu e alinha
na profusão que vêm minúsculas gavinhas
você, homem distante num moinho andante
de pavio curto, feito pra queimar os dedos
as notas fiscais se parecem com torpedos
e seguem frágeis passos de um meliante aos beijos?
você, ao rejuntar e ao dar acabamento
desbrava a cor premente de um amor partido
é tipo cadafalso, o que fabrica trincas
e ao se alongar num voo morto é que se estica
você foi rendilhado e colorida fita
mas descortina um ser que entrega-se ao poder
com dor e raiva assim, e a fala que entica
é um colo de mulher no ato de querer
você complica o jeito de cumprir natais
no desfazer da vida ao descuidar demais
de quem se despe ao escancarar o próprio couro
e o joga ao lixo ao irromper, desnasceu ouro
você, impaciências que reverterão
policromias, se não for só sedução
se autoestima não partir de grande esforço
ao coroar o pão, prepara um ser deposto
você, um amor que machuca no viver
mistura entalhes e rupturas ao conter
de gota em gota, um respingar na horizontal
na escadaria sem degraus nem patamar
você, incompreensão, indefinido ser
um laço a decompor calor em desalinho
melhor rasgar que rastejar ao belprazer
sangrando em algodão, bordô, impuro vinho
não quero ser aquela, a outra que estraçalha
nem sou tal alfonsina, se a paz é desatino
ao relançar caminho, ao por a luz na malha
destruo a nota falsa e encontro um novo hino
há féretro que aporta de um navio advento?
guerra sem armas que fermenta e é tudo ou nada?
no cais ao desfraldar a caravela ao vento
renascerei ao perceber a quixotada
bandeira brasileira em corpo embalsamado
tem cores do Rio Grande em meio a lambrequins
envolto neste pano, cupins de antepassados
enterrarão o amor, que tanto foi, enfim.
Página publicada em maio de 2018
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