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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

LUIZ DE MIRANDA

 

 

nasceu em Uruguaiana em 1945. Ex-estudante de Zootecnia, Teologia e Filosofia. Jornalista e publicitário, colaborador do Jornal Movimento, Caderno de Sábado do Correio do Povo, Suplemento Literário de Minas e outros. Em 1971 conquistou o Prêmio Estadual de Poesia.

 

OBRA: ANDANÇA, Cadernos do Extremo Sul, Alegre-te, 1969;          MEMORIAL, Ed. A Nação/IEL, Porto Alegre, 1973; e SOLIDÃO PROVISÓRIA.

 

 


Poemas extraídos de:  CADERNOS DE CULTURA GAÚCHA.  6 Poetas Gaúchos: Armindo Trevisan, Carlos Nejar, César Pereira, José Eduardo Degrazia, Luiz de Miranda, Tarso Fernando Genro.  Porto Alegre: Diretoria de Atividades Culturais, Assembéia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 197-?  72 p.

 

 

SOBREAVIDA

 

Sobreavida deponho

desde Uruguaiana

de uma rua secreta

a tudo o que nela era

pedra, pó, brilho de árvore

contra os olhos

respiração de grama

debaixo dos pés

 

De um tempo que o viver

era ir ao esmeril do sol

movendo nas hélices de abril

os aniversários

o tempo escorregando para dentro da memória

 

De um tempo, lá em casa

ontem e hoje

esperança no meio do lábio

de lixa contra o léxico fácil

de chinelo à beira da cama.

 

Lá em casa

não se mora mais

a vida é depositada

como num álbum de família

é uma fotografia secreta

que se movimentou um dia, um dia

e hoje está quieta

de bruço num móvel qualquer

 

à porta não há mais

a estopa, a chave

agita-se à entrada a ferida grave

que é o tempo corroendo à madeira

não há mais a fome de ir embora

e ficar pulsando

fechado

como um relógio

 

Lá em casa

minha mãe Francisca

espia minha vó Francisca
que detrás de 110 anos espia

como se viva

o rumor de escuro

agora calado na minha face

o rumor de sal

(de charque na cozinha)

de pó na minha pele

 

A casa não há mais

mas dentro

o coração do homem é uma casa

a artéria principal é o corredor de ar

que desce dos pulmões

que translada a fala sobre o fogo

e sobrevive ao pé do ouvido a palavra

que um dia foi à cidade

e os amigos enfiados nela, depois

pelos cárceres debaixo da tarde

os amigos, depois, dentro da renúncia encarnada

debaixo do solo

 

Sobreavida deponho

à esquerda

o astigmatismo sobre objetos próximos

como Imposto de Renda, SPC, escova dental

sobre o que entulha no hálito

e outros objetos esquecidos

como tinteiro, pena, mataborrão, classe estudantil

e o depósito de folhas no quintal

 

Sobreavida, aqui e agora

é mais cara a pulsação de sangue

o barulho estrábico das multinacionais

o contrato de risco

o petróleo

e Allendre morto

tudo à mesa

como num quadro surrealista

e cá dentro o coração baqueia

sua tristeza arterial

e sob tramelas

inauguramos um destino mais feroz

a colocar a indagação de flor

surgida numa estação qualquer

 

 

(De “Solidão Provisória”, inédito)

 

 

 

 

DESTERRO

 

Não sei como se instala

o estampido no peito

sei o incômodo

de uma bofetada arterial

 

Sei do que vem

como o levantado das folhas

de outono

e o que se alteia

é mineral quebradiço

antanho ou espelho

de se rever por piedade

o que de nós ficou apenas como previsto

 

O que se vive agora

faz sentido todo o tempo

é presilha certeira do ganho

da perda

que por mais ignorada

é sempre dor, embora coagulada

 

O que se vive agora

é sempre mais difícil

o défice da tristeza lesa

e a lisura do silêncio

é branco quase lousa

 

O que se vive agora

é todo o tempo

na rua Aquidaban

onde fui de olhar estático

o calor tramitando no chão

o renovado mover da manjerona

e o que ficava era luz de abril

pobre e febril

como a pele do sono

 

Lidar com o que se vive

nunca pude por inteiro

era veloz demais o que vivia

era traiçoeiro demais o que ficava

e cá eu fico mais só

à espera do que seja declarado

como água derramada

o clarão destampado da manhã

 

Cá eu sei pouco dos estampidos noturnos

do que voa dentro do escuro

como a bala que um dia me matou

como aquela, outras balas voam

muito pouco se pode

raro é o dia que alguém lê

mas o poema é tudo

sobretudo

movimento

 

O que se vive

nos delega o jogo subtraído

que é vida, escuro porão,

roupa de brim veste-se hoje

ao fim

ou desde a lucidez que a morte é

ou por últimos somos

diante do interrogatório

uma sombra dura

uma resistência que sangra

 

 

(De “Solidão Provisória”, inédito)

 

 

 

 BUENOS AIRES, BUENOS AIRES

 

Buenos Aires, Buenos Aires

somos todas as distâncias

num mesmo parentesco

dentro da polia de ar

que é o vento

do condensado às nuvens

que é a chuva

em Nuestra América

onde viajamos distintos

sob a mesma disciplina

de cantar e cantar

o que dela nos ensinam

seus campos de trigo e espera

 

Cantar à parte da vigia

estabelecida pelos donos do poder

e domamos o destino

a cabresto e raiva

e o viver desatamos

onde ninguém atina

somos a mesma disciplina

e uma tarde é uma tarde

apenas na paisagem

o entardecer é a viagem

contrária à via clara do dia

é um copo de bruço

 

Em Buenos Aires entardecemos

Em Porto Alegre entardecemos

Aqui e lá permanece o provisório

a surpresa a costurar

nossos espaços em branco

 

Por detrás desse tempo aparente

outro tempo se inaugura: o presente

O presente sempre pressente

até os gritos apagados

que neles vibra um acordo

não desfeito

um olho que espia

de um silêncio afogado

 

Pelos cantos da casa

um olho clínico investiga

os desaparecimentos e os suicidas

e os que com vida se anunciam

pelo nome

 

Ao longo desta Nuestra América

a tábua da lei

não obedece ao coração

é um cordão

engolfado de uma adolescente tristeza

 

O presente vem arreado

de arredores móveis

que liberam o frio da alma

o andamento das folhas

sob o vento

o medo triste de morrer

antes do tempo

 

Ao longo desta Nuestra América

uma estatística de coragem

caminha e se proclama

de quem de só não desanima

e nos ensina o lado oposto

de desgosto

 

Em Buenos Aires

Miguel Angel Bustes, Chico Urondo

e Juan Gelman

estabelecem um regime poético

e resistem ao mal nascido

Ás sombras do coração

com palavras secretas

os poetas

inauguram seus poemas

dentro da agonia dos que esperam amanhecer

e escrevem
àquelas ruas de adeuses tão graves

e amigos mortos

e renúncia iluminada debaixo da esperança

ou rumor de armas, livros e coração

se ouve a quilômetros

 

Em Buenos Aires entardecemos

a morte prematura

preparada duras insônias

e a alma triste de Ferreira Gullar exilado

elege outra luta corporal

onde estamos lado a lado

 

Em Porto Alegre

por detrás desse tempo aparente

se aquecem a coragem

os bens noturnos da alegria

e o silêncio denso de movia

carregando mortos pela vida adentro

 

(De “Solidão Provisória”, inédito)

 

 

MIRANDA, Luiz deTrilogia da casa de Deus.  Porto Alegre: Sulina, 2002.

 

MINHA QLORIA E MORRER NO MAR

 Todos me vêem
                         mas sou ausente,
nas ruas de pedra
                              da minha cidade,
meu nome é lei
                       nos engenhos do que sei,
e também do que
                          se perdeu de mim,
um perfume de jasmim,
                                  na rua em que nasci,
                                  em Uruguaiana,
à beira do rio Uruguai
                                aqui sei o que me ama.

 

O campo é espelho
                            da minha alma.
Só ouço conselho
                          da linha reta da pampa.
Mesmo sem vontade,
                               vou relhando os aramados,
com os punhais da saudade,
                                         cantam alto na vida,
onde deposito as despedidas,
                                          que o amor se desfaz
na água infiel
                                          que verteu na areia,
e os prélios contam suas vitórias.
Minha glória é morrer no mar,
na onda longa do verbo amar.

O crepusculário é a reza
                                   que burila o que escrevo.
O mundo existe longe de mim,
                                            mas meu mundo
eu recrio em cantos
                             que são guitarras
das milongas sempre abertas
                                          por estrada deserta.
me sou um homem de Deus.
                                         que se dá à morte nos olhos tens.
A verdade arde mas vive escondida.
                                                    nos sóis noturnos da minha vida.

 

Pelotas, tarde cie 9 de dezembro de 2000. 

 

 

MIRANDA, Luiz deTrilogia do azul do mar.  Porto Alegre: Sulina, 2000.  302 p

 

AQUILO QUE SE TECE

          a Paulo Peres

Aquilo que se tece
sempre conosco anoitece.
Outras noites são o breu
                    e o nunca mais,
asilo da solidão
                              e do adeus,
do que voltará jamais.

Pala nau dos dias
vem o que chamamos
                    pelo nome,
o que se esconde no passado
não passará a porta grande
onde Deus nomina
          os azuis impossíveis.

Talismã no céu.
Talismã na alvura da manhã,
e na alba do meu chapéu
brilha inesquecível Aldebarã.

É indo que somos o impossível,
rangem os ossos de nossa velha carroça.
Vamos ao infinito e ninguém sabe,
nosso grito é vertigem de água
pura do pampa, rio Uruguai
rolando em nossa alma.

Ah, nossa voz, mistura
                    de onde nasci,
                    do que vi
 na altura da última estrela,
que virou amplidão
que se alonga em ritmos de milonga.
Apenas uma canção que o vento leva
para desfazer no horizonte toda a treva.

Sou o tempo que me deram
 milhares de anos
                              no olho do profeta.
O poeta lê o lenho das águas do mar,
o que nunca termina
que a pampa sempre ensina.

Iremos sempre adiante.
Talismã, diamante eterno,
o vendaval,
                    o tufão,
                                  o inferno
passam longe de nossa casa.
Vou na asa de meu anjo de guarda,
          debaixo da chuva parda.
Um sinal longínquo aponta
          para o fim do mundo.
O relâmpago me guia
na verde rama da Poesia.
Minha cara é o trovão no poço profundo.

 

Porto Alegre, 15 de outubro de 1999.

 

 

 

Página publicada em setembro de 2010

 

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