LAURO RODRIGUES
Lauro Pereira Rodrigues (Distrito de Santo Amaro do Sul, 1918 — 17 de dezembro de 1978) foi um poeta, radialista e político brasileiro.
Foi membro da Estância da Poesia Crioula. Exerceu atividades de jornalista, radialista e político; foi vereador em Porto Alegre e deputado federal pelo Rio Grande do Sul.
Em 1935 apresentou na Rádio Sociedade Gaúcha o primeiro programa de atrações regionalistas no Rio Grande do Sul, Campereadas, no qual surgiu Pedro Raymundo.
Em 1958 Lauro Rodrigues volta ao rádio de segunda a sexta, das 8h30 às 9h30, no programa Roda de Chimarrão na Rádio Farroupilha que, além da ênfase no tradicionalismo, falava de assuntos rurais e urbanos de Porto Alegre.
Obra poética: Invernada Vazia, Ed. Coruja, 1944; Minuano , Ed. Livraria do Globo, 1944; A ronda dos sentimentos, Ed. Globo, 1944; Senzala Branca, Chirus, Ed. 3 Xirus, 1958; A canção das águas prisioneiras, Martins Livreiro, 1978.
RODRIGUES, Lauro. Senzala branca. Porto Alegre: Editorial La Salle, 1957. 142 p. (Col. 3 Chirus) 14x18,5 cm. “ Lauro Rodrigues “ Ex. bibl. Antonio Miranda
SENZALA BRANCA
Os homens sonham com a paz...
A infância brinca de guerra...
Em que luta morrerás
menino de minha Terra?
ALELUIA
Velho pampa lendário de outras eras,
onde se erguem lúgubres taperas,
tripudiando quais flâmulas de luto;
nessas tardes de junho, ao sol poente,
parece-me que sinto o que tu sentes
quando o silêncio de teu campo escuto...
A brisa nas carquejas do varzedo,
chorando, confessa quer tens medo,
de enfrentar esta miséria atroz...
E na tristeza sem fim dos corredores
vibram hinos de brados e clamores
contra as algemas da canalha algoz...
Mas não percebes, decrépito campeiro,
que as rondas do abutre carniceiro,
grasnam sobre ti funéreo agouro;
que és um braço do “Gigante” que mendiga
e “deitado em berço esplêndido” se obriga
a pedir pão sob um dossel de ouro?
Esquece as condições de teu presente!
Larga o trôpego andar do indigente
e relembra o que fostes em tempos idos...
Deixa a tua lança, adormecida e quieta!
A guerra é de doutrinas... Vem! Desperta
que os dias do porvir serão vividos...
Pois, pressinto na fome de meu filho
que um vulcão de revolta aclara o trilho
por onde segue a procissão dos pais...
Desperta Rio Grande! Chama o Brasil
antes que a voz da boca de um fuzil
não lhe consinta despertar jamais...
Pobre Pátria de vinte e tantas zonas
que tem no seu ventre o Amazonas
e agoniza de fome nas cidades...
Zoo de macacos galhofeiros,
plagiando o viver dos estrangeiros
desde o Batismo à Universidades...
Tenho pena de ti, — senzala branca ! —
dessa coletividade honesta e franca
que de tanto esperar já desespera...
Tuas vísceras são campos de imundícies,
onde o vírus malsão das canalhices
se robustece, cresce e prolifera...
Enquanto isso, cérebros raquíticos,
— sanguessugas de pântanos políticos! –
fomentam leis que não trescalam nada...
Mas não tarda que a aurora do futuro
tinja de escarlate o céu escuro
dos párias desta estância abandonada...
Nesse dia, meu pampa, os teus heróis,
ostentando nas mãos raios de sóis
e cavalgando fagulhas celestiais,
virão beber na fúria dos motins,
o sangue nutrido nos festins
dos que colheram sem semear jamais...
E, então, o marco de uma nova era,
surgirá num ermo da tapera
substituindo o pedestal de imbuia,
para que o povo todo num só grito,
possa bradar da Terra ao Infinito:
ALELUIA!... ALELUIA!... ALELUIA!..
NOITE DE CHUVA
Escuta chinoca linda,
o som da chuva no zinco
como tambores de Deus
chamando os noivos p'ra vida...
Não prende o candieiro ainda!
Fecha a porta! Corre o trinco!
Deixa que a sombra dos céus
nos acoberte, querida...
Solta essa crina ruana
sobre o meu peito de moço
que guarda sem alvoroço
muita história rabicana
de muita china haragana
que hoje chora a viuvez...
Fiquemos assim; no ajôjo
do mesmo sonho inocente;
bebendo à guampa do apojo
que a noite traz em seu bojo
para a saudade da gente...
Quanto ruído de inseto! Quanto barulho de bicho
que a treva reponta a esmo
no aparte das madrugadas!
Mas, só me põe o rabicho,
me despotreando a mim mesmo,
a vida das águas mortas
no tempo das enxurradas...
As rãs despejam lamentos; os sapos cortam soluços.
Os grilos choram de bruços
na borda dos aguapés...
Tristes vozes desusadas
parecem almas penadas
no ermo dos santa-fés.
Eu gosto desta cantiga
que é como cordeona antiga
sempre igualzita, no mais...
Por mais que avance o progresso
nunca achará recesso
no claustro dos banhadais. ..
Da lonca se tira o tento. ..
Da tábua se faz a tarca...
Do potro se faz o manso...
O gaúcho morre ao relento...
O fogo eterniza a marca...
O tempo não tem descanso...
Porisso, chinoca linda,
a ronda jamais se finda
ao som da chuva no zinco...
Por mais que avance o progresso
nunca achará recesso
no peito de um "trinta e cinco"...
PELEGUEANDO
Bueno amigo, acabou-se
o pampa de antigamente!
E por me achar descontente
com o tranco que a vida leva,
aparto um verso maleva
como piá de bodega
e saio muito xobréga
a provocar arruaça,
em meio dessa chalaça
que chamam de tradição...
Venho do fundo do tempo
das bocas que se arrolharam,
quando, sem mais, incendiaram
os panos de "trinta e cinco"
porisso acho engraçado
olhar os tauras de agora
vestindo bombacha e espora
como mocinha de brinco...
Mas não lhes tiro a valia
pois sempre tem serventia
o rabo, a guampa e o casco,
com que se atiça o braseiro,
traz água para o saleiro
e se borrifa o churrasco...
Lamento que se embicando
p'ra os rumos da pacholice,
por vaidade ou gabolice,
a tradição degenere,
pois, no fervor da arruaça,
vai o pagode da raça
viçando p'ras intempéries...
As cantigas do passado
têm novos donos que eu sei...
E os índios enquadrilhados,
num geito louvaminheiro,
vão repontando mentiras,
como senhores da grei...
Mascates de antigas glórias,
mercadejando as histórias
que o pampa guardou p'ra si,
vão, na ganância do gesto,
passando cincha e cabresto
na altiva Piratini...
São frades sem catecismo,
profetas de um neologismo
na algaravia do drama;
bastardos de uma epopeia
lembram Simão na Judéia,
são divindades de lama...
Franciscanos da cultura
sobem do chão para a altura
como os abutres odientos
que singrando as amplidões
vão digerir podridões
nos torvos papos nojentos...
Velha estirpe legendária
que a negra mão mercenária
fantasiou na ribalta,
no garimpo dos "guichets"
eu não entendo os "por quês"
da exaltação dessa malta...
E nessa subserviência
vai rastejando a querência
de forma tão deprimente
que obriga o estro do vate
a provocar um combate
de protesto permanente...
Em meio aos dias sombrios,
enxovalhada nos brios
por bailarinos plagiários,
eu creio que alma pampeana
há de se erguer soberana
ao som de rubras hosanas
p'ra o teto de um relicário!
Se a história é cousa divina
não pode a mão assassina
lhe mutilar a grandeza,
porisso eu entro na liça
pedindo ao Tempo, justiça;
ao Júri, o dom da franqueza...
RODRIGUES, Lauro. Minuano. Poemas gauchescos. 2ª. edição. Porto Alegre, RS: Edição da Livraria do Globo, 1944. 88 p. 13x19 cm. “ Lauro Rodrigues “ Ex. bibl. Antonio Miranda
MINUANO
O minuano
que passa
esparrama a fumaça
do fogo de chão.
Minuano,
tu és a era
renascendo da tapera
da lenda da tradição:
no teu gemido
se abriga
a gauchada caída
pela glória do Rincão.
Passa minuano, passa!...
Que por detrás da vidraça
eu contemplo a escuridão.
Tu levas no teu regaço
um grande, um grande pedaço
da minh´alma de poeta
que anda voando inquieta,
buscando
nestes rincões
os patriotas caídos
nas refregas do passado,
quando lenços colorados
esvoaçando
aos milhões,
no colo dos Farroupilhas,
encheram estas coxilhas
de lendas e tradições.
És a têmpera da raça!!!
Por isso quando tu passas
batendo esta soledade
do rincão aonde moro,
relembro
cheio de orgulho
os homens da minha terra
que, na campanha
ou na serra,
cavalgando os seus corcéis
dormiram entre os dosséis
cor de cinza
das batalhas;
e à beira da eternidade
tiveram como mortalha
o pálio da liberdade.
És rude
como os meus versos,
e os meus versos
como os homens
que rondam no teu gemido...
MEU BAIO RUANO
Eu tenho um baio ruano
flete bueno
anca de vaca:
cosquilhudo
de virilha e de paleta
puerva ligeiro de pelear de faca.
Nesse baio
eu já fiz tanta proeza
qu´ele carrega a minh´alma presa
na barbela trançada de seu freio.
Muita carreira
esparramei de-hupa!
alegrei muito fandango feio
e muita china sentou na sua garupa.
Esse baio
tem na concha de suas patas
a história
da mais linda das mulatas
por quem um dia, afinal, me abichornei!
É bueno
esse pingo anca de vaca,
flete ligeiro
de pelear de faca,
esse baio
ruano que eu domei!
Página publicada em março de 2015; ampliada em novembro de 2015.
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